sexta-feira, 17 de julho de 2015

Uma sexta-feira assim - crónica do calorento à beira de um ataque de nervos


O que diz a expressão? Que tenho calor! Pode ser outra coisa, mas essa também serve

Hoje acordei com o despertador, ainda este não marcava as oito da madrugada. Sim, estava perante mais um daqueles dias em que ao meio-dia são doze da madrugada, e só apetece ficar em casa. Não na cama, mas em casa, debaixo do frio artificial do ar condicionado - nunca a palavra "artificial" teve um som tão delicodoce como em "ar fresco" - começam os dois com "ar", viram? E um deles também acaba, hmm. Desculpem mas isto é do calor que tem feito esta semana na região, que me anda a deixar com os circuitos baralhados - e podia ter sido pior, pois não fossem anunciar na quarta-feira que Macau estava exposto a uma vaga de calor, já começava a pensar que fui acometido de afrontamentos, ou essas doenças esquisitas que dão nas mulheres. E deixando as mulheres de lado (nem dá vontade de espreitar uma perninha laroca ou um decote mais maroto, com a m... do calor) nestes dias é preciso tem "um par deles" para se sair à rua, e ao fim de poucos minutos, basta descer uma rua, até já esse par está molhado com esta combinação mefistofélica de céu cinzento, temperaturas acima dos 30 graus, humidade perto dos 100%, e muita gente na rua. Tanta gente. É normal que numa cidade se veja muita gente, e mais normal ainda que nas horas de ponta se veja ainda mais. Aqui, nas horas de ponta vê-se gente a dar com um pau, a meter-se no caminho de outra gente quer sair deste tempo que nos cai em cima como umas calças de fazenda daquelas que picam como o caraças. Ah, mas o dia de hoje? Foi mais uma batalha desta imensa guerra que é o verão em Macau - e é impressão minha, ou o verão está cada vez mas comprido, aqui neste canto esquecido e abandonado pelo Clube dos Climas Temperados e Cíclicos? Alguém se importa de fechar a porta da sauna?

Saí de casa deveriam ser mais menos 8 horas e 22 minutos. O meu horário de entrada é 8:50, portanto para ir a pé de S. Lourenço até à Rua do Campo, 28 minutos chegam e sobram perfeitamente - até menos. Ahem, bem vindos a 2015. Há cinco ou seis anos conseguia fazer o caminho da minha casa, aqui perto do Instituto Salesiano, até ao Edif. Administração Pública em menos de quinze minutos. Hoje se saio de casa com menos de um quarto para lá chegar, atraso-me com toda a certeza. Dá para correr, mas teria que ser pela berma da estrada, e o calor não convida nada. O que mudou, então? Esticaram o caminho? Já lá vamos. Espero pelo elevador, que demora mais que o habitual a chegar (quando já estou atrasado, der por onde der, é certinho, o fdp). Abre-se a porta vejo que já lá estão dois ocupantes, avô e neta, que vivem no último andar, dois acima do meu. Entro lá dentro, e desculpem-me a sinceridade, cheirava a MERDA. Sim, isso mesmo, a matéria fecal, esgoto, fossa séptica, eu sei lá. Não era do cavalheiro (que por acaso não conheço e tem ar de mete-nojo) e muito menos da menina. Deve ser algum "souvenir" de uma das 15845 vezes em que recolhem o lixo durante o dia. Já me explicaram o horário da recolha, não me recordo, e também não interessa porque é mentira: chegue eu ao meio-dia, uma da tarde quatro e meia ou seis horas, está SEMPRE o elevador que dá para todos os andares ocupado a "recolher lixo" - e ainda pago condomínio por este serviço de caca. Ah espera lá, era isso, o serviço: o elevador cheirava ao serviço prestado pela companhia de administração do condomínio do edifício.


Isto é: 1) a cabeça de uma lampreia "cyborg", 2)  um periscópio invertido ou 3) uma câmara dentro de um elevador, colocada com uma legitimidade no mínimo discutível - do ponto de vista da lei de protecção dos dados pessoais, é lógico...

Não tendo eu outra escolha, não me restou senão descer na companhia do avôzinho, do capuchinho, e do peidinho. Antes seleccionei qualquer coisa para ir lendo no Smartphone durante a viagem, que conforme os andares onde pára pode ser de trinta segundos, ou de cinco minutos. E é com antecipação que carrego qualquer coisa para ir lendo, pois o tal condomínio, competentíssimo como sempre, investiu uma fortuna num sistema de vigilância que inclui câmaras "altamente", que destoam do resto do elevador, cujo limite são "12 pessoas" e não sei quantos quilos - 12 pessoas deitadas na transversal em oblíquo, deitadas e sobrepostas umas sobre as outras, suponho - mas não têm meia dúzia de patacos para instalar uma simples antena que permita a recepção de sinal de automóvel, e assim se aprecie melhor a brisa anal da flora intestinal que se respira ali logo às oito e pouco da matina. Mesmo assim a viagem até não foi demorada, parando apenas numa "estação", onde entrou um casal com...uma filha pequena. Que original. Destes dois conheço o tipo, que trabalha no mesmo edifício, e não sabendo mais do que isso, a condição de vizinho da mesma forma que na condição de co-funcionário: fica na tua, não me chateies e nada de olhares muito demorados. Estou aqui a falar daqueles patifes sempre com cara de que o mundo todo lhe deve dinheiro (sim, pior que a Merkel), e que das raríssimas vezes que sorri imita tal-e-qual o Joker, do universo Batman. Entraram aqueles, ficámos seis: o Adão e Eva, o Noé, as duas pequenas Abelina e Caima, o peido criador e o gajo que só queria viver no segundo ou terceiro andar para não precisar de aturar tão idílicos cenários - eu, lógico.

Não sei precisar quanto tempo, mas foram mais de dez andares a descer com os olhos colados no telemóvel, reduzindo a respiração ao mínimo para me manter vivo, e tentar abstrair-me do cenário que me rodeava. Era difícil, pois para fazer aquele indesejado momento de comunhão parecer menos o prelúdio de um tiroteio do estilo "execução", à boa maneira da Camorra (ou da Mossad) e em que no fim todos ficavam mortos, aquelas criaturas resolveram fazer bilús-bilús uns aos outros. Não chegava estarem ali - literalmente - dois seres de raciocínio infantil, que se juntaram ainda os paizinhos da segunda, que lhe iam perguntando "onde é que está a menina?" (referindo-se à outra subdesenvolvida da sua co-espécie), "gostas da menina?", "e onde que está o senhor?", "e a mamã, gostas da mamã?" - se já é terrível assim, imaginem em chinês. Prestes que estava a regurgitar o pequeno-almoço, e eis que chego ao rés-de-chão, meio atordoado, deixo o casal sair primeiro, por gentileza, mas aí sou recordado da lição que a vida insiste em ensinar-me e eu teimo em não aprender: NÃO SEJAS BOM/GENTIL/CORDIAL/CAVALHEIRO COM NINGUÉM! Portanto chegamos ao rés-do-chão, as pessoas colocam-se em posição de sair, eu fazendo uma espécie de ala ao casalinho, como que a fazer de guarda-costas, a porta abre-se, eles hesitam em sair, e quando finalmente se decidem, eu vou atrás, e a porta fecha-se, entalando-me exactamente no meio dos ombros. A precisão com que a p... da porta fez de duas côdeas para o recheio que era eu, dava a entender que estava predestinado a ficar entalado no elevador/infantário a cheirar a cocó. Tudo por culpa daqueles "lordes", e mais a sua princesinha, que antes de sair certificam-se que estão no planeta Terra e que o elevador não os deixou na Terra de Oz, e só depois saem, aproveitados que estão os poucos segundos até que a porta se feche. Ai estava lá alguém dentro? Que se lixe, não eram eles! Depois de praguejar e mandar a porta para todos os sítios maus, fiz o mesmo com aquela simpática família, ferindo-lhes verbalmente a cidadania, nomeadamente a da avó da menina, que apesar de eu não conhecer, adquiriu naquele instante um estatuto de marginalidade da mais envergonhada. Eu deitei fora o fel, eles não entenderam o que eu disse, e ficámos todos na mesma - podia ser pior, convenha-se.


- Olha lá, e que tal a gente não atrapalhar as pessoas enquanto levamos a nossa vida de flausinas desocupadas?
- Desculpa, não ouvi. Deve ser do som dos passarinhos...

Já na rua...ah Macau...a rua. Escrevendo estas linhas sentado em frente ao PC debaixo do bafo abençoado do ar-condicionado, a "rua" parece um castigo, o desterro dos malditos, o destino dos condenados, e chega de prosa poética: andar na rua em Macau no Verão é do c...(não queria repetir "merda", fica-me mal). De volta ao primeiro parágrafo, onde digo que demoro vinte ou mais minutos a fazer um caminho que fazia há dez anos em metade desse tempo, a razão disto ser é evidente: obstáculos naturais. Como? Sim, as pessoas são parte da natureza, certo? Mesmo aquelas que são um empecilho que não respeitam mais ninguém e estão na rua como se estivessem em casa, onde são igualmente boçais, mas no privado. Sim, todas de carne e osso, e neste caso de malas e bagagens a arrastar pelo centro da cidade em hora de ponta. Hoje foi a primeira vez que me irritei mesmo a sério com alguém: depois de mais um caminho pelo mato de gente a olhar para o telemóvel, a parar subitamente a meio da rua no meio de uma multidão em movimento, saindo das lojas a fazer adeusinhos lá para dentro, sem olhar para onde vai, as senhoras que param para abrir o guarda-chuva para se protegerem do sol necessitando para o efeito do uso exclusivo do passeio, já de si estreito, etc.,etc., deparei com uma situação nova. Estava quase a chegar a porto-seguro, ou como diz, o local de trabalho onde me esperava um dia inteiro de ar-condicionado grátis, e reparo que vem na minha direcção uma criatura do género feminino completamente alienada, a caminhar numa direcção oblíqua, enquanto...OLHAVA PARA UMA NÓDOA NA CAMISOLA!Antes que desse o choque frontal, berrei-lhe na cara, e em português: "Olha para onde é que andas, porra! Acorda, abre os olhos!" Porra, eu ali a escorrer molho, a derreter, a destilar, e vem aquela triste quase para cima de mim por causa de uma nódoa? Ainda por cima uma pindérica, e vendo bem uma nódoa sempre afastaria a atenção daquele metro e meio de sopeira com cabelo de esfregona. Fiz uma figura perfeitamente ridícula, confesso, mas quem estivesse no meu lugar fazia exactamente o mesmo, ou pior. As pessoas que testemunharam, ou riam-se, ora olhavam, mas se naquele momento houvesse ali um buraco, a tipa enfiava-se logo lá para dentro, tal foi a humilhação. E eu desculpo-a, tenho um grande coração.


Em Macau, China, "come-se cães", e os edifícios públicos são assinalados com uma escavadora à porta.

Recomposto deste desaguisado, deparo com este objecto mesmo em frente do Edif. Administração Pública, onde tenho o meu ganha-pão: uma escavadora! No passeio! Em frente à porta! E precisei de passar de lado e tudo para poder entrar! Yupi! E do que é me estou a queixar, afinal, se vemos obra em tudo o que é sítio, e com isso a cidade "fica a ganhar", a cidade "respira", a cidade "ganha um novo alento" - e só com isto fiz uma propaganda mais jeitosa do que qualquer uma da TDM, tv ou rádio. Imaginem o que seria se um utente me ligasse a pedir a localização dos serviços? "Não tem nada que enganar: vá até à Rua do Campo, e onde vir uma escavadora no meio do passeio, entra!". O pior é que por vezes se levanta à dúvida: "qual delas?". Sim, qualquer dia temos todas as ruas com a sua própria escavadora, torna-se "normal" andar à cabeçadas na rua enquanto se verificam as nódoas na camisa, e todos ficarão entalados na porta de um elevador com cheiro a bosta. E já vos disse que está MESMO muito calor?

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