segunda-feira, 20 de julho de 2015

Tatuísmo


Um episódio interessante teve lugar em Oeiras na semana passada, quando um casal foi chamado à Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) para "discutir" a vaga no colégio da filha de ambos para o próximo ano lectivo, que segundo eles "já tinha ficado assegurada". Foi aí com grande espanto que Clife e Bruna Barbosa ficaram a saber pela educadora que os recebeu que a sua filha Mel já não ia frequentar o colégio, e tudo aparentemente por culpa da profissão do pai. Stripper? Gigolo? Corsário de alto mar? Barão da droga boliviano? Não: Clife Barbosa tem um estúdio de tatuagens em Oeiras, um negócio perfeitamente legítimo, registado, e como desconheço esse tipo de procedimentos em Portugal, deve ter os seus impostos em dia, e podem ver tudo aqui, na página do Facebook da "Clife Ink"  - assim se chama o estabelecimento. E parece que o problema era esse: as tatuagens, que a senhora do IPSS ia insistindo serem a razão porque a pequena Mel não ia frequentar o colégio. Segundo conta Clife na sua página do FB, a educadora insinuou mesmo que a razão da criança não poder ficar com um dos avós se devia a estes "não terem aceitado o casamento" - supõe-se que as tatuagens estariam também na origem desta dúvida, e segundo Clife, a senhora olhava para as tatuagens do seu braço com cara de asco, e chegou a comentar "mas essas tatuagens". Grave. Se por um lado o "racismo" não existe, pois depende de conceitos e interpretações abstractos, as tatuagens estão ali e vêem-se. Pode-se dizer que isto se trata de um caso de...tatuísmo!


A conotação das tatuagens com a marginalidade é algo muito mais recente que as próprias tatuagens. A rainha Vitória tinha tatuagem, e duvido que isto fosse uma prática comum nas prisões da Inglaterra novecentista. Thomas Edison, inventor da lâmpada, tinha tatuagem (de uma lâmpada, quem sabe...), James K. Polk, 11º presidente norte-americano, tinha tatuado no corpo um caracter chinês, e outros personagens perfeitamente insuspeitos tinha igualmente tatuagens, casos de Nicolau II, o último monarca russo, Winston Churchill, maior estadista inglês do século XX e George Orwell, autor de "1984". Mesmo em Portugal temos Miguel Esteves Cardoso, por exemplo, que vem provar que não existe uma ligação entre a marginalidade ou a rebeldia, ou o "wild-side", para se ter uma tatuagem - basta ter paciência para aguentar umas picadas. Ah, e há outro:


Ah! E é assim mesmo, eu próprio tenha 4 tatuagens, que não ostento porque são para mim, e esta em particular serve de "aviso" para quando me começar a "esquecer" dos pressupostos que levaram ao aparecimento do personagem. Posso dizer que estão cada vez mais vincados, e cada vez mais odiados  - é bom sinal! Não me parece bem que se façam tatuagens no rosto, pescoço ou num local onde não seja possível evitar contacto visual com a arte (bem, é arte...). Neste caso uma entidade patronal que decida não contratar alguém por ostentar uma tatuagem no meio do rosto tem toda a legitimidade; não pode alegar que não gosta do nariz do candidato a emprego, mas a maioria concordará que reservar-se ao direito de não gostar de um desenho seja entendido como uma forma de discriminação. De resto hoje em dia os miúdos fazem aquelas tatuagens mais pequenas no tornozelo ou na perna com 15 ou 16 anos, algo impensável no nosso tempo.

Aqui o que surpreende não é tanto "o quê", mas onde. Se isto tivesse acontecido em Conaças da Leitoa de Baixo, freguesia do Lálonge, distrito da Putaquepariu, ainda se entendia, mas em Oeiras? A última vez que verifiquei, isso ainda se encontrava nos arredores de Lisboa, não era? Na capital do país? Onde aparentemente existem pessoas que não sabem que existem outras com tatuagens dos pés à cabeça que de uma flatulência tiram dinheiro que chegue e sobre para calar os moralistas de pacotilha? Os músicos de rock, por exemplo? Vamos portanto assumir que esta era mesmo a razão e não um pretexto - sim, cada vez mais as pessoas se sujeitam a certas figuras - o que fazer agora perante este caso de "tatuísmo"? Li alguns comentários no FB de Clife Barbosa, alguns sugerido que o casal apresentasse queixa, denunciasse à CREL, e não faltaram os apologistas de um bom "bullying" (cibernético?), pedindo a identificação completa da escola e da educadora. Eu sugiro que se contacte imediatamente o Museu Britânico. Porquê o Museu Britânico? Para ir até Oeiras buscar a múmia que nunca viu uma tatuagem na vida.

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