quinta-feira, 16 de julho de 2015

PortuGaliza (pelos caminhos de Santiago) - parte I


A bandeira da Galiza. Parece que andou ali alguém a jogar ao galo ao lado daquela imagem do ovo dentro de um cálice.

E se eu vos dissesse que existe um povo estrangeiro, de fora de Portugal, que não só não ri de nós nem nos acha preguiçosos, refilões e inúteis, como partilha connosco estas qualidades (sim, a preguiça sabe bem, refilar é uma qualidade e inútil é a tia) como ainda nos adora! Claro que estou a falar dos galegos, os naturais e habitantes da região autónoma espanhola da Galiza, e uma das mais rebeldes. Como se sabe a Espanha é uma nação falhada, e não digo isto por lá haver guerra, fome, ou por se tratar de um narco-estado ou algo que se pareça - nada disso. É "falhada" literalmente, pois com excepção de Castela (e talvez Aragão, Leão, La Macha e aqueles VENDIDOS das Astúrias) ninguém se sente realmente "espanhol"; os catalães são o que se sabe, e andam em pulgas para obter a independência, os andaluzes são um "case study" de touros, praia e sangria, a Extremadura é o parente pobre e no País Basco mandam Madrid para o "mandarikatu infernua" (ou "pikutara joan"). Mas na Galiza, onde La Coruña é  A Coruña, Javier é Xavier, e todos os caminhos vão dar a Santiago, os galegos xentem-xe portuguexes, e preferiam faxer parte de Portugal, e falam parexido conoxco. Xim, xá apanhei a muxiquinha e tudo, extão a ver?


Se repararem, vêem uma zona a cinzento no norte da Península Ibérica, perto da fronteira com a França: é o País Basco, onde se fala um idioma que NÃO se insere na categoria de línguas indo-europeias, sendo mesmo anterior ao aparecimento destas. É um caso único a oeste do Cáucaso, e o exemplo mais próximo deste é a língua turca.

O galego, o dialecto que se fala na Galiza, deriva da mesma raiz do português, uma das variantes das línguas Ibero-romanches: o galaico-português. Podem ver através daquele mapa colorido como a diferença é mexmo muito pouca entre ax linguaxe, e também como o portuguexe correcto falaxe do norte, c&%$*o (desculpem, mas estava a tentar falar português correcto, f*$@-xe). Em suma: o galego é parexido com o portuguexe que xe fala em Traxos Montexe e Alto Miño. Ooops, Minho, mas não me enganei, como vamos poder ver a seguir. Algumas expressões em galego chegam mesmo a ser iguais à sua versão em português, o que explica a proximidade cultural e afectiva entre Portugal e a Galiza. Enquanto em espanhol, ou castelhano, "como te chamas" fica "como te llamas", em galego fica i-gual-zinho. As diferenças quase nem se notam, e as frases compridas tornam-se num divertido "descubra as diferenças". Por exemplo, na eventualidade de encontrar uma galega bem parecida, e a quiser elogiar, pode dizer "tes unha tranca ben jeitosa, e as mamocas non son de deitarse fóra, non señora" - aposto que entenderam na perfeição. Mas se o idioma galego é quase igual ao português, falta o tal "quase", e os preciosismos saltam é vista: "bom dia" é "bo día", "até amanhã é "ata mañá", vendo bem parece português "amputado" - mas por favor não cometam o erro de confundir um galego com um retardado mental, ou vice-versa. Se alguém que parece normal chegar perto de si e disser "teño fame", não lhe pergunte se ele tem fama de quê, mas compre-lhe uma sandes ou uma sopa, se gostar da pessoa, ou caso contrário diga-lhe que "vaia comer merda". Simples.


Geograficamente, a Galiza "completa" o noroeste da Península Ibérica, onde Portugal já dá para "esticar" mais.

Nunca atravessei essa última fronteira, nunca fui a Biana (foi de propósito), nunca passei por Póvoa de Lanhoso, ó ranhoso, e a única Caminha que conheço é aquela onde me deito, mas já conheci galegos na internet, por exemplo, e deixem-me dizer-vos isto, que nunca disse a ninguém: os gajos devem ter um fusível avariado, coitados - como é possível alguém ADORAR-NOS daquela maneira? E nem se pode dizer que "não nos conhecem", ou que nos conhecem mal: conhecem muitíssimo bem, e mesmo assim ainda querem mais! Ah galegos de uma figa! Se um dia quiserem ir a A Coruña ou a Vigo e precisarem de sítio para ficar e um cicerone para vos levar a "pasear", entrem num fórum qualquer onde estejam galegos, digam que são portugueses, e depois escolham a oferta que vos parecer mais simpática - se no fórum estiverem 20 galegos, são vinte propostas. Mas enquanto não de decidem, proponho-vos uma ida pelos caminhos de Santiago, pela Galiza acima, e depois pela Galiza abaixo. Isto só se torna possível graças ao evento da internet, e neste caso dos mapas da Google, que nos ajudam a situar os locais. "Bah, grande coisa, isto também sei fazer, ó Leocardo" - dirá o/a leitor/a cuja disposição é constantemente afectada pela presença de um objecto volumoso e contundente que tem alojado no recto, sem que tenha consciência disso (xou tão diplomático, não axam?). Bom, aí posso responder à pergunta com outra pergunta, ou duas: 1) então do que está à espera e 2) se não lhe interessa, porque está aqui a perder o seu tempo. Mas quiser gastar bem o tempo, e for fã de lugarejos com nomes bizarros e pitorescos, recomendo que venha comigo ver como os galegos também têm um sentido de humor bastante apurada na hora de "chamar os bois polos nomes" (reparem na pequeníssima diferença). Venha daí.


...e depois não digam que não sabem localizar a província de Pontevedra na região autónoma da Galiza.

A Galiza é administrativamente divida em quatro províncias: Pontevedra, Ourense, Lugo, A Coruña e  Lugo, sendo esta última o mais distante da fronteira portuguesa, e já no limite da região autónoma das  Astúrias. Entremos por Caminha dentro da província de Pontevedra, e para lá chegados ao outro lado do rio Minho - uma fronteira fluvial, muito interessante - chegamos a A Pasaxe, ou seja "a passagem". Ao longo desta pequena vamos deparar com muitas localidades com estes nomes tão patuscos, precedidos dos artigos "o" ou "a". Esta província de Pontevedra divide-se em 62 concelhos distribuídos por 10 comarcas, sendo esta onde agora nos encontramos O Baixo Miño - faz todo o sentido, tirando a parta do "O", e ainda o facto de Viana do Castelo e Braga serem dois distritos portugueses ainda ainda mais abaixo de O Baixo Miño. Suponho que serão "O Minho lá de baixo tudo, do fundo da panela". A comarca tem quatro concelhos, sendo um deles A Guarda, que podemos ver ali na imagem. Na imagem também observar a presença de duas ilhas no lado galego; a de Xunqueira, e a outra com um nome fascinante: Ilha Morraceira do Grilo. Genial!


O Casal dá O Lugar a uma ponte perto de Gondomar.

Subimos pela comarca de O Baixo Miño onde vemos um lugar chamado "Barcelos", e chegados à comarca de Vigo encontramos um "Gondomar", um dos seus 11 concelhos - que falta de originalidade. Para dar com este Gondomar galego (que curiosamente não é O Gondomar) é só passar A Cerca, mas antes de ir dar com Os Muros vá pela direita, e depois de passar por O Casal dá com O Lugar - não, ainda não é aí, mas um pouco mais à frente. Gondomar não terá um major a mandar, e quanto a atracções turísticas que valham mesmo a pena, é necessário ir um pouco mais para oeste, até Santa Cristina da Ramallosa, no concelho de Baiona, onde podemos encontrar uma ponte do século XIII, no estilo românico. A Ponte Românica da Ramallosa foi mandada construir no século XIII pelo Bispo de Tuí, e por baixo dela corre o Rio Minho, perdão, Miño, que para quem não sabia que este rio nasce na Serra do Galinheiro, fica a saber agora. Uma bonita imagem, esta, que até serviu de postal, e de facto a p*** da ponte é linda, c*****o! (desculpem, não resisti). Ajuda se a fotografia for tirada com a maré cheia, pois caso contrário as atenções podem ficar viradas para o lodo que há por baixo da infraestrutura. 


Ir à Galiza e não ir a Vigo, é como ir à província de Maloposka na Polónia e não visitar o campo de concentração de Auschwitz - passo a (grossa) comparação.

Mas sem dúvida que um dos grandes pontos de interesse na Galiza é a sua cosmopolita cidade de Vigo, localizada nas margens da ria com o mesmo nome, e a mais populosa desta região autónoma de que hoje vos falo. Ir a Vigo tem, além dos seus muitos motivos turísticos, o aliciante de se poder fazer uma cacofonia muito jeitosa: "eu vi Vigo", ou ainda, recorrendo a um pouquinho de lirismo, "eu vivi Vigo". Devido à sua extensa e larga ria, Vigo é um destino balnear de eleição no norte da Península Ibérica, mas fico com algumas reservas, e explico porquê. Estão a ver Viana do Castelo, certo? Pronto, eu não, mas deixem lá. Quando se pensa em Viana, não vem à ideia o sol, a praia e os gelados de fruta ou chocolate, pois não? Aquilo é um bocado afastado da Caparica e não sei quê, enfim, assaz pensar em voz baixa "aquela porra dever ser fria como o c*****o". De facto. Agora este Vigo consegue ainda ficar mais longe da Caparica, e já agora também de Espinho, que imagino ser o local limite a norte para quem gosta de praia. Pode ser que esteja enganado - nunca disse que estava sempre certo - mas se insistir em ir a banhos em Vigo, cuidado que do outro lado da ria está uma Balea. Para se chegar a Vigo vindo da ponte ramelosa, perdão, Ramallosa, é só seguir em frente,e quando vir A Luz falta só mais um nada até aos Balaídos. Cuidado para não ir parar a Patos, ou pior ainda se fizer em desvio tão improvável que quem o fizer nunca devia tirado a carta - ou nascido, para esse efeito - e ir parar a O Porriño. Esta comarca e cidade tem um nome deveras sugestivo, não reste qualquer dúvida. Se quem for pela Andaluzia até Sevilha e lhe apetecer mandar alguém a tal sítio, tem sempre a Mérida ali a mão. No norte tem O Porriño, que vai dar ao mesmo.


Nota máxima para o argumentista. Sanxenxo? Faxam voxes senxo dixto, xe puderem.

E é aqui com esta pitoresca toponimia que a coisa começa a ficar interessante, caros leitores. Eu disse interessante? Eu queria dizer hilariante! Repare-se nos nomes destas localidades da comarca de Sanxenxo, cuja cidade está assinalada a vermelho no mapa, e é já de si um deleite toponímico. Reparem nesta delícia de nomes, especialmente aqueles assinalados com as setas. Imaginem o que seria morar em O Casal, ou em O Peso, e de como há mesmo quem saiba o que é viver n'A Lama. Quantos equívocos terá originado aquele Barcia de Mera? E n'O Galleiro? Vive-se lá de livre vontade, ou vai-se mesmo lá parar? E não há melhor sítio para se estar com a "famelga" do que na...Famelga! Genial. São às dúzias, senão mesmos às centenas os nomes de localidades que inspirariam qualquer humorista. Vejam ali junto à ria de Pontevedra aquele "Bueu" - "enton? bais lá tu ou bueu?". E um pouco mais para o centro, não longe dali? Não lhe apetecia uns Menduiña com essa cerveja, ó freguês? Fascinante, sem dúvida. E posto isto vamos para a província de A Coruña, mas sem antes vos dizer que Sanxenxo é uma "evolução do nome de Santo Genésio, um mártir romano. Prefiro transcrever a fonte onde fui ver isto, e que se encontra em galego do autêntico, do bom: O nome Sanxenxo é a evolución do nome latino de Sanctus Genesius (San Xenxo, un mártir romano, aínda que hai cando menos outros dous santos co mesmo nome), santo patrón da vila (xunto con Santa Rosalía).Segue-se depois uma explicação sobre a fonética, mas nem eram necessário: os gajos dizem "Santo Genésio" com uma p*** de uma gripe em cima. As melhoras, "meux xenhorex".


Corn flakes multicoloridos a formar a imagem do que aparenta ser uma galinha?!?! Ah não, é só a província de A Coruña...

E assim entramos por A Coruña adentro, já falta pouco para chegar a Santiago - é xó maixuns inxetantes. Em termos administrativos A Coruña é complicadíssima: são 93 concelhos dentro de 18 comarcas, o que vale por dizer que esta matéria deve ser o grande calcanhar de Aquiles nas aulas de Geografia dos galegos. E depois reparem nos nomes de alguns destes concelhos: conhecem "As Pontes de Maddison County"? Aposto que não conheciam as de García Rodriguez, que são a mesma coisa, mas bêbadas. Se quiserem fazer O Pino, pode ser que vejam o Boimorto, que é inofensivo, mas cuidado com O Touro, mesmo ali ao lado. Na volta passem pela Cabana de Bergantiños e dêem uma esmola à Pobra do Camariñal, que não pode trabalhar devido a ter escorregado n'A Baña e partido uma perna, enquanto a outra que estava boa Inxoa - foi a picada de um Ferrol. Podia ficar aqui n'A Laracha a noite toda, mas vamos antes a Santiago, com recurso a um separador espectacular!


Zas! (e é só, queriam o quê?)

E quando pensavam que já tinham visto tudo, Zas! Uma cidade chamada Zas! junto de um rio igualmente com o nome de Zas! Este nome Zas! deve-se a uma aliteração da palavra germânica "salas", que quer dizer sal, e se quiser pode ir aqui saber mais sobre Zas! Agora, para Santiago de Compostela!


E o caminho faz-se...caminhando. Ou neste caso em frente ao computador.

Comovei-vos. "Bem, obrigado?". Epá eu disse para ficarem comovidos, e não "como vão", seus...galegos! Mas não façamos trocadilhos, ou brincadeiras toponímicas com O Carballiño ali em baixo, e mais a cima o maiorzão, o Carballo, ou insinuações Salazarentas por haver lá para cima uma Santa Comba, até porque lá perto está um Vimianzo, e não um Vimieiro. Agora peço-vos que fiquem n'O Grove, chill dawgs, e agora que estão cool, vamos entrar por Santiago de Compostela, e isso tem honras de imagens de satélite e tudo!


E mal chegamos de Santiago de Compostela, dá-se logo um milagre, mas este da tecnologia: o Street View da Google, que nos permite ver o local como se estivesse mesmo à nossa frente. O Street Google tem uma lógica muito curiosa: quanto mais se viaja nele, mais se engorda. Bom, isto não me parece lá muito sacrossanto, mas ainda agora cheguei e é preciso não esquecer que isto é uma cidade como outra qualquer, onde vivem quase 100 mil pessoas que trabalham, estudam, fazem parte dos 20% de desempregados que compõem a população de Espanha, etc..


Hmmm..bem, parece-me muito "normal" para o que seria de esperar. Acho que vou seguir aquela menina, pois pode ser que esteja a caminho da catedral e todas essas curiosidades que fazem de Compostela...Santiago de Compostela. Vou ter cuidado para não fazer comentários em voz alta, senão ela ainda escuta, e depois mostra-me o que vale uma galega: "Xamaxe-te-me xonxa? Xeu xafado! Xai daqui xá!".


Ah, assim está melhor; ruas íngremes e casas em ruínas, que ao contrário do que acontece na Faixa de Gaza, aqui em Compostela é um bom sinal: estamos a aproximar-nos do Centro Histórico.


E pronto, cá estou na Praça das Praterías, a dois passos da Catedral e de todo o património da humanidade que a UNESCO abençoou. Não é surpresa que não se veja muita gente, pois isto não é Fátima, ao contrário do que alguns pensam (tolos). Aqui não seu nenhuma alegada aparição, nem o sol "dançou", e sempre são 1000 (mil) anos desde que Compostela apareceu em honra de S. Tiago, e se viria tornar ponto de peregrinação. Já agora uma curiosidade interessante: Compostela deriva do latim Campus Stellae, ou "campo de estrelas". Aposto que nunca tinham pensado nisto, ó defs. Se calhar pensavam que era "composto de mistela", é ou não é? Broncos...


E ei-la, a catedral de Santiago de Compostela, fotografada por Javier Cesar - que desconheço quem seja, bem como a razão porque estou a mencionar isto. Parece que estamos mesmo com azar, pois o local encontra-se em obras, desconfio que será porque esta catedral no estilo romanesco foi construída no século XII, e apesar de nesse tempo as coisas serem feitas para durar, nove séculos dão pelo menos para fazer aparecer uma ou duas goteiras na pia baptismal. Há muito mais para se ver, claro, mas para isso recomendo que visitem o portal electrónico aqui, e garanto que é muito jeitoso - inclui uma secção de "obxetos perdidos" e tudo! Eu entretanto...


...vou ver se  como qualquer coisa, e pode ser aqui na "Casa de Xantar O Dezaseis". Pfff...xetúpidos, que não é axim que se xecreve "dezasseis". 

E por hoje é só, espero que tenham gostado, e não percam a parte final desta nossa viagem pela Galiza, a publicar amanhã  - ou quando me der mais "xeito". Vamos visitar A Coruña cidade, subir ao Lugo e voltar para o nosso Minho (Miño deles) pela província de Ourense. Aguardem, xim?

(Continuem)


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