sábado, 18 de abril de 2015

Um novo não-sei-como (nem quando)


Hoje, Sábado, não saí de casa, de todo. É verdade, e deve ser a primeira vez que isto acontece em muito tempo, e nem me lembro da última vez que aconteceu. No entanto devia ter saído, nem que fosse para espairecer, arejar e ideias, sei lá fazer qualquer coisa de diferente, mesmo que não seja nada, mas preferi fazer em casa, o meu nada. Estranho devir, este, de tanto não querer fazer, com os resultados que não se vêem, fruto de trabalho nenhum. No entanto não tive a honra de inaugurar esta nova escola do niilismo macaense, pois foi tarde demais que resolvi este enigma da existência que é só ser e nada fazer, e antes de mim outro não houve que atingiu o karma da letargia dormente: Raimundo do Rosário, novo secretário das Obras Públicas e Transportes, que ontem foi apresentar as LAG para esta tutela, num papel branco, tão branquinho cuja alvura foi por todos elogiada. Estava criada uma nova modalidade de governação: de mim não esperem nada, e tudo o que vier será por acréscimo. Antes de passar a dizer o que penso disto e que me deixou o dia inteiro de boca aberta a pensar que o "maluco sou eu", vou adiantando que não tinha uma grande expectativa quanto a estas LAG em geral, e das OP não acompanhei uma única com o secretário Lao Si Io. Raimundo do Rosário conseguiu sem querer expor as feridas não da governação, que isso todos sabem, mas de uma cultura apolítica, ou melhor, uma falta de cultura política que depois do seu discurso foi gritante, mas sem se ouvir. Foi um grito mudo, por assim dizer.

Recordo-me vagamente do Engº Raimundo do Rosário quando cheguei a Macau, em 1993, e julgo que já era director das DSOPT nessa altura, e se não me engano tinha um escritório na Av. Horta e Costa, pois o seu nome chamou-se a atenção. Era ele ou alguém com um nome parecido, mas dele em particular, tenho uma vaga ideia, insisto. Um aspecto interessante a respeito do novo secretário prende-se com a sua aparência jovial: este homem que viram na AL na quinta e na sexta-feira tem quase 60 anos - fará 59 em Agosto. Ninguém diria. Do que me lembro dele não mudou muito, com excepção talvez do cabelo, um pouco mais grisalho, e os acessórios, pois nos anos 90 era comum os óculos serem quase do tamanho do rosto (com toda a gente) e aqui em Macau estavam na moda os fatos azul-escuro. Tirando isso, parece que os 15 anos que passou entre Lisboa e Bruxelas suspenderam o seu processo de envelhecimento, e isto é uma constatação, se entenderem como elogio, tudo bem, nas nesse particular lamento, mas fico por aqui. O seu currículo durante os últimos anos da administração portuguesa é impressionante: director da DSSOPT, presidiu à Comissão de Terras e ainda esteve na Comissão do Aeroporto e dos Transportes. Se hoje fosse dia 19 de Dezembro de 1999, era a escolha mais indicada para o cargo que joje ocupa, mas infelizmente não foi. E este "infelizmente" tem muito que se lhe diga.

Ao Man Long! Peço desculpa pela violência, e agora que já se recompôs do susto, aí está o problema com as OP desde 2007: uma falta de confiança derivada da...desconfiança. Sim, numa cidade onde as receitas eram geradas sobretudo pelos casinos, descobriu-se um segundo filão: o da construção civil. A fúria de construir com o apoio da política de fixação de residência através do investimento, a chegada dos novos casinos e a organização de três eventos desportivos regionais (ok, os Jogos da Lusofonia são "lusofonais") deixaram os construtores e empresários de boca aberta, pois eram avultados investimentos, estes, com algarismos nunca visto e uma liberdade para derrapar que isto mais parecia uma pista de gelo besuntada com azeite e eles alforrecas em cima dela. Ao Man Long, primeiro-secretário das OP viria a ser detido em Dezembro de 2006, Susana Chao levou as mãos e cabeça e exclamou: "ah era isto que me tinha esquecido de avisar, afinal!", e ninguém atendeu o telefone nas OP durante um bom tempo. Foi um pouco desagradável, uma vez que a detenção veio numa altura em que havia um crescendo de projectos ambiciosos que só viriam a ser realizados mais tarde, e outros nem por isso. Lao Si Io veio do IACM para ocupar a pasta mas não foi feliz, deixando por resolver o dossier do metro ligeiro, a cidade num pandemónio quanto ao trânsito, taxistas fora de controlo e em geral um cenário nada convidativo para o seu sucessor. Vindo de Bruxelas, da representação da OMC, Raimundo do Rosário estudou os dossiers, diz que há problemas "impossíveis de resolver", soluções "não tem", e a única coisa que sabe é que "derrapagens vão haver sempre, com toda a certeza".

Portanto chegamos ao fim das LAG com uma espécie de "show" de ilusionismo da parte de dois ilusionistas com rotinas diferentes: primeiro o espectacular Alexis Tam, com meios espectaculares, um número que deixou todos de boca aberta com o seu risco e espectacularidade, e outro com Raimundo do Rosário, que não serrou ao meio a sua assistente por "não ser seguro", não lhe atirou punhais encostada à tábua por "não dar garantias", e ainda tentou um truque com cartas, mas faltavam algumas, e então não deu certo. Estranhamente o público gostou tanto ou mais do segundo número do que do primeiro, e elogiou - atenção a isto - a "frontalidade, honestidade e coragem" do secretário. Frontalidade com toda a certeza que teve, honestidade pode ser que sim, mas coragem? Leonel Alves ficou encarregado de transmitir o elogio ao Secretário, como quem diz "ainda bem que sabes", mas eu vi logo que alguma coisa não batia quando durante as suas intervenções notei como estavam divertidos os "suspeitos do costume", casos de Fong Chi Keong, Chan Chak Mo e companhia, que assim fizeram uma leitura positiva do facto de ser dada continuidade a um estado de coisas que podendo ou não ser benéfico, não lhes vai causar grande transtorno - se calhar estavam com receio que ele trouxesse habitação pública no bolso, esse pesadelo dos patos bravos da casa. O discurso foi sem dúvida original, sim, frontal, de facto, mas agora pergunto eu: se este não sabe, não pode ou não tem meios, quem é que vão arranjar para o seu lugar?

Confesso que fiquei sem entender muito bem esta estratégia de nivelar a ambição por baixo. Já achei estranho que viesse pedir "desculpa" pelo atraso das obras do metro ligeiro. Ouvi vozes no sentido de que foi óptimo que ele tivesse feito dado a cara pelo ponto de situação dessa infra-estrutura, mas encontro aqui dois senãos quanto a esse acto de humilde contrição: porquê ele, e quem andou a exigir um pedido de desculpas? Que me lembre só os democratas e afins, mas o Governo dificilmente dá cara para estes, e as únicas queixas foram dos moradores do ZAPE, que não queriam o metro a passar pela sua porta. É um mistério, talvez se explique pelo "fong-soi", não sei, nem imagino porque foi Raimundo do Rosário pedir desculpa pelo tempo e dinheiro esbanjado que se calhar já daria para fazer dois ou três metros ligeiros - e afinal ele diz que "derrapagens há sempre". Essa é outra questão interessante: porque há sempre derrapagens? Há orçamentos dantescos que acabam por ser ultrapassados por vezes no triplo, ou mais, quer dizer que os engenheiros não sabem fazer contas? Os elogios extravasaram-se da AL para a opinião pública, e todos consideram a apresentação feita por Raimundo do Rosário "refrescante". Só se for no sentido de se ficar à sombra num dia de calor sem mexer um dedo. Ng Kuok Cheong também não gostou. Ufa, pensei que era o único no planeta. Assim já somos dois.

Não estou a querer ser "original", ou armar-me em finório, mas como é que se digere uma coisa destas? Dou o benefício da dúvida ao sr. secretário, pois há muito que se deve ter perdido na tradução, mas juro que nunca pensei ouvir um elemento do Executivo vir dizer que "precisam de pessoal" e a pedir que lhes "mandem currículos" - só faltou ficar de mão estendida. Mas a opinião geral é positiva, pasme-se, as pessoas gostaram! Será isto o golpe final na demissão da população com os temas da política? Gostaram pela "humildade", por não ter rematado para a canto as perguntas como os seus antecessores, prometendo responder "por escrito", e até Wong Wan apareceu todo contente, atrás de Raimundo do Rosário, pensando que afinal esta era a táctica a adoptar. Não sei se esta uma táctica de psicologia invertida, como nas crianças, dizendo que não vai fazer nada, mas depois sai no topo, com o metro a funcionar que nem uma beleza, carros com estrada para andar, táxis a implorar às pessoas que os tomem, baixando o preço até às 5 patacas, um Sin Fong novinho em folha no lugar do outro, tudo nos trinques. Ou então é a táctica do "underdog", não esperar nada vindo dele, e depois aparece lá com qualquer coisinha feita e leva palmas. Ou estava a ser sarcástico, não sei, só sei que nada sei do que se vai fazer na pasta das OP e Transportes. E vai um tipo seguir a política, para depois não lhe prometerem nada?

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