quarta-feira, 1 de abril de 2015
Pagou, comeu, calou
Os ingleses são um povo que vive apaixonadamente o futebol, e ao contrário dos portugueses e outros povos mais fatalistas encaram o desporto-rei de uma forma muito sério, e têm o condão de se indignar perante as verbas auferidas pelos atletas ou pelas quantias exorbitantes que por vezes se pagam pelos seus passes - se o jogador tem mesmo muita qualidade, justifica o preço que se paga por ele. Esta parece ser a regra de ouro do mercado para os britânicos, mas se o investimento não se justifica e o jogador defrauda as expectativas, é chamado de "flop", que em português se pode traduzir livremente para "barrete". Há clubes a quem o barrete é enfiado com tanta força que dificilmente conseguem desencravá-lo da cachola, e por vezes não têm outra escolha senão "engolir a seco", pois se o atleta não apresenta um rendimento ao nível da pequena fortuna que se pagou por ele, dificilmente se valoriza e aparecem outros "patos" que paguem mais, ou pelo menos o mesmo. Daí que alguns vão permanecendo no clube com a ténue esperança de que se lembrem como se faz, ou que no mínimo exibam os dotes que levaram a despertar o interesse de quem abriu (e bem) os cordões à bolsa para os ter, e assim fazerem a alegria dos seus adeptos. O que está fora de questão é vendê-los ao desbarato, por um preço muito inferior ao que pagaram por ele, e assim o "flop", ou "barrete", vai ficando até ao fim do seu contrato, auferindo um balúrdio sem precisar de demonstrar os seus atributos. Noutras circunstâncias, isto seria um emprego de sonho, mas a carreira é curta e há que manter o alto o preçário, de preferência até depois dos 30 anos, e evitar o mais possível a terrível etiqueta de "flop".
Quem fica menos prejudicado com um potencial "flop" é o clube que vendeu o jogador, arrecadando assim uma quantia considerável por um activo que estava prestes a "passar do prazo". Ou talvez não, pois há ainda outros factores, como a da adaptação, quer ao clima do novo país, quer ao próprio estilo de futebol ou a um campeonato diferente daquele onde era considerado um "craque". Neste particular Pinto da Costa e o "seu" FC Porto são conhecidos por raramente deixar sair jogadores a preço de saldo, rentabilizando ao máximo os seus investimentos. O clube da invicta tem a fama de comprar barato e vender caro, e exemplos recentes não faltam, havendo mesmo casos em que os atletas foram "dados", e posteriormente vendidos por quantias milionárias. O luso-brasileiro tornou-se o símbolo desta política; "rejeitado" pelo Benfica, seria vendido pelo Salgueiros a um preço "de amigo", e depois para o Barcelona por uma quantia astronómica. Nos últimos anos tem-se mantido esta cadência, com o Dragão a servir como de "oficina" onde os jogadores são afinados com vista a outros patamares de grandeza. Dos que deixam saudades entre os adeptos destacam-se nomes como James Rodríguez, João Moutinho ou Radamel Falcão, mas entre outros que passaram valorizaram o passe e depois foram "à vida" sem antes encher o cofre do clube estão outros menos "espectaculares", como é o caso do defesa francês Eliaquim Mangala, que consta agora de praticamente todas as listas de "flops" da Premier League desta temporada.
Mangala chegou ao Porto vindo dos belgas do Standard Liege na companhia de Steven Defour, internacional desse país para onde regressaria e onde actualmente representa o Club Brugge. Pelos dois jogadores o FC Porto desembolsou 15 milhões de euros, para dois anos depois vender apenas Mangala ao Manchester City por...40 milhões de euros. Um "negócio da China", que seria ainda mais não fosse pelo salário do jogador, e nestes casos a "afinação" requer um "combustível" que de barato não tem nada. A contratação de Mangala teve a particularidade de o tornar no defesa mais caro da história do futebol inglês, pelo que as expectativas a seu respeito só podiam ser mesmo enormes. No entanto o francês tem desiludido, não se conseguindo impor numa equipa que conta com vários "craques" igualmente adquiridos a preços proibitivos para outros clubes que não tenham um consórcio árabe que os financie. Vendo bem as coisas, é difícil a um defesa tornar-se um ídolo dos adeptos, uma vez que a sua função não tanto por criar jogadas de ataque, ou por fazer golos, mas mais por impedir que os adversários o façam - é portanto um "empata-famas". Não se pede a um defesa que seja "espectacular", mas antes eficaz, e quando um jogador naquela posição é notícia, é normalmente pelos piores motivos. Se convém ser discreto, no caso de Mangala a discrição por que se tem pautado tem sido mais do que aquela que se pedia dele, mas quem os mandou pagar tanto por ele?
Os ingleses são especialmente exigentes quando toca aos jogadores estrangeiros, de fora das ilhas Britânicas, onde apesar dos jogadores serem igualmente caros (em alguns casos muito acima do seu valor real) têm pelo menos a atenuante de serem "da casa" - é o que há, e mais não pode exigir. Quando se procura colmatar as deficiências recorrendo à importação de atletas que não fizeram a sua formação na velha Albion, é normal que se exija excelência, pois para pagar tanto por um gajo qualquer que se calhar nem fala inglês que faz o mesmo ou pior que o John Smith da taberna da esquina. Tudo depende do que os estrangeiros tiverem para oferecer, e há compras de que os ingleses ainda hoje se recordam com especial carinho. Jogadores como Eric Cantona, Dennis Bergkamp, Thierry Henry ou Didier Drogba fizeram história num campeonato onde ainda há vinte anos era muito difícil a um jogador estrangeiro conquistar a simpatia dos adeptos; mesmo um fora-de-série vindo da França, Espanha ou Itália era considerado "not bad, for a continental". Entretanto muita coisa mudou, ao ponto de clubes como Arsenal, Chelsea ou mesmo Liverpool chegarem a alinhar com um onze composto por uma maioria de estrangeiros, e no casos dos primeiros, a totalidade. Ainda assim os "intrusos" não se livram de um veredicto mais cruel por parte dos críticos, caso se demorem a impor a sua mais-valia. Nas listas de "flops" desta época, e existem muitas, constam vários estrangeiros, como Di Maria, que depois de sair do Benfica foi mais feliz no Real Madrid do que actualmente no Manchester United, Falcão, de que se pode dizer o mesmo com Porto e Atletico Madrid nos lugares dos outros dois clubes, e Mario Balotelli à cabeça, depois de demorar oito meses (!) a marcar um golo pelo Liverpool. Mas nenhum nome bate Mangala, quer em número de listas diferentes de onde o seu nome consta, quer pela disparidade entre o preço e a qualidade. E quem se importa menos com isso? Pinto da Costa, claro. O senhor não pediu este "prato"? Então agora...coma e cale-se.
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