sábado, 28 de março de 2015

E você, tem visto Jesus por aí?



Jesus Cristo apareceu a semana passada numa rocha em San Francisco de Putumayo, na Colômbia. "O quê? Jesus...Cristo??? E isto não abriu os noticiários que ficariam a falar deste tema desde então até agora, e durante pelo menos mais 3 meses???", pergunta o devoto e crente leitor. Sim, de facto o retorno de Jesus Cristo, fosse numa montanha colombiana ou noutro sítio qualquer seria a notícia do século - deste, dos últimos 20 e quem sabe dos próximos. Mesmo assim estou a crer que é uma daquelas que soam melhor do que realmente seriam caso fossem materializáveis, pois o mais provável era esse Jesus Cristo fosse uma fraude, e na eventualidade de ser o original era levado pela NASA ou pelos serviços secretos de uma super-potência qualquer para um local isolado, onde seria submetido a testes, tal como no mito do extra-terrestre de Roswell, no Texas. Com o mundo no estado em que está, duvido que a humanidade tivesse a oportunidade de se prostrar a seus pés e adorá-lo como seu líder e salvador, mesmo que quisesse. Mas nada disso, não apareceu Jesus nenhum, e o que temos é mais uma daquelas curiosidades que começaram a surgir com mais frequência desde o aparecimento da internet, pois torna-se mais fácil de divulgar a milhões de pessoas que nunca poderão verificar sequer a autenticidade do espectro. Eu disse espectro? Queria dizer "mancha", ou "nódoa", senão vejam:



Aqui estão outras "aparições" de Jesus, tantas e em tão variadas (e surpreendentes) localizações que se tornam banais ao ponto de se realmente um dia o verdadeiro Cristo se manifestar, terá a mesma importância, ou menos. Numa frigideira, num ferro de passar, numa toalha, em tacos ou pizzas, e até no rabo de um cão! Agora, antes que me acusem de "sacrilégio" ou de não respeitar nada nem ninguém, vou adiantando que nem o cão é meu, e nem me passava pela cabeça ficar a olhar para o cu do bicho até "descobrir" a silhueta de Jesus. Só para que fique claro, por via das dúvidas


Em cima à direita temos uma forma um tanto ou quanto elaborada para Jesus se revelar: numa raia. Em baixo, à esquerda, pega "boleia" da sua rival nestas coisas da fé, a natureza, e manifesta-se através de uma mariposa, e ao lado temos Jesus "no ponto", num pão indiano - ou será Ganesh? Se for mesmo o Nazareno só pode ter sido num "naan" de um restaurante no Ocidente, que é onde surgem estas "misteriosas" aparições que de mistério não têm nada. Pensem bem: o filho de Deus  todo-poderoso não é, tal como o pai, poderoso o suficiente para nos dar a honra de uma aparição sua em alta-definição e Dolby Surround System, em vez de se mostrar em...comida?! Quem vê ali Jesus é porque quer ver Jesus, e cada um poderá reconhecer nestas figuras o rosto de outro conhecido seu, ou  uma outra celebridade que não da área do Divino. Mas como se pode ter a certeza de como era a aparência de Jesus, se tudo o que nos deixaram sobre ele foi na forma de documentação escrita?


Aqui estão alguns dos "Jesus", que não tendo reencarnado - ou pelo menos não se recordam disso - encarnaram a personagem do fundador do Cristianismo; em cima à esquerda temos Peter Powell, actor que interpretou Jesus na mini-série "Jesus da Nazaré", de Franco Zefirelli, e ao seu lado Ted Neely, que deu corpo a um messias-cantor em "Jesus Christ Superstar", de Andrew Lloyd Weber. Eram os anos 70, e dava a entender que as audiências aprovavam a imagem do Cristo famélico e vagabundo, usando roupas com um tamanho muito acima do seu, cabeludo, barbudo, ar de mendigo, em suma, encaixando-se perfeitamente na imagem de quem supostamente veio ao mundo para sofrer e morrer, e passo a citar, "pelos nossos pecados" - isto segundo os cristãos, e que falem por eles, que eu não vou de forma alguma assumir a cumplicidade num caso de tortura seguida de homicídio.  Em baixo à esquerda temos Diogo Infante, o Jesus 2.0, que apesar do ar menos faminto e chungoso, reforça a ideia generalizada de que o carpinteiro judeu nascido no território que se situa onde ficam hoje Israel e a Palestina era na realidade sueco ou norueguês. Sim, ou ele ou o Espírito Santo tinham ADN "viking" - loiros, olhos azuis e pele de tez clara, o que não faz muito sentido sendo ele originário no Médio Oriente. Ao lado de Diogo Morgado temos Júlio Pereira, que não dita salmos mas toca cavaquinho, e além disso é mais versátil: tanto dá para Jesus Cristo, como para D'Artagnan, personagem central do romance "Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.


As Testemunhas de Jeová, honra lhes seja feita, tiveram sempre a sobriedade de representar Jesus de uma forma mais fiel ao que (não) se sabe do seu aspecto físico. Era carpinteiro, portanto dificilmente seria um magricela "hippie", e em vez disso teria um corpo relativamente musculado e uma barba aprumada - sabendo-se que naquele tempo os homens usavam barba, o que talvez seja a única certeza que se pode ter em relação à aparência de Cristo. Mesmo assim as Testemunhas não destoam dos restantes no que concerne ao charme do Salvador, ideia cujo expoente máximo foi atingido com Diogo Morgado, que é modelo e tudo. Nunca entendi essa insistência em apresentar Jesus como um homem atraente; se era para criar um dogma à volta do celibato e do sacrifício, para quê ter um profeta que nos tempos modernos seria um sucesso entre as senhoras e convidado para ser modelo em campanhas da D&G?


Há a possibilidade do aspecto latino-nórdico do Jesus convencional ter a ver com a implantação do próprio cristianismo, que se espalhou inicialmente pelo Ocidente, para depois do cisma do século XI passar a ter duas grandes "frentes": a Igreja Católica, sediada em Roma, e a Ortodoxa, com patriarcados no norte de África, Europa de Leste e Médio Oriente. Na Rússia foram produzidos inúmeros ícones de Cristo, como aquele que vemos na esquerda da imagem, e pode-se dizer que não varia muito da imagem convencional propagada pelo Cristianismo ocidental. No meio vemos uma representação de Cristo feita pelos chineses, e à direita está "Isa", que é nome de Jesus no Corão, livro sagrado do Islão, onde aparece referido como um dos profetas, sem muitas diferenças para o Jesus que encontramos na Bíblia - além do facto de não ser o "personagem principal", ficando esse papel para Maomé, também fisicamente é adaptado à geografia local. Aqui faz lembrar um pouco o pirata Sandokan.


Aqui estão mais exemplos das mil e uma possibilidades de Jesus não ser nada do que o pintam - literalmente, entenda-se. A imagem da direita é um quadro encomendado pela Nação do Islão, uma seita norte-americana composta na totalidade por afro-americanos e que segue uma interpretação muito peculiar do Evangelho, mais inclinado para o Corão mas com fortes influências do cristianismo, e com a reverência a Jesus em primeiro plano. O rev. Louis Farrakhan, um personagem que sofre de um desequilíbrio mental profundo, considera esta a versão definitiva da aparência. O que ficaria mais perto da verdade de o Cristianismo tivesse aparecido em África, lógico. Se tivesse sido  no Pólo Norte que Jesus pregou o evangelho, falando aos discípulos de dentro de um iglo, seria um esquimó, como na imagem da direita. Dessa forma quem sabe a neve que aparece em alguns Presépios fizesse mais sentido nas calotas gélidas do que no desértico Oriente próximo. e em vez de um burrinho e uma vaquinha havia um elefante marinho e uma foca.


E se pensavam que depois de um Jesus chinês, árabe, negro e esquimó já tinham visto tudo, eis que mais uma vez se prova que retiraram conclusões precipitadas (como sempre), pois eis o Jesus indiano! Bem, na imagem da esquerda trata-se de facto de uma iconografia indiana de Jesus Cristo, mas na direita vemos uma pintura representando Ajatha Nagalinga Swamy, um hindu ascético que é "yogi" num templo em Karnatakata, entusiasta seguidor da Bíblia e da doutrina cristã, e que dizem ser "muito parecido" com Cristo. A esta noção de "parecer-se com Cristo" nem sempre se dá uma  conotação positiva, pois depende de como cada um o imagina. Já cheguei a ouvir algo do género: "Ó rapaz corta-me esse cabelo e faz essa barba, que até pareces o Nosso Senhor". E olhem que não foi ao Júlio Pereira que isto foi dito. No fundo basta ser magro, alto, ter feições caucasianas e um rosto longo e fino, que com cabelo e barba a condizer temos um potencial Robert Powell ou Ted Neely. Convém é saber representar, caso seja essa a pretensão, a de encarnar o profeta cristão.


E finalmente, "Ecce homo". Ou não? Este um retrato-robô do que poderia ser o aspecto real de Jesus Cristo, elaborado por arqueólogos e outros investigadores sem nada que fazer com base na aparência do homem comum do seu tempo no local de onde se diz Jesus ter nascido e vivido. Claro que para o crente que se preze, este moreno barbudo não tem nada a ver com o Messias, e os tais investigadores não tiveram em conta o facto do Espírito Santo ser natural de Estocolmo, ou quiçá de Oslo. Verdade, verdadinha, é que o Diogo Morgado cai mais no goto do grande público do que este tipo a atirar para o Neandertál, e é disso mesmo que se trata: "marketing". Frigideiras, omeletes, pescado ou o cu de um cão não são lugares decentes para que Jesus se manifeste, não senhor, e aquilo é tudo festim, uma parvoíce. Agora com algum jeitinho, e uma certa "arte", dá para se transformar uma pequena aldeia ribatejana que nem constava do mapa num santuário sumptuoso onde ocorrem milhões de fiéis na esperança de um "milagre". E o milagre já lá está: o milagre da multiplicação dos crentes. Não dos crentes no sentido de que seguem e acreditam, que têm a sua fé, mas sim dos "tão crentes que eles são, coitadinhos...". Pode ser que não tenha sido Jesus a aparecer mas foi a sua mãe, Maria - pronto, são portugueses, o esperavam o quê? Foi o melhor que se pode arranjar. 


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