quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Um covil de ladrões


Agora que as receitas do jogo caem a pique - o que significa que em vez de estarem podre de ricos, os casinos estão apenas "ligeiramente para lá de maduros de ricos" - ouve-se falar de "jogo responsável", outra vez de "diversificação da economia", e como sempre há os que se põem em bicos de pés, caso de David Chow, que considera "injusto" que o governo faça concessões apenas a operadoras de jogo estrangeiras, enquanto ele, coitado, depende da SJM para operar os seus casinos - que tristeza, que drama, o deste senhor, que tudo o que tem é a roupa que leva no corpo de metro e meio de altura. Nestas condições, como é que David Chow e todos os David Chows que por aí andam têm capital para comprar uma ilha nas Caraíbas ou na Polinésia? Deste jeito terão que se ficar por uma mansão em Malibu, ou um atol nas Fiji. Vendo bem as coisas, já chegava um buraco qualquer onde se esconder no caso disto dar para o torto. E se der, tenho a certeza que se vão pedir contas a quem mais andou a fazer contas.

Agora que se vão completar dez anos desde o "milagre" da multiplicação dos casinos protagonizado pelo Executivo de Edmund Ho, o que ganhámos com isso? É uma balanço interessante de fazer para quem não tem memória curta, o que não é o meu caso; era o que faltava ter que ficar à espera de praias artificiais, parques de diversões de fazer a Disneylândia espumar de inveja, em suma, o que estes tipos queriam mesmo era "carcanhol", e quando este começou a cair feito chuva torrencial durante a estação das chuvas em climas tropicais; "toca mas é a sacar da massa, que isto não dura sempre", pensarem eles - e tinham toda a razão. É ingenuidade pensar que qualquer negócio, seja ele de que natureza for, vai bater recorde atrás de recorde, como aconteceu com as receitas do jogo em Macau, que chegou a atingir novos patamares de excelência mês após mês, sem que nada realmente tivesse sido feito no sentido de tornar os casinos mais convidativos, ou seja, continuaram a mesma porcaria de sempre, só que em vez dos 40 ladrões que tinhamos a vir jogar da gruta do Ali Babá aqui ao lado, passaram a ser 40 mil. E depois 400 mil, 4 milhões, e agora já perdemos a conta muito além dos 40 milhões - a queda de 40% nas receitas que se prevê para este primeiro trimestre é uma esmola, comparado com as subidas absurdas nos trimestres anteriores. Quantos trimestres? Sei lá...quantos trimestres tivemos desde 2005 até ao ano passado, altura em que se começou a dar a tão badalada pseudo-crise? Mais de trinta. Pois.

Não vou agora armar-me em Nostradamus ou em Grande Estrumfe, e dizer que "já sabia", e que "era de esperar", e nem sequer estou a fazer a autópsia a um morto que ainda não está sequer morto, mas de vez em quando convém abordar estes temas, principalmente porque, e "guess what?", vivemos cá e é aqui que fazemos a vida, por isso estas são coisas que nos dizem respeito. Em vez disso vou fazer uma pequena retrospectiva, pois como já disse aqui muitas vezes em Macau a memória é curta. Os que aqui estavam antes de 2005 ainda se lembram como era Macau, ou dividem as eras cronológicas em A.C. e D.C. - Antes do COTAI e Depois do COTAI? É curioso como recuando dez anos sou capaz de me recordar do que se pagava pela habitação, por exemplo: dez vezes menos que agora - e olhem lá. Para os leitores que não estão em Macau, preparem-se para o que vos vou dizer, que não vão acreditar: um lugar de estacionamento com 4 m2 enfiado numa cave húmida e porca tanto ou mais caro do que uma vivenda de 4 assoalhadas em Lisboa. Isso mesmo. E para os que chegaram já na era D.C. e pagam um balúrdio por um apartamento onde se possa esticar as pernas e mesmo assim partilham com um ou mais amigos, saibam que nem a casa vale metade do que se paga por ela, e que nem sempre as coisas foram assim - na compra de um desses imóveis que um dia na pior das hipóteses pode ficar a valer menos que uma casota de cão, só por milagre se encontra um banco que vá financiar metade da loucura. Perdão, do investimento. E quanto ao táxis que mandam o pessoal à fava, pensam que aquele gorduchinho simpático daquela associação caça-taxistas é um visionário e que antes ninguém tinha identificado o problema? Isto não aconteceu do dia para a noite, e se aconteceu foi porque "teve que ser", e o que tem que ser, tem muita força.

De facto este milagroso balão que agora se vai esvaziando nunca foi para a população de Macau "brincar" - o Natal não é todos os dias, e aqui nem chega a haver Natal, vendo bem as coisas. O território tornou-se como uma espécie de caixa registadora, de lavandaria, ou de máquina de diálise, aquilo que preferirem, mas tudo para atender a certas necessidades "permentes" - chamesmo-lhe assim - e típicas de uma economia que assistiu a um crescimento súbito e galopante, como foi o caso da China da primeira década do século XXI. Não há que entrar em pânico, não se vai fechar a loja e pôr na porta um papel onde se lê "Trespassa-se". Logo que o Governo Central concluir a "limpeza" e colocar na ordem os meninos que tanto brincam que um dia partem o brinquedo, vamos ter aí outras vez os outros, os mais discretos, a tratar dos seus "negócios". Agora se me perguntarem se eu penso que nós, comuns mortais, cabemos neste retrato milionário, eu responderia que "não" - não é a toa que nos estão a "empurrar" para Zhuhai e derivados. Portanto não vale a pena ir atrás das luzes psicadélicas e dos contos da carochinha, que este petisco não é para o nosso paladar. Olhando para trás até dá vontade de perguntar se foi para isto que entregámos Macau aos gajos, pá. Sinceramente. Bem podiam mudar o nome do território para outra coisa que dissesse mais daquilo em que se tornou nestes últimos dez anos. E que tal "covil de ladrões"? Assentava-lhe que nem uma luva, e que nos benza o santo Buda.

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