sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A cabra cega


Fim de mais uma semana, que aqui pela China é a também a última do Ano Lunar do Cavalo, dando este lugar ao Ano da Cabra já na próxima quinta-feira. Por essa razão deixo-vos aqui com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, que só regressará no dia 26. O Bairro do Oriente, por seu lado, ficará convosco durante os feriados do Ano Novo - assim espero. Bom fim-de-semana!

Começo por desejar a todos os leitores do Hoje Macau um Feliz Ano da Cabra, e apesar do meu irredutível descrédito pelas superstições em que este tipo de datas é fértil, expresso aqui os desejos de prosperidade, sucesso e saúde, muita saúde, que sem saúde não há dinheiro, poder ou influência no mundo que nos valha (desabafo muito frequente de se escutar quando morre alguém muito rico, como se isto fosse algum karma cósmico). Efectivamente há coisas que o dinheiro ainda não compra, apesar da tendência cada vez maior para se pensar que o dinheiro compra tudo. É de Nietzsche a autoria da frase “diz-se que todo o homem tem um preço; é falso, mas para cada homem há um isco que ele não consegue deixar de morder”. O filósofo alemão era sem dúvida genial, mas nem ele foi capaz de prever que um dia viria a existir um local como Macau, ou no nome completo que constaria no BIR, “De Macau, Região Administrativa Especial”.

De facto há coisas que nem todo o dinheiro do mundo é capaz de comprar – além de um dinossauro, claro, mas fiquemos apenas pelo que é possível, e diz-se que em Macau tudo é possível. No outro dia assistia na televisão ao programa de debate semanal da TDM, quando um dos habituais comentadores (que por acaso é também director deste jornal, só por curiosidade) fazia referência à ambição desmedida das concessionárias de jogo, ou das pessoas por detrás delas, que apesar dos chorudos lucros que obtiveram durante os “anos dourados” dos casinos, vêm agora dramatizar a queda das receitas, reduzindo despesas através de despedimentos, anunciando desta forma o desinvestimento naquela que foi uma “galinha dos ovos de ouro” durante tanto tempo. De facto é mesmo assim, e para nós que não somos ricos nem pobrezinhos, mas apenas remediados, faz-nos confusão este pânico quando uma fracção das receitas actuais atingem valores que nem ganhando o primeiro prémio do “mark-six” nos conseguimos a deitar as mãos em cima. É um tipo de negócio que envolve muito mais do que apenas gestão, enfim, e para entender melhor o seu funcionamento era necessário perguntar aos tipos que estão enterrados no deserto do Nevada, mas isso seria como comprar um dinossauro: impossível.

Quando ouvimos falar de “casino”, dá-nos a queda para pensar no “glamour”, em James Bond e o Casino Royal, em Monte Carlo e tudo muito caro, “oui oui”, mas não aqui. Ah pois, é que aqui não há Vegas, “mafiosi” a rebentar a mioleira dos batoteiros e outros rendilhados tornados célebres nos filmes de Scorsese e companhia limitada. Nada disso, aqui joga-se de alças de camisa e chinelos desde que se tenha o pilim para gastar, e se agora as receitas caíram, foi porque a China quis meter um travão no entusiasmo dos neo-bilionários do continente, que chamam Macau pelo ternurento nome de “a minha bela lavandaria”. Portanto “no worries”, que quando a chuva passar lá vamos ter outra vez os CASINOS com rendimentos “a dar com um pau”, e muitos, mas mesmo muitos residentes a querer um emprego onde precisem de fazer o menos possível auferindo um avultado salário, ou caso contrário temos na rua o protesto aqueles que não tendo qualificações, acham mal que os lugares mais catitas fiquem entregues a uns tipos que só percebem de casinos. Pfff…e depois?

Mas com o dinheiro que andou por aí a jorrar dos casinos, a tendência é que muita gente queira deitar a mão nele. A estratégia aqui passa pelas obras. Sim, obras e mais obras, daquelas tão pretensiosas quanto a Torre de Babel, mas tão céleres como as de Santa Engrácia; ele é o metro de superfície que vai atravessar a nossa pequenina Macau e passar por cima das nossas cabeças, o novo hospital que vai ter tudo e mais alguma coisa, a nova prisão, que tanta falta faz para meter lá dentro os meninos que se impressionam com o barulhos das luzes, que vão sendo cada vez mais e mais, e agora até lhes deu para andar a ofuscar os srs. polícias com o “flash” da câmara do telemóvel, em suma, obras grandes, quanto mais grandes melhor, que assim se justifica qualquer orçamento maluco que se proponha. Na hora de fazer (que chatos, esses tipos que estão sempre à espera que se cumpram as promessas) dizem que não é possível, que não dá, o dinheiro acabou, e a culpa é sempre do outro menino. Pronto. Macau não é a terra das grandes obras, mas sim dos grandes orçamentos. E dos grandes artistas.

Posto isto, volto a renovar os desejos de bom ano, e que esta Cabra que vem agora dar lugar ao Cavalo no zodíaco chinês, não tenha tanta vontade de marrar quanto o equídeo esteve na disposição de dar coices – e foram muitos, os coices que este cavalinho deu, ui ui. Portanto é bom que alguém meta ordem nesta quinta, nem que seja apenas para os mandarins (que o grande Buda enxertado de Marx esteja com eles) mandam cá os “panguiaos” para lavar a roupa suja, e assim vivem todos felizes para sempre. Ou metemos mãos a essas obras que nunca mais saem, ou o melhor mesmo é desejar que a cabra seja…cega.


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