segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Arnaldo, o exterminador implacável


Estava eu a fazer uma pesquisa sobre um assunto (não importa que assunto, e depois de ver isto acho que até me esqueci) quando deparo com uma entrada datada de Julho último no blogue "Exílio do Andarilho", de Arnaldo Gonçalves, que me chamou a atenção. O texto tem já seis meses e meio, mas continua bem actual - e para isso basta dizer que sim, que está dentro do prazo - e é a propósito da demissão do académico Eric Sautedé da Universidade de São José (USJ), caso que fez correr muita tinta no último Verão. Sei que alguns leitores pensam que o exercício de análise que vou fazer a seguir é uma "baixaria", e que "me fica mal". Alguns podem mesmo acrescentar que "é cobardia", pois faço-o "a cobro do anonimato", mas um segundo depois, oops!, ah é verdade, isso era antes. Agora "dou a cara", como V. Exas. tanto pediram durante anos a fio em que moíam o juízo, continuo a manter a mesma postura, a afirmar-me disposto a qualquer esclarecimento e aberto ao diálogo, mas agora os meninos que faziam birra cansaram-se, e foram entreter-se com outro brinquedo. Paciência. É que há coisas que a gente deixa passar, como uma folha de jornal ao vento que acaba eventualmente por jazer inerte no asfalto, ou colada a uma parede qualquer. Outras no entanto ficam registadas para memória futura, como neste caso, e deixam-nos saber muito sobre o seu autor. O que tenho a dizer desta dissertação bloguística composta por 19 linhas num único parágrafo, contendo 247 palavras que por sua vez contêm 1287 letras é o seguinte: um nojo, uma vergonha, um insulto à inteligência de quem lê e um ultraje à pessoa de que o autor fala, que pelo pouco que sei, sempre o tratou com deferência e educação. Muito triste.

Começa logo pelo título. Qual novela? Uma pouca vergonha, isso sim, e duvido que alguém fosse sintonizar o canal onde se visse uma coisa assim. Chamaria-lhe antes uma porno-chanchada de qualidade inferior, do pior que se pode arranjar. É incrível a ligeireza como se trata um assunto que veio revelar o lado negro de gente que tinhamos em conta como sendo honesta, justa e boa. De um incidente que poderá muito ter sido o levantar do véu sobre uma farsa que fomos levados a acreditar: que em Macau existia liberdade académica. A relativização que se faz de um caso que custou o emprego e possivelmente a carreira a um homem e que ainda acarretou prejuízos à sua esposa e também colega, numa atitude que só pode ser entendida como velhaquice da mais rasteira, sádica e vil. Para o Arnaldo Gonçalves, profícuo analista e muito senhor do seu nariz, aquilo "até já chateia". Bolas, não dá para falar de outra coisa? E do mundial do Brasil, ninguém se interessa? Até porque todo aquele mediatismo tinha uma razão de ser: era para vender jornais e abrir noticiários. Foi a "novela Sautedé" que recuperou as audiências e em última isntância salvou a CNN da bancarrota, e foi à custa das ousadas capas sobre o caso que o director da TIME comprou a sua mansão em Malibu. Ora essa, não sabiam? Haja alegria, haja alegria. Chegou o Circo Alegria.

E já que falamos de "saber", o que sabemos nós do caso que afastou o docente de Ciência Política da Universidade para que trabalhava há já alguns anos? Bem, as razões que foram feitas públicas e que fizeram eco na imprensa regional e internacional, correndo mundo e mancharam a imagem da instituição de ensino superior em Macau, bem como da Universidade Católica de Portugal, que a instituíu em conjunto com a Diocese de Macau são as que todos viram: Sautedé não teve o contrato renovado porque teceu "comentários impróprios", entre outras razões que no fim ficaram reduzidas ao ridículo cabeçalho "Professor de Ciência Política despedido por falar de política". Ah, e não contentes com isso, não renovaram o deado da esposa do académico, também docente naquela Universidade, manobra entendida como intimidatória, e mais tarde ainda vieram alegar que o professor demitido "não tinha habilitações suficientes" - faltava-lhe concluir a cadeira de Beato, que um dos seus docentes mais "obedientes", sinistro personagem conhecido da nossa praça, completou com distinção na Igreja da Sé, onde ainda vai fazer uma assídua reciclagem semanal. Que aluno tão aplicado!

Mas isto é o que sabemos, e não chega sequer para uma curta-metragem, quanto mais para uma "novela", como sugere Arnaldo Gonçalves, que sabe muito mais que nós. Ui e tanta coisa que ele sabe, ui ui. É um sabão, o senhor. Aquilo, pá, tão a ver, não é...é assim, "prontos", era um plano diabólico, pá. Uma "operação de marketing", meus, "muito bem planeada, gizada ao milímetro", toparam a cena? Era o último vértice do triângulo, que assim fica completo: Assassinato de Kennedy/Queda do bloco de leste e fim da Guerra Fria/Despedimento de Eric Sautedé. Agora é só evocar a múmia de Napoleão, e da sede da Alliance Française mandam o código para dar início à Operação Pamplemousse, que em menos de dois dias vai por o mundo a falar franciú e a comer baguettes. Parabéns à equipa de Sautedé, portanto. Qual equipa? Ora essa, o Spirou, o Tintin, o Gaston Lagaffe, Astérix e Obélix, e o pérfido sr. Platini, claro. Só o Arnaldo Gonçalves é que eles não enganam, não senhora, que as ideias ainda vão no ar e já está ele a apanhá-las. Não sei se sabia antecipadamente deste elaboradíssimo plano, ou se veio a saber depois, mas arrisco que foi antes. Sim, foi "um teste", senão vejam: era suposto a USJ "tirar ilações deste imbróglio", e bem que podiam ter consultado o Arnaldo Gonçalves, que "por acaso" até pertence "aos quadros da Universidade Católica" - entre muitas outras coisas. Aliás, a única razão porque este mundo está como está é por ainda ninguém se ter lembrado de fazer do Arnaldo Gonçalves senhor supremo e indisputado do Universo. São todos uns parvos. Menos o Arnaldo Gonçalves, claro.

É isso mesmo que o Arnaldo Gonçalves me está a dizer com esta tirada ridícula onde diz tudo e ao mesmo tempo não diz nada: ele sabe o que mais ninguém sabe, mas não concretiza porque ninguém tem o nível para entender estes mistérios mais cabeludos que os mistérios do arco-da-velha. É que ao contrário do reverendíssimo senhor, eu "não tenho formação técnica" para entender que toda aquela exposição mediática, humilhação, meses sem auferir o rendimento que vinha auferindo anos a fio, com dois filhos pequenos em casa, mas não tão pequenos para não entender que se passa algo de anormal que é difícil e embaraçoso de explicar, era tudo "uma operação de marketing político, muito bem gizada, planeada ao milimetro". Era faz-de-conta, uma "novela", e acho que lá na França fazem aquilo na boa, nos intervalos entre o chucrute e o Parkour. Não temos a capacidade cerebral do Arnaldo Gonçalves e estamos limitados ao primitivo conceito de que se alguém sabe de algo de tão grave como uma conspiração deste tipo, que poderá até envolver potências estrangeiras e tudo, deve denunciá-lo às autoridades competentes, como um bom cidadão faria. Se não for assim tão grave, mas com o seu quê de pertinente, do interesse geral, pode torná-lo público, ou em alternativa ficar calado, em vez de mandar postas de pescadinha-de-rabo-na-boca - só que sem rabo.

Eu até gosto de muita coisa que o Arnaldo Gonçalves escreve, leio regularmente tudo o que ele publica, e tanto a coluna que assina no Hoje Macau, como as entradas no seu blogue eram mencionadas amiúde nas secções "Leituras" e "Os Blogues dos Outros" neste espaço durante vários anos. Eu não confundo aquilo que as pessoas são com aquilo que as pessoas pensam ou escrevem, a não ser que ambas as dimensões entrem em choque; neste caso penso que o Arnaldo Gonçalves foi infeliz, mas de um modo geral não é infeliz. E o que vai ele pensar disto, quando os eunucos do palácio forem contar-lhe, esperançosos de o verem a entrar a voar pela minha janela e a desintegrar-me com os raios gama que dispara dos olhos? Nada. Já passaram dois meses não foi? Ele já se esqueceu, e a simples menção do nome "Sautedé" vai deixá-lo baralhado, a pensar em voz alta "esse nome não me é estranho", enquanto aperta a cabeça e cerra os olhos com força - aqui o "Sautedé" produz nele o mesmo efeito que a cryptonite produz no Super-Homem. E além disso o homem tem coisas mais importantes em que pensar, pá. Julgam que é fácil andar por aí todos os dias a resolver os mistérios que a humanidade tem a mania de deixar aí para o Arnaldo Gonçalves resolver?

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