domingo, 25 de janeiro de 2015
A síndrome do Patinho Feio
Tenho andado meio engripado estes dias, resultado das férias repletas de emoções para as quais já não tenho a mesma pedalada que tinha há dez anos - enfim, a idade não perdoa, mesmo. Quando acometido destas viroses, faço o possível por permanecer activo, e detesto ficar na cama, ali como se estivesse a caminhar pela vida olhando por cima dos ombros, como se a morte pudesse aparecer a cada esquina. Dos habituais sintomas da gripe há os que suportam mais ou menos bem, e há outros que são uma chatice: garganta inflamada, nariz entupido, todas essas coisas que nos causam aperto e nos tornam uns inválidos, uns molengões e uns lingrinhas - nas palavras de António Lobo Antunes um dia cantadas por Vitorino, "Todos os homens são maricas quando estão com gripe". A tosse e a ranhoca ainda se aguentam bem, pois sabemos que vêm de mão dada com a gripe e estamos mentalizados para esse incómodo. Uma pontinha de febre e o corpo dormente convidam a uma sesta depois dos remédios, e de todo o mal ainda é daqueles que sabe bem, um mal menor, portanto. O que me incomoda mesmo é a falta de apetite, que é o Diabo. Não é que me importe de não comer, e até é bom para manter a linha, mas o problema é o estômago, que a certo ponto começa a rosnar como quem espera e desespera pelo sua "mercadoria, e pergunta "afinal o que se passa aí em cima, pá?". Com a boca e o estômago a não chegarem a acordo, entram os líquidos para fazer a mediação: sopa, leite, iogurtes, tudo que sirva para calar o bucho, mas não me obrige a mastigar e a ficar com as núseas provocadas por temperos, fritos e quejandos.
Voltei do Myanmar na quinta-feira à noite, e ainda me sentia fatigado na sexta, mas os sintomas da virose só se acentuariam no Sábado, que passei praticamente todo na cama, sem vontade de sair, de cozinhar, de comer, ou de fazer a ponta de um corno. No Domingo de manhã, já debaixo de uma dieta composta essencialmente de paracetamol, resolvi ir comprar leite, pão e mais qualquer coisa que desse para sossegar o Tareco, que me fez saltar da cama pelas nove e picos. Já passavam das dez quando saí de casa, e para o pão fui até à "Portuguese Bakery" - e já fazia algum tempo que lá não ia - e fui atendido com a simpatia habitual da sua encantadora proprietária, a quem adquiri uns papos-secos e uma broa de milho branca. Agora, como quem tem mérito merece sempre uma menção, deixem-me dizer que a broa estava di-vi-nal. Tenho por hábito torrar sempre a broa de milho, que tem a vantagem de não ser tão perecível como o pão feito com farinha de trigo, e mesmo que tenha sido feita no mesmo dia, dou-lhe nem que seja um minuto de calor para posteriormente fazer a manteiga derreter. Neste caso foi uma pena - a broa estava tão fresca e estaladiça que quase mexia. Nota dez para a "Portuguese Bakery". Quanto aos líquidos, optei pelos supermercado Royal da Rua da Praia do Manduco, e foi aqui que tive o primeiro "reality check" desde que voltei de Yangon: o Café Parisien da Avenida Maha Bandula, onde comia os donuts e os batidos de manhã, era uma realidade já distante.
É no Royal que posso adqurir ora o leite do dia da marca "Dairy Farm", naquelas garrafinhas tão catitas, para consumo imediato, ora um pacote de leite Mimosa magro, para fazer os batidos do resto do dia. Tenho quase sempre o cuidado (a memória é outra das coisas que se vai perdendo com a idade) de nunca deixar um pacote de leite aberto no frigorífico mais de dois dias, e mesmo que fique hermeticamente selado, fico sempre com um pé atrás, e se deixo passar um segundo dia depois da abertura do leite, dou comigo a hesitar, a cheirar para dentro do pacote, a desconfiar, a ponderar se devo ferver, bem, pode ser alguma forma de hipocondria, mas para mim se um pacote de leite for aberto e consumido todo no mesmo dia, tanto melhor. Posto isto pego em duas garrafas do Dairy Farm mais um de Mimosa - nem foi necessário um cesto - e dirigo-me à caixa. A broa chamava por mim. Das quatro caixas registadoras do Royal estava apenas uma aberta, mas só tinha uma velhota à minha frente, não haveria problema - ou assim pensei. Para meu azar, a velha tinha escolhido esse dia para usar os cupões de supermercado, e lá fiquei eu a secar, abraçado às garrafas de leite, gesticulando para o segurança como quem pergunta "onde é que estão as outras vadias, pá?". Nem penso que estaria a ser demasiado exigente, pois apesar de ser Domingo, eram quase 11 horas. Além do mais o Royal é uma grande empresa, e mais tarde no regresso a casa espreitei para dentro de dois concorrentes seus localizados na mesma rua, o Kiu Tai e o San Miu, e as registadoras estavam todas em funcionamento. Paciência.
Depois de ter esperado alguns minutos enquanto entoava o êxito instantâneo "Bardamerda, bardamerda" (a letra consiste apenas da palavra "bardamerda" cantada ao som de clássicos como "Mamma Mia", dos ABBA, entre outros), chega a minha vez, e depois de passado o leitinho, tenho um total de 45 patacas para pagar. Saco de duas notas de vinte e uma de dez, mas antes de as entregar à menina lembrei-me que tinha uma moeda de cinco dólares de Hong Kong no bolso de trás, pelo que optei por pagar com a quantia exacta. A moeda em questão não era propriamente a vencedora do último concurso de "Miss Moeda Universal", meio velhinha, carcomida, mas perfeitamente identificável, com o número bem visível. Mesmo assim a menina da caixa queria recusar a pobrezinha, e se me perguntam porquê, também não sei. Uma lei inventada na cabeça dela e passada e passada à pressa no Parlamento da caixa do Royal naquele instante? Insisti, e preguei-lhe uma pequena peta, dizendo que tinha recebido essa mesma moeda de troco no dia anterior nesse mesmo supermercado, e não fiz o tipo de triagem que ela me fazia agora. Encolheu os ombros e acabou por aceitar a moeda, e apesar de eu não ter sido de todo honesto, esta vez não paga por todas as outras em que isto realmente acontece: recusarem as notas que me deram de troco. Chegou a acontecer ter uma menina a recusar à tarde uma nota de vinte que ela própria me tinha de dado de troco de manhã, alegando "estar rasgada numa ponta"!
E é assim, fazem-se estes julgamentos da aparência às notinhas, fazendo dos olhos lupas para detecter uma ponta que falta, uma fita-cola mal posta, ou uma nota que mais parece ter sido usada como papel higiénico ou como lenço para assoar o nariz. Claro que isto é uma espécie de "síndrome do Patinho Feio", pois ninguém trocava uma nota mil amassada e cheia de ranço por uma nota de dez novinha. Agora que nos aproximamos do Ano Novo chinês e começamos a ver os "camelôs" na rua a vender edições especiais das notas de dez para rechear os "lai-si", os critérios vão começar a ser mais rigorosos na hora de receber os pagamentos e o respectivo troco. Ah e já agora que falamos nisto, já repararam como quando recebemos notas novas com os números de série seguidos, as notas com dois ou mais oitos estão sempre em falta, e "saltam" da terminação do 7 para 9? Se isto são emissões onde consta a data e tudo, quem é que se faz às notas lá no banco? Certamente que não as pode substituir por outras, pois assim teriam uma data diferente, e aquelas ainda não entraram em circulação. Ai Macau, Macau. Parecendo que não, ele há detalhes que podem fazer toda a diferença.
Sem comentários:
Enviar um comentário