sábado, 20 de dezembro de 2014
Um breve instante de Xi
Xi Jinping, presidente da China, esteve em Macau numa visita-relâmpago onde se assinalou os 15 anos da criacção da RAEM, o que se saúda, atendendo ao que se pode imaginar que seja a agenda de alguém da sua importância. Xi chegou ontem, num dia frio e com chuva, e foi recebido no aeroporto com a cerimónia própria destas ocasiões, multidões, bandeirinhas, coreografias ensaiadas por alunos de escolas locais, tudo a que tinha direito como principal figura de Estado. Pessoalmente não sou grande apreciador deste tipo de espectáculos, e já há muitos líderes mundiais que dispensaram o protocolo de Estado. Contudo no caso da China, esta é uma "noblesse oblige", pois aqui para a mulher de César parecê-lo pode ser mais importante que sê-lo. Nestas ocasiões recordo-me sempre da visita da rainha Isabel II a Portugal em 1984, e uma bela tarde de Domingo em que a sua comitiva passou por uma estrada que atravessa a (então ainda) vila do Montijo. Lembro-me ainda dos nobres aldeanos todos à beira da estrada à espera da passagem da monarca britânica, um cenário em tudo idêntico às passagens dos ciclistas na Volta a Portugal - queriam só VER a rainha, ou se tal não fosse possível, pelo menos podiam dizer que estiveram perto. Não sendo eu grande adepto de confusões, gosto mesmo é de ficar em casa.
No entanto considero que a visita surge num momento importante, um momento de transição, ou de "contagem de espingardas" depois de um último ano do primeiro mandato de Chui Sai On bastante conturbado - provavelmente o mais agitado politicamente da curta história da RAEM. Depois dos acontecimentos provocados pelo movimento "Occupy Central" em Hong Kong, que tiveram o seu fim após um ano e meio de contestação com clímax este Verão e apenas recentemente diluídos pelo fracasso. Em cima da mesa o sufrágio universal e inerente a isso a democracia, tema tabu para o partido único, que lidou com o problema de uma forma errática, optando pele via do secretismo, dando a entender a certo ponto que o regime "abanava" - estaríamos então entre os meados e finis do mês de Agosto. Chui Sai On foi reconduzido num segundo mandato debaixo de fogo, com críticas à gestão do CE, nomeadamente com a forma como não encontrou soluções ou sequer tomou medidas para atacar de raíz alguns problemas reais da população: habitação, inflação, transportes, e no geral uma acentuada e visível diminuição da qualidade de vida. A forma pouco discreta com que os dinheiros públicos eram distribuídos por associações com ligação a elementos do Executivo fez a bolha estourar em Maio, com as manifestações mais concorridas de sempre, primeiro com 20 mil pessoas nas ruas, e dois dias depois em frente à Assembleia Legislativa. Em causa um diploma que atribuía aos detentores de altos cargos públicos regalias principescas - foi o início da versão macaense do "Verão quente", e chegou-se a especular sobre uma eventual alternativa a Chui Sai On, apontada directamente por Pequim.
O próprio Xi Jinping não teve um ano fácil; debaixo do ataque dos que tentam derrubar o regime, teve ainda que lidar com as divisões internas dentro do próprio regime, acentuadas com a sua cruzada contra a corrupção, que em sido a sua "bandeira" desde que assumiu a presidência. Foram dois "sobreviventes", os que agora vieram a Macau encontrar-se com o pretexto de assinalar o aniversário da RAEM, mas não terá sido apenas para brindar à data festiva ou para verificar o estado do património classificado pela UNESCO que o presidente chinês se encontrou com Chui Sai On e o seu homólogo honconguense C.Y. Leung. No que diz respeito a Macau, foi refrescante - o mínimo que se pode dizer - a renovação da equipa governativa, perante o desgaste dos nomes que em alguns casos detinham as mesmas pastas desde a criacção da RAEM, algo que deve ser raro, senão inédito em jurisdições onde vigora um Estado de Direito. O discurso virado para o trabalho é bem recebido, mesmo com o senão do CE ter deixado em aberto a revisão do diploma que foi pretexto para todas as atribulações que marcaram a parte final do seu primeiro mandato. Não será despeciendo se for, como dizem, no sentido de dotar o território de legislação existente noutros países e território, mas caso não repense alguns artigos considerados "extravagantes", o regresso do diploma entretanto suspenso pode ser entendido como um gesto de desprezo pela população que discorda do conteúdo. E não vale dizer que vinte ou trinta mil pessoas "não representam" a maioria dos residentes de Macau; se há razões que se podem enumerar para se ter dado quase um divórcio entre a opinião pública e o CE, uma delas é o pouco crédito que o Governo tem dado ao seu povo.
Certamente que o Governo Central estará mais tanto a Macau, assumindo que estará de olhos bem abertos aqui ao ado em Hong Kong, que tem sido uma pedra na engrenagem do regime. Pessoalmente, e julgando apenas pelo pouco que sei e o tempo reduzido que lhe tem sido dado para conseguir algum protagonismo, fico com boa impressÒo de Xi Jinping. Alguns analistas falam de um líder mais conservador e menos aberto a cedências de qualquer tipo do que o seu antecessor Hu Jintao, mas atendendo à forma corajosa com que pegou num dos problemas que minava de raíz a estrutura do partido, a corrupção, parece-me um homem de coragem. Para mais fê-lo com a noção de que estava a desafiar uma instituição dentro da própria instituição, tal era forma como o clientelismo passou a regra do sistema, e não um vício. Não olhou a nomes na hora de atacar os pontos chave do problema, arriscando até a própria vida e ganhando novos inimigos, e tudo isto para quê? Simples, pois parece que as bases que levaram Xi Jingping ao poder estavam conscientes do perigo a que o Partido estava exposto, com a crescente perda de popularidade, com os excessos cometidos pelos seus membros. Pode-se até dizer que a corrupção e com a ela a ostentação que o povo começava a entender como desprezo e falta de respeito, num país onde ainda são bem visíveis as marcas da pobreza e da exclusão.
Qualquer pessoa com bom senso sabe que as medidas tomadas por Xi Jinping não vão de uma assentada equilibrar a balança, aproximando os pobres e os ricos, mas também temos consciência que uma eventual queda do regime feita de forma abrupta nunca poderá ter bons resultados, e estando eu aqui em baixo, claro que desejo que não aconteça. E falo mais com Macau em mente, pois o que está em cima da mesa só me diz respeito indirectamente, e nas mudanças de poder na China, habitualmente dadas a um grande derramamento de sangue, os estrangeiros são habitualmente vistos como parte da causa do problema. É angustiante esperar que o regime "saia da toca" e e responda de forma adequada às expectativas que o próprio criou quando operou o "milagre económico", mas está visto que neste jogo do gato e do rato não há folga para outra coisa senão ficar atento aos movimentos do inimigo, e a mínima distração pode ser fatal. Sendo assim é a Xi Jingping que cabe a tarefa de encontrar a melhor forma de combinar estabilidade com progresso, e já agora que inclua Macau no seu plano, pois mesmo sem Taiwan a entrar nestas contas, a China só tem a ganhar com o sucesso da aplicação do princípio "um país, dois sistemas", passando para o mundo que se pode confiar nela como parceiro no grande jogo do xadrez mundial, e sempre com a paz na sua agenda. Julgo que nem o sucessor de Xi Jingping, seja quem for que assumirá os destinos do país daqui a oito anos, conseguirá levar a cabo a reforma que todos gostaríamos de ver feita no seu tecido social, mas foi sempre assim. E alternativas?
Mais uma vez se assistiu, mesmo que sem muito impacto, a mais um episódo dessa guerra pelo poder durante a visita de Xi Jingping. Vou desde já avisando para as pessoas que apanhjaram humidade a mais (ou frio, ou beberam chá marado) que não estou aqui a "virar casacas", pois nunca usei nenhuma das que estou aqui a referir, e sempre deixei claro que não apoio, pelo contrário, quaisquer actos de insubordinação contra o Governo, e nem morro de amores pela forma que o Governo lida com a situação. O protesto marcado para hoje a propósito da visita do presidente da China teve adesão fraca, mas isto tem uma razão de ser: ao contrário do que aconteceu em Maio, não há nada que mova as pessoas a participar numa manifestação que não tem qualquer fim, e acabou por ser tudo sobre as autorizações, e onde podem e se podem se manifestar, etc., etc. E podem manifestar-se, e devem porque têm esse direito. É este o problema de que estou sempre a falar: se era para fazer estas tristes figuras, como o impedimento à entrada de jornalistas de Hong Kong que acompanhavam manifestantes da RAEHK que foram, e como se esperava, também impedidos de entrar, para que serve o direito à manifestação? Será que quando se redigiu a Lei Básica houve alguém que sugeriu algo como "se calhar é perigoso", mas responderam-lhe "deixa lá, que fica bem e ninguém se atreve"? Se a ideia é intimidá-los, só lhes dão razão para continuarem a fazer mais e pior. Até onde puderem ir, enfim.
Mas aos protestos dos democratas já nos habituámos, e sempre têm qualquer coisa para dizer e massa cinzenta dentro da cabeça. O que me deixa a pensar que são uma raridade em Macau é o que vejo em algumas redes sociais, onde alguém aprendeu um dia destes que pondo uma imagem do presidente da China sem acrescentar mais nada dá direito a uns "likes", e chama outros idiotas a comentarem "olha quem é ele...buhhhh!". Por mim estão à vontade, que a figura triste é vossa, mas para mim o que fica é isto: não há problema nenhum com as redes sociais. Há um problema com certos indivíduos que as usam para fazer macacadas para se armarem em engraçados, e não é justo que as pessoas normais paguem por isso. Até porque não é definitivo que sem as redes sociais não encontravam outra forma qualquer de propagar o disparate, mesmo que eu tenha a certeza que não iam atirar tomates a ninguém, os valentões de pé-de-salsa. Podiam pelo menos esperar o presidente dizer o que tinha para dizer, que, e reparem que isto sou eu que penso desta forma e longe de mim estar a mandar em alguém, são coisas que nos interessam, que dizem respeito a Macau. Digam-me aí outra pessoa com mais autoridade para nos dizer o que vai ser Macau, ou que se quer para Macau. E outra coisa: Xi Jingping não ameaçou ninguém, só pediu para Macau não apoiar actos de secessão e respeitar o princípio de uma só China. Onde estava a faca e o ar ameaçador? E acrescentou algum "senão..."? Se vocês leram o pensamento dele, uau, até telepatia vocês "manjam", man!
Como conclusão estou cada vez mais convencido que nós, pessoas que só queremos tratar da vidinha, estamos no meio de dois fogos. Do poder vemos hesitação, medo, incerteza e tudo o que atrapalha e deixa-os espalhar-se ao comprido estatelados no chão; do outro lado temos quem quer o poder, e sabe que é possível lá chegar. Agora, uma vez lá chegados, vão fazer o quê, eleições? E arriscar perder o poder que tanto custou a conquistar? Sonhem, que sonhar ainda é grátis. Até os residentes de Macau, os mais educados, sabem disto: não ia ser o bodo das liberdades e da democracia se os democratas lá chegassem. Mas dou-lhes mérito, e além do papel de fiscalizadores da governação que lhes reconheço, e da utilidade em "agitar as águas" para impedir que o totalitarismo vá longe demais, era útil que mais jovens fossem interessados em política, e tivessem tanto essa consciência, como também consciência cívica. Do outro lado temos quem trata o povo como uns pobrezinhos entregues ao Deus-dará, e uns ignorantes que eles fazem questão de tornar ainda mais ignorantes. Só que, ironia das ironias, são uma alternativa a um salto no escuro, e antes o mal que já conhecemos, digo eu. Era o ideal que os nossos "carrascos" se entendessem, mas já se sabe: não é isso que a China quer - e não é mesmo, atenção, portanto só nos resta aturar de vez em quando a sinfonia do disparate, e não temos outro remédio senão confiar em Xi Jinping. O breve instante com que o presidente chinês nos brindou com a sua presença é apenas o tempo que nos deixa sentir dessa forma, tempo que tantas vezes não temos a sabedoria de medir e num impulso podemos destruír tudo numa questão de segundos. No tempo da milenar História da China uma geração é uma brisa, ou o tempo que demoraria para mexer um país desta dimensão, com toda a gente que tem lá dentro a empurrar na mesma direcção.
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