sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Quinze anos, já? E é tão criança, pobrezinha...



O presidente da República Popular da China chegou hoje a Macau, véspera do 15º aniversário da implantação da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). Xi Jinping é o terceiro presidente do país mais populoso do mundo a assinalar a data em que Jiang Zhemin recebeu simbolicamente do então presidente da República Portuguesa a última colónia ultramarina do Império que foi um dos maiores da História, deixando um legado material, humano e cultura reconhecido mesmo ainda hoje. Há exactamente quinze anos, a esta hora, Jorge Sampaio e o então presidente chinês preparavam-se para a segunda fase da concretização do plano delineado pelo princípio de "um país, dois sistemas". Mas isto já toda a gente sabe, e estar a explicar isto tudo outra vez na eventualidade de alguém vir aqui ter e não ter ouvido falar de "um país, dois sistemas", etc.,etc., deve ser porque andava à procura de outra coisa - aposto que era pornografia, ou outra badalhoquice qualquer. Desculpem mas não é aqui, e se o motor de busca incluíu o blogue é porque eu sou um tipo do mais ordinário que há, e uso palavras que não existem na língua portuguesa desde que foram riscadas pela PIDE, e há por aí muita gente a brincar aos "pidezinhos" - é como brincar às casinhas, só que com PIDEs em miniatura, feitos de plástico.

Antes de continuar, e (infelizmente) sem sair deste contexto, gostaria de anunciar que mais uma vez fui, por assim dizer, "censurado". Não sei em que termos vou dizer isto sem dar a entender que estou "zangado", "triste" ou "cagando e andando", porque de tantas vezes que aconteceu já é normal, e se estou só agora a falar nisto é porque desta vez tenho provas - não vou mostrar, claro, porque senão vocês ficam "de birra" e fingem que me ignoram (um brinde ao "Sitemeter", esse grande espião!), e eu tenho uma coisa que se calhar vocês já ouviram falar, ou que se recordam vagamente antes de renunciaram a eles quando descobriram que "às vezes atrapalha": princípios. Podem dizer o que quiserem de mim e das pessoas que procuram desacreditar, ou fazer passar por maluquinhos, ou outro tipo de masturbação mental qualquer, que sempre é uma mudança da habitual prostituição intelectual que paga as contas e põe comida na mesa, e assim desenjoam. E não venham com merdas, a dizer que estou a "insultar", pois quem insulta é quem por falta de argumentos refuta opiniões de que discorda começando por referir detalhes da vida particular da pessoa que as emitiu. Que vergonha!

Agora que as cartas foram postas na mesa e já sabem o meu jogo, para a próxima vez não se esqueçam de ilucidar os que chegam a Macau e não conhecem ainda a escumalha com que vai ser obrigado a conviver, e expliquem-lhe bem quem é bom e quem é mau, e a quem evitar dar destaque, podendo ter assim um "futuro brilhante" numa carreira que devia ser pautada pela isenção e pelo rigor. Assim a "sangue frio" parece horrível, mas como qualquer outra forma de prostituição, no início custa bastante, mas chega a um ponto em que se pensa "perdido por um, perdido por cem", e o acto em si até passa a ter uma importância secundária. Aprendam com aquela "amiguinha" que decorou a cartilha tão bem que não se inibe de o mostrar, recitando o texto mesmo quando não é necessário nem pertinente. Eu não quero nada para mim, e só aceitei colaborar como aceito colaborar em tudo o que tem a ver com Macau, e com a vivência, o choque cultural, tudo aquilo que qualquer pessoa normal, alfabetizada, e que não tem ninguém a dizer-lhe o que deve pensar percebe quando chega ao blogue. E vai continuar assim, e desculpem lá não vos dizer "o que quero" com isto, porque não quero nada, e não vou agora a começar a inventar, pois quem inventa são vocês - vêem como afinal sou tão bonzinho? Portanto como não quero nada desse galho, fica cada um no seu e eu aqui em baixo com os olhos abertos e os pés assentes no chão.

E tem sido sobretudo essa a triste sina de Macau: tanta gente que serve, e ninguém para servir. O cuidado em cultivar uma opinião pública amorfa produziu os seus frutos, e mesmo aos mais atrevidos basta dar-lhe as migalhas que ele anda a pedir, e depois é só olhar para o relógio e contar quantos segundos passam até ele se calar, como quem acabou de administrar uma injecção letal. Mas atenção, que isto tem as suas regras, e não é assim dar "à balda", pois pode-se estar a criar um mau exemplo e depois anda tudo a pedir banheiras de ouro e sanitários de platina, ou pior: provoca-se a ira de alguém "lá de cima". Olha-se para a tabela do "toma lá e cala-te" e a outra do "nem por sonhos" e é só distribuir "fruta". Operários a reclamar porque vêm aqueles da China que trabalham sem fazer fita e por metade do preço? Tomem lá "subsídios", vulgo "dinheiro para se calarem e deixarem de atrapalhar, que os casinos e os prédios caros têm que ser feitos de um algum jeito". Outros a reclamar? Querem o quê, que se tiverem uma desculpa jeitosa a gente passa já um cheque. OK, dinheirinho para ir passear, piquenique da "Associação das virgens, solteironas e viúvas", ou da outra de "beneficência" da qual por acaso eu tenho uma participaçãozita, e porque se trata de caridade e sou muito generoso, vamos dar milhões, e quando esses acabarem, damos mais. E vocês, que a vossa cara não me é estranha? Ah já sei! São os gajos da democracia e do sufrágio e dessas coisas todas que não nos interessam pois ameaçam a nossa autocracia, auto-gestão e auto-tudo-o-que-eu-quiser. Rua! Nem quero saber, saiam daqui, e para todos os efeitos vocês não existem. E tu aí, ó quatro-olhos: podes fazer o chinfrim que muito bem te apetecer que mesmo com essa carinha de lingrinhas mongolóide manipulamos a opinião pública de que és um terrorista, psicopata, canibal, kamikaze, etc.

E por falar em "manipular a opinião", deve ter sido aqui que o nosso ex-PM, o "Socas", tirou aquela ideia maluca que alegadamente terá confidenciado ao outro gatuno quando falavam ao telefone. Aqui temos o paradigma da manipulação das massas: tipos menos dotados de inteligência que o "Socas" conseguem convencer pessoas tão ou mais inteligentes que os portugueses (pelo menos muitos deles) das coisas mais absurdas que se possam imaginar! Mas calma lá, ó prisioneiro nº 44, porque se agora V.Exa. é também conhecido por esse nome giríssimo, e que lhe assenta que nem um uniforme às riscas pretas e brancas, é porque em Portugal há um limite a partir do qual a pouca vergonha vale ao espertalhão a uma temporada ao fresco - até você, que pensa que é a dádiva do Deus dos chicos-espertos aos homens. Imagine lá você que aqui um tipo com um aspecto asqueroso, burro que nem uma porta e sem curso nenhum, nem daqueles como o seu, "passado na hora", conseguem meter as mãos em dez ou vinte, ou sei lá quantas vezes mais dinheiro que você, ó seu pindérico. E nem precisam de fazer aquelas figuras tristes, contar mentiras, encerrar jornais, acabar com programas de televisão, e o que para si é o mesmo que o arroz para os chineses, dizer disparates cada vez que abria a boca, até para comer ou bocejar. E como é costume você enganar-se, como se fizesse da burrice a sua marca registrada, eu explico-lhe a difença.

Aqui em Macau nem com um filme completo dos acontecimentos, com a confissão filmada, gravada e assinada do suspeito, um indivíduo com a influência do sr. "Socas" era preso. Chegasse ele à esquadra para se entregar, levando consigo a totalidade do produto dos "negócios legítimos", pendurando-se nos polícias e implorando ser algemado e atirado para uma masmorra, tentavam chamá-lo a razão e ofereciam-se para levá-lo a casa. Se insistisse em ser preso, caso contrário detonaria uma bomba que trazia consigo, chamavam a brigada de minas e armadilhas, evacuavam o quarteirão inteiro às três da manhã com toda a gente de cuecas empurrada ao pontapé e à bastonada, declaravam estado de sítio, e ai de quem piar até se retirar o engenho deste pobre homem, um exemplo de coragem, um herói. Se estou aqui a pintar um quadro ridículo da situação? Talvez, mas nada me diz que as coisas não se passariam desta forma, ou que algo semelhante já tenha acontecido, mas nunca seria do conhecimento do público em geral. E muito menos o tipo se entregava, que é aí que elas mordem; houve aí há tempos um famoso e galantino mosqueteiro que foi apanhado e não se pode bem dizer que foi um caso da justiça - foi antes um acidente da justiça, uma tragédia. Aqui "justiça" entra na certidão de óbito no campo reservado à "causa de morte".

Mas então anda tudo cego ou quê? Então ninguém repara no hipópótamo sentado é mesa do jantar a disparar uma rajada de bosta mole que espalha pela casa toda enquanto agita o rabo à velocidade de uma ventoinha? Não, não vi...qual bosta? E porque é que vocês estão todos pintados de castanho, e já agora quando foi a última vez que tomaram banho? E o que é um hipópótamo? O problema é que não dá para fazer nada, e só um doidivanas tresloucado ia denunciar alguém deste nível mesmo com as provas todas na sua mão e uma certa "agência de limpezas" constantemente a apelar que "Denuncie! Não tenha medo! Garantimos sigilo absoluto!" - o que aqui se traduz para "Vá lá herói, atreve-te. Então, mostra lá as tua "provinhas", ó seu Zorro da Ilha Verde". Aqui encolhe-se os ombros e passa, e isso tem uma explicação que quase nem são precisas palavras para entender. Além disso a população está entretida com "outros problemas" para resolver, que persistem, pioram, chegam ao ponto do inaceitável, mas que ninguém resolve. Ora essa, então ninguém resolve porquê? Porque ninguém tem a culpa, por isso ninguém precisa de resolver e ninguém é responsável. É um pouco frustrante fazer este esforço semelhante a uma sopa de letras que já alguém fez com o lápis e depois apagou, fingir que se está a pensar quando já se viu a marca da letra, mas dessa forma ninguém se magoa e o tempo passa. Mas que problemas são esses?

Quando penso que já vi quase tudo, eis que hoje juntei um dos poucos "cromos" que ainda falta à minha colecção. A TDM transmitiu logo a seguir ao Telejornal um programa dedicado aos 15 anos da RAEM, onde entrevistou um jovem estudante precisamente com essa idade, e perguntou-lhe o que acha do território que o viu nascer, quais as suas expectativas, o que é bom, o que está mal e devia ser alterado, o que pode ser feito nesse sentido, tudo isso. Pensei então "deve ser interessante, um ponto de vista que não está condicionado pelo inevitável "antes e depois", sem poder dizer o que mudou para melhor e para pior", e não estou a ser sarcástico, realmente gostava de ouvir da boca de quem nasceu já na RAEM e não viveu em mais lado nenhum o que pensa desta terra, que é a única que tem, a sua "mater". No meu caso ficava puto da vida se estivessem a maltratar a minha terra Natal, e é o que sinto pelo Montijo, que mesmo sendo apenas terra Natal adoptiva (Lisboa foi só fazer de "retrete") não admito que a maltratem ou insultem na minha presença. Mas este rapaz, nado e criado em Macau, pensa o quê, daquilo que foram os primeiros 15 anos da única realidade que conhece? Pensa o mesmo que os outros: nada. Vou adiantando que não quero insultar ou meter-me com o rapazinho que não conheço, nem o tinha algum posto a vista em cima, e perante a catástrofe que as suas palavras causaram na minha cabeça, nem apanhei o seu nome, sequer. Penso que ouvi a Ana Isabel Dias, autor a da peça, a mencionar o nome do garoto, mas a seguir veio a lava, e a seguir o tsunami que a apagou, e do magma ainda mole saíram zombies a disparar rajadas de Kalaschnikov em todas as direcções. Juro que me esqueci do nome do moço.

Agora vamos ver quais são os problemas com que um jovem de Macau se preocupa: habitação, que está caríssima. Andou ele a ver por aí apartamentos, e como é o nº 1 da turma dele em Aritmética, chegou a conclusão que mesmo tendo um emprego decente e bem remunerado e decida comprar agora uma casa, pagando prestações que lhe permitam viver uma vida normal em vez de andar a pão e água, fica com a hipoteca liquidada quando tiver 122 anos; caso opte pelo pão e água, dispendendo 90% do orçamento familiar na casa, esta fica paga lá pelos 95, 96 anos de idade, no máximo, e depois é só curtir! Mas antes de falar dos problemas, o jovem mencionou "as vantagens" de viver no território, onde "tudo fica perto", e "toda a gente se conhece" - só esta última parte é aquilo que se chama tecnicamente de "falsa percepção induzida por sugestão" (inventei isto mesmo agora; aprendi o "truque" em Macau: juntam-se umas palavras caras, e como é mais fácil acreditar nelas do que ir ao dicionário ver o seu significado, sou um "intelectual", careca e de óculos com lentes grossas), portanto, é tudo perto, abre-se a janela e é possível ver a restante população de Macau a acenar-nos com adeuzinhos enquanto sorri e diz "booom diaaa!!!". O pior é que nem podemos dizer de quem pensamos que conhecemos, que o conhecemos realmente. O jovem entrevistado talvez ainda não tenha aprendido na escola uma coisa que se chama "relação causa-efeito", que aplicando ao que ele disse temos uma coisa mais ou menos assim: viver em Macau é bom, porque é tudo perto, MAS o preço da habitação é incomportável para os residentes. E agora, que solução. Simples: vão viver para Zhuhai! A solução para resolver o problema da habitação em Macau é...ir viver fora de Macau. Dói quando respira? Não respire. E depois é assim, ó def, tipo, Zhuhai iá? Tás a ver a cena. É tipo...bué da longe, a sério (é útil saber comunicar com as novas gerações). Pelo menos para ti, que sempre viveste a dez minutos a pé de tudo o que precisas. E lá se vão as "coisas boas" no mar das decisões acertadas.

O outro problema que ele referiu - e só os problemas batem as "coisas boas" com goleada - é a qualidade de vida, pois "andam por aí os turistas do continente", que não só estão aí em todo o lado, e qualquer dia acordamos com um casal e o filho ao nosso lado na cama, como ainda "cospem no chão", e pior do que isso, "SUAM para chão". Antes de tirar conclusões precipitadas, pensei um pouco neste problema de "suar para o chão", e de como não sendo originário do continente, sou parte deste problema. Ou não, pois apesar de suar bastante no Verão, não sou aparelho de ar-condicionado para saber se estou a pingar, e estava a pensar levar comigo um jornal para meter no chão na eventualidade de começar a suar. Mas afinal pensando bem, acho que o jovem queria referir-se aos tipos que expelem o muco nasal, vulgo "ranhoca", para o chão recorrendo a uma técnica única, que consiste em colocar dois dedos na parte superior do nariz como que fazendo de "mola", possivelmente para dar mais velocidade ao projéctil, e depois levanta um pézinho enquanto "limpa a sala" para a via pública - é a higiene e o ballet ao mesmo tempo, com a beleza e o requinte de um filme pornográfico dedicado à bestialidade, com anãs e cavalos amando-se apaixonadamente enquanto "suam" para o chão. Tudo bem, se calhar queria dizer "assoam-se", e de facto é uma imagem difícil de descrever em palavras, mas tudo bem, porque "percebe-se na mesma", pois segundo a mentalidade retrógada que infelizmente é a única que muita gente tem para levar quando sai à rua, "não interessa se está escrito com erros, mas sim passar a ideia" - e a esses digo que a ideia que passa é que V.Exas. são idiotas e orgulham-se disso.

Já mais perto do fim deste discurso que se tivesse título seria "Em Macau tudo fica perto e as pessoas conhecem-se & problemas Lda." vem ao de cima a consciência cívica e ambiental do jovem. Primeiro ele "não gosta de casinos", e se ele mandasse "passava uma lei onde proíbia que se fizessem mais casinos". O quê? Tem quinze anos. Não, não é três, é 15, quin-ze. Seguiu-se então a indispensável nota ambiental, com o patrocínio dos Verdes e da PETA, representada pela sua filial em Macau, a GRANDE PETA: a poluição. Agora podia fazer uma composição bonita para servir de complemento à outra que acaba com "quando eu for grande vou mandar no mundo e vou proíbir mais casinos, mas primeiro vou matar os maus todos". Começava na mesma toada: "A poluição é uma coisa muito má. Quem faz a poluição são os maus". Isto de pedir a alguém informado que dê uma opinião sobre que problemas existem em Macau, arrisca-se a ser recebido com desconfiança, e na dúvida dispara com algo do tipo "poluição". Para ser original eu respondia "velhos, há velhos a mais" - só para chatear. Mas o que mais me intriga nisto tudo é onde está essa chaminé apontada à cara de cada habitante de Macau que leva a que "a poluição" seja um problema a ter em conta comparado com todo o resto. Quem usa muito este argumento da poluição são os fumadores, que dizem aceitar democraticamente as leis de proibição do tabagismo, mas reclamam quando se alarga a proibição a mais lugares - querem fumar onde lhes apetece e estão-se nas tintas para quem possam ou não incomodar. Posto isto dá-se o orgasmo da argumentação parva, quando lhe apetece tirar um cigarro e acendê-lo de modo a satisfazer a sua vontade, não contribuíndo com isso para a felicidade de mais ninguém, antes pelo contrário. Tendo sido POR LEI (fazem-se leis para estas coisas, não para "proíbir casinos") impedido de fumar nesse sítio, atira com o argumento da "poluição". Se estivesse a pensar com a cabeça, que está fora de serviço devido à ressaca da nicotina, ia perceber que a única "poluição" que ia existir ali era a do seu cigarro. Pode-se rebater isto com o direito inalianável que cada um tem à flatulência - ele não pode fumar, mas nada me impede passar a noite inteira a peidar-me. O que foi não gosta? Mas é o meu direito, não é proibido, e também não é poluição.

E não é só nesta tese da poluição-conspiração que encontramos estes raciocínios; recentemente Miguel Senna Fernandes voltou a falar da comunidade macaense, usado desta vez o termo "erosão" para falar da integração dos macaenses na sociedade chinesa - isto falando de Macau, naturalmente. É nestas alturas que me orgulho da minha memória quase cinematográfica, e lembro-me de uma vez escutar uma senhora que no meio de um grupo onde estavam outros convivas, todos eles macaenses (ou pelo menos falavam todos portugueses) queixar-se de como os macaenses "são a pior espécie de bicho deste mundo, e que acaba a sua própria raça". Estava entretido a fazer algo mais construtivo (trabalhar) mais fiquei de "ouvido gordo" naquela conversa, a tempo de ouvir a explicação para aquela afirmação tão bizarra, como uma espécie de auto-crítica, mas com "água no bico": "Querem que os macaenses continuem e depois vão pôr os filhos a aprender chinês, e não lhes ensinam o português!". Isto foi no Verão de 1997, e disto tenha a certeza, pois recordo-me dos temas de conversa partirem todos do "medo miudinho" do que se passava aqui ao lado em Hong Kong, que tinha sido entregue à RPC por essa altura. Voltei a ver esta colega numa festa de Natal em 2000, altura em que os seus dois filhos estavam já em idade escolar, e teriam 7 ou 8 anos, mais coisa menos coisa. Fiz-me de "esquecido" e perguntei-lhe em que escola estudavam as criancinhas, e ela disse-me de uma escola qualquer, certamente que não era a Escola Portuguesa. Posto isto perguntei-lhe se os filhos falavam português, pelo menos em casa, ao que me respondeu "para quê?!?!", e nesse momento, deixando-lhe ver o meu jogo, questionei a opção de ter optado pelo ensino em chinês para os seus dois filhos macaenses, tal como ela e o marido. Respondeu-me então: "Porque quero o melhor para os meus filhos, e o português não vai servir para nada".

Ora bem, "para nada" serviu foi aquele "alerta" idiota que fez dois anos e meio antes - mas ela é ela, e os outros são "bichos". Os macaenses são um caso especial, pois nota-se que apesar da evidente cumplicidade e das semelhanças, existe ao mesmo tempo um afastamento, e o mais grave, grande desconfiança. Isto explica-se facilmente pelo facto de cada família ter origem diversa, e em muitos casos com origem em lugares longínquos, outras culturas, e a "macanização" depende também de à quantas gerações estão em Macau. É também mais provável que no caso de casarem com um português de Portugal fiquem mais próximos da raíz portuguesa, enquanto um casal de dois macaenses "de gema", que comunicam em cantonense um com o outro porque estão mais habituados, prefiram que os filhos sigam a via da integração da Macau nova, da RAEM. Isto explicado assim faz algum sentido, mas por questões de convicções que depois no fim se vê que é só conversa fiada, descamba sempre para a parvoíce. Porque esta mentalidade do "acho e tenho razão mas façam vocês que eu já fiz a minha parte, que é pensar no melhor para todos" é comum a todas as comunidades, e pior, a cada indivíduo. Eu tenho o bom hábito de escutar todas as opiniões, e tenho a minha própria maneira de interpretar as coisas, mas o que penso da opinião dos outros, ou contrário do que se quer dar a entender, guardo para mim. O que eu faço e alguns chamam de "comentar os comentários" acontece apenas quando dentro desses comentários identifico afirmações que, e vou pôr isto em termos leigos, "fazem os outros de estúpidos". Quem olhar para os comentários aos quais faço comentários, vai ver que aqui há quem atire pedras ao vizinho tendo ele próprio telhados de vidro.

Costumo dizer na brincadeira que os egos são a razão porque a democracia plena nunca iria resultar - e falo apenas de Macau. Se fossem realizadas eleições em que não existissem candidatos, e cada podia escolher quem quisesse e tivesse capacidade eleitoral para votar e para ser eleito, julgo que ia haver um empate entre a totalidade da população...a um voto. Basicamente todos acham que conseguem fazer melhor que toda a gente, e esta trágica falácia é alimentada pelo silêncio de quem os ouve, que simplesmente não querem discutir, pois não estão para se chatear. O indivíduo que produz as escabrosas opiniões que nos levam a dar graças por não ser ele a mandar entende as coisas de outra maneira - mais uma prova de que é um boçal, enfim - e acha que se ninguém lhe chama a atenção para os disparates que acabou de dizer, é porque está coberto de razão: se não há mais nada a acrescentar, que se faça lei do que ele diz, e assim vai vivendo a vida de pateta alegre, que é como toda a gente o conhece, mas só diz pelas suas costas, pois de tão presunçoso e pedante que ele é, o mais provável é que comece ali aos berros, como quem acaba de identificar um traidor entre o seu exército, com que um dia vai conquistar o Universo a galope nas estrelas. E há deste modelo em várias cores, tamanhos e feitios, até os que não basta tentar convencer com a sua opinião, e precisam ainda de minar a credibilidade de quem defende uma posição contrária à sua. Acreditem se quiserem, e quase de certeza que já presenciaram este fenómeno, mas perdi a conta às vezes em que no processo de querer descredibilizar uma pessoa, começa-se por apontar um facto pouco abonatório do seu passado, ou mesmo actual: "Fulano? Sabias que ele esteve preso/foi alcoólico/foi toxicodependente", e no caso das duas últimas pode ser no tempo presente. A isto não se chama baixeza ou sequer um mais diplomático "falta de argumentos" - chama-se "desespero".

Ao não alertarmos uma pessoa para o facto da sua lógica pecar pelo encadeamento que nem uma criança de três anos daria, e que nem organizando os pensamentos de outra forma mais digerível se aproveita o que quer que seja, vai por aí fora, - e julgo que foi assim que começou o Terceiro Reich. Contudo é interessante observar a facilidade com que a opinião aparece quando ninguém a pediu, mas falta quando é convidada. Explico já o que quero dizer com isto: por vezes ligam-me para casa, a minha mulher atende e "despacha" a pessoa que está do outro lado, dizendo que nesse momento "está ocupada e não pode responder". Depois de saber que se tratava de uma daquelas entrevistas por telefone mais conhecidas por "consulta pública", e sabendo que a minha mulher não tinha qualquer interesse em participar (e de facto nunca a vi manifestar esse interesse), fui perguntar a mais meia dúzia de colegas, que me responderam de facto sim, recebiam eses mesmos telefonemas, sempre para a rede fixa, e apenas uma disse responder aos inquéritos, e mesmo assim "nem sempre". Principal razão para não responder? Qualquer coisa entre a "falta de tempo" e uma careta que se traduz facilmente para "é completamente inútil". E de facto se estamos todos em Macau - e ao contrário do que muita gente pensa, somos todos humanos e por isso mortais - também é possível que o Governo faça orelhas moucas às sugestões da população, mas aí está: enquanto não decidirem com o fim das consultas públicas, que incomodam alguma "intelligenzia" que acha que a maioria da população é burra e não tem o direito de dar opinião sobre nada porque para isso estão cá eles, é preciso apresentar trabalho, e assim vão pedir às associações que ajudem a preencher aquela papelada toda - e eles ajudam. Se não gostam de responder, nem gostam das associações que respondem mas deixam que estas vos substituam e decidam por vocês, querem o quê, afinal? Já sei, já sei, querem decidir tudo sozinhos, e muitos querem "democracia em Macau". Ui que linda democracia ia ser essa.

O que fica registado é que aquele jovem de 15 anos é a personificação da própria RAEM, e cada molécula do seu ADN representa cada um dos outros residentes. É normal, assim como tudo é normal quando pomos os óculos cor-de-rosa de Macau - para mim o rapaz anda a precisar de ler uns livros que lhe ensinem qualquer coisinha, para o "normal" eu não tive infância e sou uma besta, e o rapaz está no bom caminho, porque expõe os problemas que já todos estão carecas de saber que existem, e não fala dos que ninguém quer ver. É por isso que amanhã tudo o que vão ver e escutar sobre os 15 anos da RAEM vai partir de gente que "entende do assunto", e que "lida de perto com a realidade de Macau", pois come do grande rancho ombro a ombro com o poder, e é lógico que não vão dizer mal de nada, nem do que eventualmente consideram ser grave, pois isso é a opinião deles, e aqui "não vem para o caso", porque "não lhes dá jeito" nesta circunstância em particular. Mas já nem isso era como antes, pois se tiverem tempo e paciência para ver este documentário produzido pela Casa de Portugal de Macau por ocasião do 10º aniversário da RAEM, vão notar algumas diferenças, nomeadamente na forma menos apaixonada com que se faz o balanço do que tem sido o período pós-transição, passando-se do eufórico "é tudo uma maravilha" a um "faz-se um balanço positivo" mais ameno - estes últimos anos levaram a um "desencanto", por assim dizer. Aos 10 anos de RAEM já se notavam os mesmos problemas que passados outros cinco não só não só não foram resolvidos, como ainda se agravaram, e juntaram-se ainda outros que não existiam. Aqueles rasgados elogios por parte das personalidades que aparecem no vídeo são mais um voto de confiança do que propriamente uma avaliação sincera.

E mesmo assim não aprendemos esta lição e falhamos na hora do teste, e sempre nas mesmas perguntas, apesar de já termos feito a correcção vezes sem conta. Em vez de criticar abertamente o que é preciso criticar, chega-se com paninhos quentes, beijinhos, floreados, pede-se licença para constatar o mais que óbvio, para quê? Falem bem ou mal, a culpa dos problemas é sempre dos outros meninos: têm problema com os táxis falem com os taxistas; habitação está mal mas se estivesse bem para vocês só se queixavam se o Governo resolvesse o problema dos outros, porque vocês acham que isto é tudo vosso; não gostam das multidões fiquem em casa, ou em alternativa gastem vocês o dinheiro que os turistas vêm cá deixar, que ao contrário do que se diz por aí, não existe nenhuma tipografia que imprima dinheiro - não é tudo tão fácil? Passar a vida a queixar-se do que já teria sido solucionado se existisse alguma vontade não leva a parte nenhuma. Se existe alguma coisa que está mal para dez mil pessoas e mesmo assim persiste em continuar, é porque uma meia dúzia que vem lucrando com esse "problema" - quando não é só uma única pessoa. Finalmente, e agora falo em meu nome, tentem ter um pouco mais de tino, respeitem os outros e já que chegamos aqui, peço desculpa se alguém ficou indignado com a linguagem, ou ofendido com algum comentário, mas as carapuças têm todas uma cabeça onde assentam que nem uma luva. Ganhariamos muito mais se puxassemos para o mesmo lado, em vez de alimentar a ilusão de que por muito mal que isto esteja, eu tenho razão, eu já sabia, se fosse eu isto e aquilo. Epá há pessoas que chegam a dez dias de receber o salário e já não têm dinheiro na conta, e ainda têm o desplante de sugerir a melhor forma de gastar centenas de milhões de patacas. Confesso que quando optei por ficar em Macau tive receio que inicialmente se dessem aquilo que se pode chamar de "dores de crescimento", um período normal de adaptação, e depois de se esclarecerem os mal-entendidos, ia ficar tudo bem. Agora vejo que aquilo que eu temia está a acontecer, de forma mais lenta e dolorosa, e com a cumplicidade de quem devia evitar esta decadência. Quem se serve de Macau sem pensar em servir Macau, e quando já não der para manter mais a farsa, tem para onde ir e vai de barriga cheia. Tudo bem, cada um sabe de si, e nem sei porque vou terminar este longo artigo, como longas as discussões que deviamos ter e não temos, com um conselho a quem não merece: não temam tanto que vos aparece pela frente que se esqueçam de ter a certeza que a rectaguarda está segura.

E feliz aniversário para a RAEM, metaforicamente falando, e bons feriados para todos.



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