sábado, 13 de dezembro de 2014

Facebook: tem gente (lá dentro)



Para mim o aparecimento das redes sociais foi um dos momentos marcantes da História da Humanidade. Pela primeira vez o mundo estava ligado entre si, podendo cada indivíduo partilhar a sua opinião com quem muito bem entender - apenas com os amigos próximos, num grupo de indivíduos que partilham interesses comuns, ou simplesmente lançar as palavras aos ventos para quem quiser apanhá-las. Ninguém é obrigado a ler, a concordar ou a seguir o que A. ou B. recomendam como sendo o melhor para o mundo. Para isso já cá temos os políticos. Curiosamente não vejo tanta gente incomodada com os políticos tanto quanto os vejo a "subir pelas paredes" quando se fala das redes sociais. Ainda ontem estava a ver um programa da RTPi onde estavam a ser entrevistados dois convidados, e um deles falou na promoção do seu trabalho através do Facebook, e antes de desenvolver esse tema começou por dizer que "o Facebook tem coisas boas e tem coisas más". Suponho que esta é ideia em geral que muita gente tem das redes sociais: se fui eu que fiz é bom/verdade/tem qualidade; se foram os outros é mau/mentira/não presta - eu também sou o maior lá da minha rua, meus amores.

A iniciativa de desacreditar as redes sociais como os blogues, twitter, Facebook e afins parte normalmente de quem detinha o monopólio da opinião: o poder político e a imprensa. Tenho como dado adquirido que talvez, mas ó talvez, se calhar e possivelmente, as redes sociais teriam mais dificuldade em se impôr caso esses dois poderes fizessem um trabalho impecável, espectacular, que nos deixasse a todos prostados de focinho no chão a saudá-los: "Avé, oráculos que sois detentores da verdade suprema", podendo eventualmente oferecer o nosso primogénito em sacrifício ou a nossa filha vestal como dádiva por tanta bonomia da parte de suas senhorias. O principal argumento contra a opinião livre e individual prende-se sobretudo com a falácia da argumentação, ou no caso de se tratar de uma análise ou comentário, da natureza duvidosa das suas fontes. Ora eu tenho centenas de exemplos de colunistas, analistas e outros opinadores cujos argumentos foram colhidos da árvore do cocó, e que apesar da "qualidade das fontes" dão um "jeitinho" para que a sua "verdade" não incomode este ou aquele tipo super-inteligente e bestial, com tantas qualidades que o Menino Jesus achou que ele devia ser rico e dizer ao resto da canalha que pensar e no que deve acreditar.

O exemplo do Facebook é o melhor, sem dúvida, pois permite a partilha de informação tanto pessoal como generalista em tempo real, numa questão de segundos. Compreendo que isto incomode o poder político, pois não há traque que se dê ou sacanice que eles façam que não possa chegar ao conhecimento de alguns que partilham com o resto do mundo, e antes que saia o matutino no dia seguinte a dizer que "não foi um traque, era o estofo da cadeira do senhor doutor que tinha ar a mais, e o cheiro vinha da fábrica de cortumes que por acaso foi construída num sítio ali perto dez minutos antes mas viria a falir uma hora depois", já cada um tema sua opinião formada sobre o assunto. Insistir nesta teoria absurda de que a informação que se partilha nas redes sociais "é toda falsa" é passar um atestado de burrice ao cidadão comum. Eu não acredito em tudo o que leio, e nem sequer dou 100% de credibilidade a seja o que for. E na própria justiça, não existe a possibilidade de recurso? Isso significa que as sentenças são emanadas por gente sem autoridade para o fazer, e por isso recorre-se a outra mais competente? É preciso acomodar a informação, mas convém deixar um espaço na eventualidade de querer mandá-la pelo caminho de onde veio. Não faltam exemplos, até recentes, de situações onde isto e aquilo recolhia um consenso "unânime", e passou a não servir para apanhar a bosta do cão.

Afirmar que o Facebook é "falível" como fonte de informação pode não ser de todo mentira, mas é uma trapaça garantir que exista alguma que esteja acima de qualquer suspeita. Se me perguntarem que agências noticiosas conheço, respondo Lusa, Reuters, Xinhua e outras que nos são mais familiares, de que já ouvimos falar, mas por enquanto o Olimpo,o Valhalla e o Éden (conhecido também por "Céu" ou "Paraíso", não o velhinho cinema Éden) ainda não mandaram qualquer fax com a actualidade mais recente. Dizer que "quinhentas opiniões no Facebook podem todas partir da mesma pessoa" é um argumento que só convence quem não sabe o que é o Facebook, e colocar essa presunção no topo da descrição do que é aquela rede social e estar a fazer o papel de tolinho. É possível que existam pessoas que têm três, quatro ou meia dúzia de contas, e eu próprio tenho duas, uma pessoal e outra dedicada apenas ao blogue, que é aquela que uso com mais frequência. Há indivíduos que têm mais que uma conta e assumem-no, outros que não, mas duvido que um ser humano para quem o dia tem 24 horas consiga manter com um alguma credibilidade 20 ou 30 identidades diferentes. Mas há males que vêm por bem, pois com tanta suspeita que se lança sobre as redes sociais, e nomeadamente o Facebook, a tendência é para que as pessoas não assumam um nome que não o seu, por receio de incorrer no crime de falsa identidade. É caso para dizer que o feitiço se virou contra o feiticeiro: algo que não merece credibilidade deve ser ignorado, e se insistem tanto em desacreditá-lo, é porque não estão a contar a verdade toda e têm receio de qualquer coisa. Chama-se "psicologia invertida"; usa-se com as crianças que não querem comer a sopa, e com sucesso, mas já não é tão eficaz com os adolescentes para evitar que se metam na droga. Com os adultos chega a ser um insulto. Pelo menos com os adultos alfabetizados e mentalmente sãos.

Se me disserem que nem tudo o que está no Facebook é verdade, concordo, mas se me disserem que por esse motivo não lhe devo dar qualquer credibilidade, aceito a opinião mas vejo as coisas de outro prisma. Só por existirem no Facebook contas que não correspondem a uma pessoa real, ou informação pessoal deturpada, exagerada ou duvidosa, o mesmo acontece com toda a informação, mesmo a oficial. Uma lista telefónica está sempre cheia de informação errada, pois até mesmo antes de sair uma edição alegadamente "actualizada", já há assinantes que mudaram de número, faleceram ou emigraram, bem como outros novos que dali não constam. O registo civil, por exemplo, é impossível de merecer 100% de credibilidade no seu todo, pois a toda a hora há gente que nasce, que morre, que casa e descasa, o mundo não pára. E não pára para ninguém, mesmo, pois até os orgãos de informação necessitam de actualizar constantemente a informação. O que seria se acusássemos o Boletim Meteorológico de incorência, pois "Ontem disse que ia chover, e hoje já diz que faz sol? No que ficamos, afinal???". Todos temos um filtro que nos permite distinguir o que é tido como uma possível verdade, e o que não merece o mínimo de credibilidade. A política, a literatura, a filosofia, a sociologia e até o próprio jornalismo e tudo o que se entende por informação e é passível de interpretação diversa está inserido na área das ciências humanas, e como os próprios humanos, tem a subjectividade como uma condicionante maior. Não se aplicam aqui as ciências exactas, nem há uma fórmula que determine que isto é uma vez verdade e por isso sempre verdade e aquilo é mentira, e daí não passa.

Outro argumento dos que teimam em alertar para os perigos do Facebook, mas usam-no na mesma e chamam "hipócritas" e "mentirosos" aos outros (quem desdenha quer comprar - às vezes, nem sempre, mas aqui sim, com toda a certeza) é a da violação da privacidade alheia. Sim, faz todo o sentido que eu não queira partilhar com os outros a minha vida privada, e depois vá para o Facebook firme a esse princípio enquanto...partilho aspectos da minha vida privada. Interessante, como o narcisismo consegue chegar ao ponto de se esperar que um média utilizado por um quinto da população mundial garanta a toda a prova que a informação que o próprio lá introduziu fique apenas acessível a um certo grupo de pessoas. O Facebook tem opções que permitem a cada um escolher com querem partilhar os seus dados, mas não é infalível, como nada é infalível. Quem guarda avultadas somas de dinheiro ou outros valores em casa e depois queixa-se de que foi assaltado e desata a dizer mal da sorte podia ter simplesmente optado por guardar os valores no cofre de um banco. Da mesma forma alguém que tem macaquinhos no sótão e não quer que ninguém saiba não vai deixar pistas numa rede onde milhões de computadores pessoais pertencentes a gente estranha estão inter-ligados entre si. E quem divulga essa informação dita "confidencial" ou "privada", e depois queixa-se que foi parar às mãos de quem não devia, pode dizer que essa informação era mesmo isso que ele diz, tão preciosa e pessoal? Que a guardasse para si, então. Alguém o obrigou a tal dislate?

O Facebook é uma espécie de Páginas Amarelas dos tempos modernos; pelo menos esta é uma comparação que gosto de fazer. Antes podiamos através do nome próprio e do apelido de alguém consultar a lista telefónica e ficar a saber outra informação além do número de telefone, como a morada, e nas listas em Portugal vinha incluído o andar e o bloco, ou seja, sabendo um simples nome, desde que fosse esse o assinante, ficávamos a saber onde morava. Isto era tão normal que nem me recordo sequer de ouvir alguém se queixar que ficava em causa o seu direito à privacidade, e tinha a opção de pedir aos CTT que a sua informação se mantivesse confidencial, mas dessa forma seria mais difícil encontrá-lo e consequentemente entrar em contacto com ele. Podia-se dar o caso de alguém saber destes dados para fins menos lícitos, mas quem não deve, não teme - digo eu. Mas isto era um tempo em que ninguém sonhava com a internet, e graças aos progressos na área da tecnologia, coisa normalíssima, o Facebook contém mais informação, como a fotografia, eventualmente a data de nascimento, os familiares e amigos, gostos pessoais, aquilo que cada um achar pertinente partilhar com o mundo. Às vezes perguntam-me se conheço esta ou aquela pessoa, e se o nome não me diz nada, posso consultar o Facebook e dar-se o caso de conhecer, sim, pelo menos de vista, ou ficar na mesma. O que não vai acontecer com toda a certeza é comentar se é bonito ou feio, gordo ou magro, ou se tem bom ou mau gosto. Deduzo que as pessoas que deixaram estes dados na rede social fizeram-no com a intenção de poder ser encontrado por alguém que esteja à sua procura. Posso estar enganado, mas considero-me uma pessoa de bem e mentalmente sã, e desse modo não vou andar a chatear alguém que não conheço de lado nenhum, com quem não tenho qualquer ligação, interesse comum ou um fim que me leve a contactá-la. Mas isto sou eu, pronto.

Vi no YouTube uma entrevista com Miguel Sousa Tavares onde o brilhante brutal (com este "brilhante" estou a exagerar, confesso) diz que não tem conta no Facebook, pois isto "é mau", e as pessoas que têm alegam que "querem contactar os antigos colegas da escola primária", e que isso é algo que "não lhe interessa". Isto é o que eu chamo o supra-sumo da arrogância: os amigos do Miguelito representam a totalidade da população mundial - não há ninguém no mundo que tenha uma característica que os seus amigos não tenham. Ele não está interessado em contactar os seus amigos da escola primária, portanto é só para isto que o Facebook serve, ele não usa e recomenda que não se use. Ele pode não ter lá conta, mas existe uma página sobre ele que tem mais de 38 mil seguidores. É gente que acredita no Pai Natal, certamente, pois não esperem que o Miguel vos diga um "olá" que seja, pois "não usa", porque "é mau" e vocês "querem é contactar os ex-colegas da primária". Certo. Na realidade os "perigos" que os mui zelosos detractores das redes sociais dizem existir no Facebook sempre existiram, e existem no Facebook, de facto, pois o Facebook é feito por pessoas, e todo o tipo de pessoas têm acesso ao Facebook, os bons e os maus. Sabem onde mais podemos encontrar boas e más pessoas? Na rua, no trabalho, no café, na escola, em toda a parte. Nem o Facebook inaugurou a maldade, nem esta deixou de existir em toda a parte por se ter mudado de armas e bagagens para o Facebook. Continuam a haver tarados a espreitar pelas fechaduras ou a trepar numa árvorea para olhar para o balneário das senhoras, e não vai ser por não saber usar o Facebook que uma velha abelhuda vai parar de meter o nariz de bruxa na vida alheia.

Sendo que esta é uma nova componente da vida, devia ser entendida como tal, e pessoalmente penso que o Facebook tem valor probatório, podendo ser usado para provar um facto ou factos nas instâncias judiciais, por exemplo. Uma fotografia que aparece no Facebook é uma fotografia como outra qualquer: o registo fiel de pessoas reais num dado momento e em determinado local. Pode ter sido editada, é verdade, mas caso isso tenha acontecido, existem formas eficazes de o averiguar - Estaline mandava editar fotografias e não tinha acesso ao Facebook. No recente caso em que um cidadão português foi condenado pelo crime de violação, que sem mais qualquer outra informação suplementar dá a entender que é um predador sexual que se esconde ao virar da esquina à procura de vítimas indefesas e aleatórias. Uma simples consulta no Facebook leva-nos a questionar se este veredicto é assim tão definitivo quanto parece, pois lá encontra-se informação muito além dos dois dias que parecem dizer tudo sobre a relação que o alegado violador mantinha com a vítima. Se por "violação" entendemos uma coisa, e por "agressão" outra de natureza diferente, então isso leva-me a concluir que aquilo que foi violação hoje, ontem era apenas "uma coisa normal entre adultos maiores e vacinados". Se algo como o Facebook é válido como elemento de prova? Isso cabe ao juíz decidir. Ou só o que já está decidido agora é o que fica decidido para sempre? Epá, vejam só, o Porto é campeão europeu! Bibó Porto! Não é??? São vocês da imprensa que o dizem, aqui, porquê, é mentira? Ou foi apenas a vida que continuou, e o que ontem era uma certeza hoje nem por isso? Se devemos ter cuidado e não acreditar em tudo o que lemos e em tudo o que nos dizem? Isso deve ser uma das poucas coisas que nunca mudou, e talvez nunca vá mudar.

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