quinta-feira, 20 de novembro de 2014
O espantalho da DSEJ
Cheguei a uma conclusão: devo ser mesmo burro. Viram? Como pode ser esta uma "conclusão" quando nem sequer tenho a certeza? É que li a notícia que dava conta da preocupação da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) de Macau "com a internet e a educação sexual". Muito bem, dois temas sempre na ordem do dia, pelas razões mais diversas. Pelo menos foi o que eu pensei: "dois temas", mas comecei a sentir um calafrio na espinha quando dou conta que é o Centro de Educação Moral (CEM) da DSEJ a expressar e a tornar públicas estas preocupações. Se isso me incomoda? Claro que não, podem expressar as preocupações que quiserem, podendo inclusive saltar refeições, perder noites de sono e ficar um mês sem tomar banho nesse processo. Se tem legitimidade para o fazer? Aparentemente...é uma subunidade do departamento de educação, e é em teoria o mais qualificado para o fazer. Repito: em teoria. Se estão a querer fazer toda a gente passar por burra, certamente, mesmo que não me consigam enganar, ou ao querido leitor, que só por ter escolhido o Bairro do Oriente demonstra um elevado nível de normalidade. Sim, normalidade, porque como já disse mais em cima, não me considero um modelo de virtudes, um Kant desta casa-da-sogra, mas tanto eu como o leitor sabemos uma coisinha ou duas sobre uma coisinha ou duas, pelo menos o suficiente para não saltar do precipício atrás dos amendoins que para lá se atiram de quando em vez.
Este CEM está sinceramente preocupado com a forma como os jovens usam a internet, ou de que forma isto pode influenciar na sua "educação sexual" - ui! jovens, internet, moral, educação sexual: cheira a fezes frescas. O director substituto Leong I On explica que “a família desempenha o papel mais importante no crescimento das crianças e jovens, portanto, deve estar incluída na sua educação sexual”. Claro, a DSEJ, através destes paladinos da moral, faz o tremendo sacrifício de educar os filhos dos outros sobre a sexualidade, mas tudo bem, os pais "podem participar também", pois afinal "a família desempenha o papel mais importante". Eu até penso que sim, existe este problema em Macau com a sexualidade, que continua a ser tabu, levando a que os pais não discutam o tema com os filhos, e muitos consideram o sexo "uma coisa suja". As crianças, nomeadamente os adolescentes, sentem o chamamento das hormonas, e isto é algo que nem os pais nem a DSEJ conseguem impedir - a não ser que levem os miúdos ao veterinário para serem esterilizados (já faltou mais...). Pudera, numa sociedade de falsos púdicos que identificam algo perfeitamente normal como um grande perigo, porque eles próprios são prevertidos, foram sexualmente reprimidos ou passaram por uma má experiência - ou nenhuma. Sim, porque a tendência destes técnicos com um ar de que nem sabem o que é uma queca bem dada e os conhecimentos sobre o assunto são praticamente "in libro", é para tratar as pessoas como se fossem electrodomésticos, podendo programar cada um bastando para isso rodar os botões. Mas permitam-me que elabore.
Aí está; não sou de julgar ninguém pelas aparências, mas atendendo ao que vou dizer a seguir, desta vez abro uma excepção. Olhem bem para estes quatro indivíduos e digam-me se confiavam neles para ensinar os vossos filhos a atravessar a estrada, quanto mais sobre sexualidade. As duas jovens em cada uma das pontas têm ar de quem muda de lugar quando se senta um homem ao seu lado no autocarro, o tal Leong I On tem aquele microfone a uma distância da boca um tanto ou quanto suspeita, e assumo que a outra senhora está ali para ter a certeza que toda a gente se porta bem. Sim, só pode ser isso. Além de mais parecerem a brigada dos empata-coisas, vão buscar argumentos que não lembram nem ao Menino Jesus, que certamente adoram com todo o fervor. Já fazia algum tempo em que não tinhamos um grupo de feministas, religiosos e outros zelosos pegajosos a embirrar com a internet. É preciso ter sempre em mente que a internet é uma ferramenta de acesso à informação, um media interactivo onde, pasme-se, "aprende-se", e quem sabe se um dia brota da aridez encefálica um rebento de "criatividade", e depois aquilo cresce, sobe pelas paredes em forma de "espírito crítico", e antes que dêem por isso se vejam a "questionar", a "refutar", e Deus Meu, "DUVIDAR"! A esse ponto o melhor deixá-los de molho na água benta e ir consultar a agenda para saber que exorcista se encontra de plantão nessa noite.
É aqui que eu me rendo às evidências: sou um completo idiota. Por muito perversa que a minha imaginação seja, nunca me passou pela cabeça associar a internet à Educação Social da forma que o CEM o faz. E então, e o papel da internet na percepção dos jovens sobre o que é a sexualidade, é bom ou é mau? Claro que é mau. É péssimo! Vade retro, Satanás! É que os jovens são umas bestas que a cada dia batem um novo recorde de pontos negativos em testes de QI e a ciência descobre neles um novo tipo de paralisia infantil, e Leong I On teme os “perigos” que podem advir da utilização que os jovens dão à internet no processo da Educação Sexual, que é "complicadíssimo" - pelo menos para ele acredito que seja mais do que isso: é um mistério. Ainda pensei que se tratasse de algum vírus informático que por aí anda, que mostra os jovens imagens de sexo do mais porcalhão que se possa imaginar mal eles se ligam à rede. É o que parece, a julgar pela cara de caso destas salsichas de lata, como que a anunciar uma calamidade épica e inédita, e que restam poucas horas até que não fique um sopro de vida na Terra. Mas não, acontece que como são uns completos idiotas, e os paizinhos não lhes ficam atrás, compete ao Governo salvaguardar os jovens de algum falo voador que saia do ecrã e lhes venha bater na testa.
Aparentemente o maior problema são os outros, "as amizades que os jovens podem vir a fazer na internet". Aqui fiz um esforço suplementar para entender o que tem isto a ver com Educação Sexual. Será que se arriscam a pensar que estão a pedir conselhos ao Dr. Júlio Machado Vaz e na verdade do outro lado está o Carlos Cruz? Pior! Segundo o director-substituto da Moral e Bons Costumes, “muitos jovens usam frequentemente as aplicações no telemóvel para conhecer novas pessoas e fazer amizades, sem conhecer o outro pessoalmente". Para mim isto parece-me normal; que mal tem conhecer uma pessoa noutro lugar qualquer do mundo? E que se saiba ninguém morde só por estar a trocar dois dedos de conversa em frente a um computador. Só que para o bom do Leong I On, "estas relações podem representar algum perigo sobretudo quando existem encontros”. A sério? Será que quando os jovens marcam encontro com alguém que conhecem na internet, é a própria internet que os leva ao colo até lá? E se forem levados para um beco escuro e enrabados a sangue frio, a culpa é da internet, devemos vigiá-la de perto, e não aos becos escuros? Qual é a aventesma que não sabe a diferença entre conversar com alguém na internet e encontrá-lo na rua, ou noutro lugar qualquer? Peço desculpa, mas antes da internet existir as pessoas não marcavam encontros? E não era "perigoso" contactar com desconhecidos? Entendo que é preocupante quando alguém é vítima de extorsão ou cai num conto do vigário por confiar em alguém que conheceu "online", e transfere para a sua conta ou envia avultadas somas em dinheiro, mas se o sr. Leong I On se for dar ao incómodo de investigar as vítimas dessas fraudes e afins, vai ter uma surpresa: a grande maioria não são jovens de todo.
Este truque em que só cai gente ignorante é conhecido por "falácia do espantalho": pega-se num falso problema, convence-se quem nos ouve que é "muito grave", e "perigoso", apelando-se a que se fique de olhos bem abertos, ou para ser mais fácil, corta-se o mal pela raíz e encontra-se uma forma de não deixar o mal chegar perto, o que neste caso é a cobertura para uma eventual censura dos conteúdos da internet, ou a limitação do seu acesso livre e ilimitado - levanta-se o espantalho, derruba-se o espantalho. E por incrível que pareça existe uma forte "claque" que suporta esta ideia. Muitos dos jovens "problemáticos" (para a DSEJ, entenda-se) que passam mais tempo em cybercafés ou mais horas "online" são filhos de trabalhadores da indústria do jogo, que às vezes trabalham por turnos e pouco tempo lhes sobra para prestar atenção à educação dos filhos. Menos tempo têm ainda para se inteirarem do que vai pela internet, que novos perigos podem apresentar, e o mais provável é que até se mostrem receptivos à ideia, nem que seja para não levar com estes "cromos" em cima a toda a hora, a recordá-los que são maus pais e que não prestam. Juntam-se a estes os velhos e as respectivas velhas, que não sabem o que é a internet mas "ouviram dizer que é mau", e têm quorum. Ai Nossa Senhora dos Imbecis, que as autoridades já não têm mãos a medir com estas criaturas virtuais a encontrarem-se aí pela rua a planear sabe-se lá o quê.
Mas calma, calma, minhas primas, a Moral United chegou para salvar o dia; vem aí o 5º Campo de Reeducação e Lavagem Cerebral, perdão, a 5ª edição da promoção da Educação Sexual, este ano com o sugestivo tema “Amar sem se perder na internet”. Mas esperem, os pais não devem impedir o acesso dos filhos à rede, mas antes “ensinar a usá-la da melhor forma possível, salientando os seus pontos positivos, porque de facto ela é útil para muitas actividades do dia-a-dia” - disse o moralista Leong. Sim, de facto há de tudo na rede; desde pessoas que tentam salvar o planeta, a outras que elegem o cagalhão mais engraçado - e curiosamente estes últimos parecem ter mais adeptos. É um pouco como o próprio mundo 'tás a ver? A vida real. Talvez porque a internet é feita por pessoas, sei lá, umas bem intencionadas, outras nem por isso, e ainda algumas completamente passadas dos carretos. É por isso que Centro de Educação e Moral da DSEJ traça como meta que “os jovens tenham iniciativa e comecem a pensar de forma independente sobre a sexualidade e a internet enquanto são orientados”. Para o efeito, este ano a Educação incluíu duas novidades no programa da iniciativa: a palestra “Paixão pela internet” destinada a pais e encarregados de educação, e o acampamento para pais e filhos “largar a internet”. Faz todo o sentido: primeiro a lavagem cerebral, e de seguida bute lá pró campo curtir a "ressaca".
A iniciativa da DSEJ que decorre entre o próximo mês e Fevereiro de 2015 com o objectivo de incentivar o diálogo entre pais e filhos sobre a sexualidade, vai ter ainda jogos, peças de teatro e filmes! Não sei que jogos ou peças de teatro podem contribuir para essa "missão impossível" que é colocar os pais a falar de sexo com os filhos, mas quanto a filmes posso recomendar alguns: "Sete ânus no Tibete", "Todos sobre a minha mãe" e a série do agente "Zero Zero Mete" (se for seguidor) para os pais, "Peter Pau" ou "Pénis, o Pimentinha" para os pequenotes, e a série "O Senhor dos Anais" para toda a família. Promete, esta quinta edição, e devagar, devagariho vamos mentalizando a população para a eventual introdução da disciplina de Educação Sexual nas escolas de Macau. Pode ser que após a 22ª edição se comece a ponder essa possibilidade. Por enquanto deixem estes "especialistas" trabalhar à vontade, enquanto nos ensinam a nós, idiotas, o que devem e não devem os nossos filhos ver na internet.
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