sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A dança das cadeiras



Chui Sai On prepara-se para anunciar a composição do restante Executivo que o acompanhará durante o seu segundo mandato como Chefe do Executivo da RAEM, e desta vez "há novidades". Assim dos nomes já anunciados para os cargos de secretário, temos Wong Sio Chak para a Segurança, contrariando as notícias que davam como certa a continuidade de Cheong Kuok Va na pasta de que era responsável há 15 anos, e Lionel Leong Vai Tac para a pasta da Economia e Finanças, substituíndo assim Francis Tam. Dos outros nomes avançados mas que carecem ainda de confirmação estão Alexis Tam Chon Weng, ex-porta-voz do Executivo para a pasta dos Assuntos Sociais e Cultura, Song Man Lei para a Administração e Justiça, e talvez a maior surpresa, Raimundo Arrais do Rosário, actual delegado de Macau na EU, em Bruxelas, para as Obras Públicas e Transportes. Em suma, não se mantém qualquer dos actuais secretários, naquilo que se pode considerar uma "limpeza" no Governo. Outras mudanças incluem André Cheong, actual director da DSAJ para comissário do CCAC, no lugar de Vasco Fong, que vai substituir Song Man Lei no TUI, enquanto Sam Hou Fai, Ho Veng On e Choi Lai Hang continuam, respectivamente, nos cargos de Presidente do Tribunal de Última Instância, Comissário da Auditoria e Director-geral dos Serviços de Alfândega, entrando o actual director da PSP, Ma Io Kun, para os Serviços de Polícia Unitários, no lugar de José Proença Branco, que se reforma. Para a aposentação vão ainda Cheong U, ex-secretário dos Assuntos Sociais e Cultura, e um tanto ou quanto surpreendentemente o procurador Ho Chio Meng, que é substituído por Lai Kin Hong, até agora presidente do Tribunal de Segunda Instância.

Ao contrário dos regimes ou sistemas políticos no Ocidente, a alternância nos principais cargos públicos não depende da mudança dos governos, uma vez que estes não derivam de eleições através do sufrágio universal, da vontade popular, e não se pode falar em rotatividade - esse conceito não existe, tal como o de "desgaste": para quê substituir quem está a fazer "um bom trabalho"? Aqui a definição de "bom trabalho" é muito relativa; diz-se que alguém esta "a fazer um bom trabalho" quando não está a fazer um mau trabalho, ou seja, nivela-se o desempenho por baixo. Dois bons exemplos do que NÃO deve ser feito: o ex-director da DSAL, Shuen Ka Hong, e o actual director da DSAT, Wong Wan. De resto, se não for para ter protagonismo pela positiva, o melhor é mesmo pautar-se pela discrição. E cuidado com isso do protagonismo, que é um pouco como a Vitamina C - em doses ideais previne os resfriados, mas em demasia pode causar males de fígado. Não é à toa que três dos cinco secretários do I Executivo, liderado por Edmundo Ho, ficaram no cargo durante 15 anos, algo completamente esdrúxulo num sistema político de inspiração democrática. A tal "eternização da entronização", ou "entronização eternizada", como preferirem, é por demais evidente nestas paragens, e conseguem-se apontar algumas causas para esse fenómeno, que vão para além da "face", que é apontada como a principal.

Nesta "dança das cadeiras" dos altos cargos, pode-se dizer que "the only way is up", passo o anglicismo e acrescento a alternativa: a via lateral. Quem exerce um alto cargo como o de Secretário, só pode ir dali para Chefe do Executivo (difícil, existindo apenas uma vaga), ou para um cargo equivalente ao que se encontra a exercer (em termos de influência e prestígio, ficando o vencimento para um plano secundário, e penso que nem é necessário explicar porquê), ou ainda para a reforma, e aqui quanto mais tarde melhor, ou no caso de não se ter alcançado o patamar superior ou se esteja eternamente a aguardar essa promoção, acaba por ser uma saída airosa. Depois a "vox populi" não perdoa: quem se aposenta nunca é porque "quer ir descansar", mesmo que isso seja verdade, mas porque não alcançou a meta que ambicionava - é-se preso por ter cão e preso por não ter. Em circunstâncias normais, atingir os 65 anos ou o mínimo de 36 ao serviço da administração é um bilhete dourado para uma vida livre de preocupações, só que aquilo que para nós é entendido como tal, para quem está no centro das decisões é muitas vezes visto como uma derrota.

Este ciclo acarreta vícios, evidentemente, pois esta enraização nos cargos leva a que não se prepare um sucessor; pior do que isso, leva a que seja quem for que revele competência ou demonstre algum interesse no cargo seja "posto de lado". As únicas excepções a esta regra são os "delfins", que se encontram predestinados a ocupar um desses cargos, enquanto adquirem experiência num outro cargo da mesma área ou semelhante, mas mais discreto. O problema é que esses vão sendo cada vez menos, e não é delfim quem quer, mas quem pode. Os dois requisitos essenciais são: 1) ser oriundo das famílias tradicionais ou apadrinhado por um elemento poderoso das mesmas ou 2) ter influência junto do Governo Central - ou as duas coisas, o que raramente acontece, e que leva a uma espécie de "separação das águas", colocando de um lado uma elite empresarial, composta pelas tais famílias, e um grupo de tecnocratas, com uma forte prevalência na área do Direito, mais próxima de Pequim e (aparentemente) mais conservadora.

Fora dessas duas esferas esta a oposição, ou os "democratas", como são por aqui conhecidos, e que nos últimos anos têm tido como grande referência Jason Chao, considerado por muitos um "radical" por não alinhar com as posições da nomenclatura. No meio está um grande vazio com muita gente lá dentro, a balançar na nau que navega no revolto mar da instabilidade política que se tem acentuado no continente. Entre estes é possível que exista gente capaz, e até inteligente, que prefere "sopas e descanso" a ter que bater a pala ao poder ou a colocar-se em situação - e vou agora citar um digníssimo deputado - de "extrema oposição". É por causa destes "extremos" que as alternativas se vão afunilando, e não saltam cá para fora os tais "talentos", expressão que o actual Chefe do Executivo adoptou e que a populaça tanta piada achou. Rir é o melhor remédio, às vezes, mas outras há em que se apresenta apenas como única alternativa a não chorar. E depois é preciso ter em conta do quê, e principalmente de quem estamos a rir. No fim de contas, pode ser que seja de nós próprios.


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