segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Rapport (a alma gémea)
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Fernando Pessoa
Como animais sociais que somos, é sempre um prazer conhecermos outros da nossa espécie, como nós. É uma sensação fantástica quando "encaixamos" em alguém, sentimos com o outro aquilo que os franceses chamam de rapport, e que em português se pode traduzir para "cumplicidade" - mas nao é bem a mesma coisa - cumplicidade dá a entender que se cometeu um delito, que nos compromotemos a guardar a dois um segredo terrível, e mesmo que quisessemos partilhar estaríamos sempre compromoter-nos.
Quem estabelece contacto imediato e se sente bem com o outro não tem segredos a partilhar a não ser os seus, aquele que lhe pertencem, dos quais sente que nada ficou a dever a ninguém. São só eles os dois, sem compita. Adoram escutar-se, olhar-se, sentir o magnetismo um do outro, e queriam que aquela noite nunca tivesse fim, que o tempo parasse, fosse embora, que o tempo estava ali a mais, entre eles os dois. E mesmo que a noite acabasse mais tarde, uma, duas horas depois, na manhã seguinte ou dias após aquele, ficaria sempre tanto por dizer, um tanto que sem a rede do trapézio do acaso parece uma vida inteira.
E depois? Racionalizando o diamante do deslumbramento fica nas mãos apenas a areia a escorrer pelos dedos trémulos das mãos frias, cada vez mais frias à medida que vai chegando a hora. Quando finalmente se despedem, com beijos, abraços, mil carinhos um pelo outro, o que importa o resto do mundo, e se caminho é a direito, em linha recta, para quê perder-se em distrações? O que é que não pode mais ser quando parecia tudo possível? Será que o grande tribunal do tempo não nos perdoa sequer quando encontrámos a nossa alma gémea?
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