domingo, 21 de setembro de 2014
Cisão e "generation gap"
Estava eu esta noite a ver o programa Contraponto, que contava hoje com Emanuel Graça, Isabel Castro e Sérgio Terra, quando é perguntada a opinião a este último sobre a alegada "cisão" no Novo Macau. No fim da semana passada o deputado Ng Kwok Cheong e o actual presidente da associação, Sulu Sou, tornaram público um diferendo quanto à utilização dos gabinete reservado aos deputados na Assembleia Legislativa: Ng considera que o gabinete é da responsabilidade dos deputados, neste caso ele e Au Kam San, enquanto Sou defende que o espaço deve continuar a ser gerido pela associação. Atendendo a esta capa e a este artigo do Jornal Tribuna de Macau, de que Sérgio Terra é director-editorial executivo (?), pensei que não ia perder mais uma oportunidade de "malhar nos democratas", uma modalidade em que a "academia" da Calçada do Tronco Velho parece ser exímia em formar talentos. Não que isso me incomode pessoalmente, o que me incomoda mesmo é o monopensamento, e a facilidade com que certas pessoas, supostamente inteligentes, licenciadas em comunicação, letras, etc. assimilam certas "certezas" dois ou três dias depois de chegarem a Macau, e com essas certezas vão ficando, num exemplo gritante de "sugestão bem sucedida" - isto para não lhe chamar "lavagem cerebral". Mas não, o sr. Terra surpreendeu-me e fez uma análise quase perfeita da questão, pasme-se.
Sim, de facto não parece nada de grave, até porque se fosse nem apareciam juntos a fazer aquelas declarações à imprensa na quinta-feira, sim, existe um conflito de gerações entre os veteranos do Novo Macau e os novos membros, e sim, são mais as coisas que os unem do que as que os separam - pudera, com tudo o que arriscaram quando optaram por se alistar no campo da pró-democracia. Sérgio Terra ganha até um bónus ao comparar as diferenças entre a velha guarda e os "juniores" dos democratas, afirmando que os primeiros pautavam-se mais pela assistência às necessidades directas da população, enquanto os outros têm uma preferência pelo activismo político no sentido de pressionar o Executivo a levar a cabo a eternamente adiada reforma administrativa e política. Ng Kwok Cheong teve também um passado no activismo, se bem que eram outros tempos, e não há dúvida que a nova geração está muito mais bem preparada. Talvez o jornalista do JTM tenha apenas pecado por defeito nos números, pois actualmente o Novo Macau tem contado com uma adesão em massa da juventude que vem saíndo das universidades, e talvez isto explique um pouco a situação de Bill Chou e o seu despedimento da UMAC - sem ele se assumir como membro do NM já é o que se vê, com ele certamente que muitos outros futuros licenciados seriam igualmente "convertidos".
Outro aspecto que Sérgio Terra abordou de leve foi o do eleitorado do Novo Macau, que vinha crescendo até ao ano passado quando sofreu uma derrota após a arriscada aposta em dividir-se em três listas. Aqui por muita razão que tenha quem disser que o NM vive numa "terra de ninguém" no espectro político local, isso incomoda-me e aborrece-me. É verdade, não nego, mas não acho certo. Deve ser defeito meu, que olho para a política e para as eleições como uma forma mais representativa, mais abrangente, e não "localizada" como acontece em Macau. Posso dar a entender que sou apoiante ou militante do NM, mas isso não é de todo verdade; pode ser que sim, que tenha votade numa das suas listas numa ou outra eleição (aqui sigo o exemplo do grande Rocha Dinis e escudo-me no secretismo do voto, e nem posso dizer que "votei no António", pois esse é o nome português de Ng Kwok Cheong), mas se sigo de perto as suas actividades é porque eles se dão a conhecer, e andam sempre por aí, e não apenas durante as eleições. Não sou operário, não sou nem de Jiangmen nem de Fujian, não trabalho no casino e sou funcionário público mas entendo que o sindicalismo fica de um lado e as eleições legislativas de outro. A meu ver, mesmo não existindo partidos políticos (nem a China deixaria que tal acontecesse), deviam existir "listas" mais abrangentes, pois do modo que as coisas estão, basta ter 10 mil empregados para ser eleito deputado - e já se sabe que nem sempre o patrão é bondoso ou generoso ao ponto de lhe querer dar o voto. E nem aqui o NM é perfeito, pois há um senão na sua (tentadora) proposta: querem mais democracia, mais abertura, mais participação civil, tudo bem, mas para quê? Com que objectivo? Não chega dizer "vamos por este caminho" sem dizer primeiro onde o caminho nos leva.
E voltando então à alegada cisão entre os elementos do Novo Macau, nomeadamente o seu fundador e líder histórico e o seu actual presidente, achei aquilo tudo demasiado estranho para ser levado a sério, mas por outro lado não consigo ler que estratégia se pode tirar de um eventual "bluff". Os dois não me pareciam desavindos, falaram com calma, quase juntos, só faltava abraçarem-se, como velhos "camaradas de luta". Agora o que não dá para perceber é que dividendos se podem tirar, se os há, tornando pública uma questão tão pífia como essa dos gabinetes da AL. Aliás até podia ser por causa de uma escova de dentos ou um estacionamento para a motorizada, pois aqui a verdadeira notícia é o facto das duas gerações de democratas estarem novamente de costas voltadas. Já aconteceu antes, e com resultados desastrosos, quando Jason Chao assumiu durante as eleições no ano passado a rotura com alguns elementos mais velhos da associação, nomeadamente Au Kam San, com quem tinha concorrido em 2009 como segundo da lista. Por coincidência, e bem a propósito veio o comentário do Sérgio Terra, preparei um vídeo em homenagem à malta nova que andou por aí este Verão de punho estendido e a dar dores de cabeça à nomenclatura. Agitar antes de beber, dizem os pacotes de leite com chocolate, e agora resta ver se conseguiram adoçicar a mistura. Pois isso parece de tudo aquilo que é mais definitivo: quem não está satisfeito com isto tudo, o Novo Macau é o lugar para estar. A um certo preço, claro.
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