sábado, 27 de setembro de 2014
Amordedeus? Quebram-se-lhe os dentes
Sem muito tempo para actualizar o blogue devido a afazeres pessoais, ao mesmo tempo que preparava a edição do 2º episódio de "Macalhau Espiritual", que espero apresentar ainda antes da hora de almoço de Domingo. Enquanto isso deixo-vos com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau. Continuação de um bom fim-de-semana.
O Homem Invisível foi uma péssima invenção
Vive à custa do meu mal e não tem nada de bom para dar
Embora, às vezes, ele faça aliciantes promessas
Nenhuma delas até hoje me conseguiu acalmar
Jorge Palma, O Homem Invisível
Uma das notícias da semana foram as declarações do matemático e cosmologista Stephen Hawking, que depois de 72 anos de vida e cinquenta deles sofrendo de esclerose motora amiotrófica, decidiu que “não acredita em Deus”. Ora essa, depois de tantas provas, como é possível não acreditar? Esperem, não é bem assim, é o contrário, Deus não pode possivelmente existir, com tanto mal que tem vindo ao mundo. Ou isso, ou está a perder a guerra com o Seu arqui-inimigo Satanás, vulgo “o Diabo”, que apesar de não se manifestar tanto ou ter obras erguidas em seu nome, ficou com aquela má fama de que “quer instituir o reino do mal”. Má publicidade é melhor que nenhuma publicidade, e aqui o Senhor das Trevas tem o mesmo potencial da China (pelo menos até há três ou quatro anos): ninguém gosta dele, acusam-no das maiores barbaridades, mas na hora de se sentar à mesa e falar de negócios, é tudo uma questão de “pontos de vista”.
Se Hawking era crente antes desta brilhante conclusão (até as crianças com anos de catequese duvidam da existência de Deus mal Lhe pedem qualquer coisa e Ele não dá), pode-se dizer que é um resistente, pois na condição em que se encontra não há fé nem paciência que aguentem. Acreditar que ter o aspecto do fantoche de um qualquer ventríloquo faz parte de um “grande plano” dá logo vontade de perguntar: desculpem lá, mas se isto era um “plano” e o meu “papel” é este, bem me podiam ter consultado, não acham? Mas esperem lá, que Deus é assim um bocado como as agências de seguros, e deixa sempre letras miudinhas no fim de todos os contratos – ou acrescenta-as. Portanto a lógica é a seguinte: se algo de bom acontece, é “graças a Deus”, e se é mau, “paciência”. Este ou esta “paciência” deve ser um dos diabretes estagiários do demo, o/a maroto/a.
É sempre chato quando se perde um aliado de peso como Stephen Hawking, um homem inteligente, um dos pesos pesados da elite pensadora. É fácil angariar crentes entre a gente mais humilde e menos escolarizada; há fanáticos que incomodam os demais crentes “porque são doentes mentais, coitados”, e há de entre os que blasfemam “os alcoólicos, coitados”. São todos tão “coitados” que Deus terá misericórdia das suas almas quando estiverem a sofrer dores lancinantes mergulhados na lava dos infernos. Os “crentes”, gente de bem, sim senhor, porque tem “fé” esse antídoto da ciência, ficam de peito inchado sempre que alguém “que estudou” acredita também na tese da existência de Deus, de um Criador, e isso é quanto baste para invalidar qualquer alegação de outro que tenha também queimado muita pestana mas que não acredite em Deus – é parvo e tirou o dia para os chatear, enfim.
Os chineses chamam a Deus “神”, ou “san”, assim unicamente, mas para O distinguir do seu panteão politeísta usam “一神教” (“yat san gau”), literalmente “um só Deus”, referindo-se à religiões abraâmicas, o judaísmo cristianismo e o islamismo. Simpática, esta tolerância por parte dos chineses com os que acreditam num único Deus, e como troco levam o nome de “pagão”, que tem assim uma conotação com “selvagem”. Abraão é o tipo que detém os direitos de autor do tal “Deus” da Tora, da Bíblia e do Alcorão, o que nos leva a pensar que mensagem tão difusa é esta que nos quis passar, e que levou a tanto conflito entre estes três principais entrepostos da Sua adoração. Se calhar é adeptos da porrada, a que depois assiste lá em cima através da “Sky Sports”. Perdão, da “Heaven Sports”.
Quem não acredita em Deus, ou que nega a Sua existência é chamado de “ateu”. Ouvi esta palavra pela primeira vez quando tinha os meus seis ou sete anos, e o meu limitado vocabulário da altura fez-me associar esta palavra que não conhecia a outra que me era mais familiar: “atum”. Foi aí que filosofei pela primeira vez, questionando se a negação do divino implicava a transformação num peixe escombrídeo de carne aveludada e apetitosa, mas cheguei à conclusão que sim, que isso era bem possível, e até prova em contrário abdiquei das latas de Bom Petisco e de Atum General com que fazia as sandes que levava para a praia.
Acreditar em Deus, ser “crente”, é muito mais fácil do que ser “atum”, perdão, “ateu”, pois tudo tem a sua explicação. A minha avózinha, por exemplo, dizia-me que se eu me portasse mal, “Deus castigava”. Isto deixou-me um pouco de pé atrás com Deus, pois não entendia como alguém que supostamente criou o Universo e todo o resto se importasse com um fedelho se sete anos que surrupiasse umas bolachas às escondidas. Cada vez que fazia uma daquelas birras próprias da idade, e pedia qualquer coisa à minha avó dizendo no fim “…pelo amor de Deus”, como que apelando à sua costela católica, ela respondia: “quem morde em Deus quebra-se-lhe os dentes”. Isto deixou-me profundamente baralhado, pois já conhecia a outra máxima “Deus dá nozes a quem não tem dentes”, o que me levou a especular sobre a possibilidade de ao não dar nozes a quem tem dentes, estes desprovidos de nozes fossem tentar morder em quem os privou delas. Profundo, muito profundo.
Mas a cartilha do crente tem todas as soluções, e há duas fórmulas mágicas e os seus derivados que servem a a todos: o teísmo, que nos diz que concerteza, Deus existe e anda normalmente chateado com tudo e mais alguma coisa, e exige que O adoremos com muita força, indo à missa todos os domingos, cumprindo os jejuns e participando de todas as procissões, e o deísmo que diz que tudo bem, Ele existe, está lá mas prefere não ser incomodado, e portanto não há problema se em vez de ir à missa se opte por ficar na cama a cozer a bebedeira do Sábado ou antes ir ver os jogos dos juvenis ou dos iniciados do clube da terra. E se existem exemplos de uma crueldade ser cometida por Deus? Ah isso é no Antigo Testamento, portanto não conta. Foi durante o “lost weekend” de Deus.
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