terça-feira, 2 de setembro de 2014
Agnes e o "limbo"
Confesso que aguardava com expectativa a entrevista de Agnes Lam ao Jornal Tribuna de Macau, publicada hoje, e vou adiantando que não era para "dizer mal". Pelo contrário, tentei o máximo possível lê-la sem ter em conta que ali estava uma pessoa que diz ser o que não é, ou que reclama para si um espaço que já está mais que preenchido por alguém melhor que ela, ou que simplesmente não existe. O problema com Agnes Lam, como eu o entendo, é querer "sentar-se na cerca", ou seja, ocupar um espaço divisório entre o apoio incondicional ao Governo e a "crítica moderada", e porque não chamá-lo apenas de "crítica", uma vez que, como já referi, não existem níveis de crítica: ou se está a favor, ou se está contra, ou guardam-se as opiniões na gavetinha entre o nariz e o queixo. Não quero dizer exactamente que exista um narcisismo, ou até certo ponto um autismo, que leva a que alguém considere ter razão mesmo quando sabe que está errado, mas o Governo, desde sempre (até nos tempos da administração portuguesa) recebe mal as críticas. Mesmo da própria administração e entre os quadros médios e baixos se verifica esta realidade. Por mais diplomático que se seja, ou mais oportuno, as hierarquias padecem daquilo a que chamei no artigo do Hoje Macau de 14 de Agosto último uma "rigidez cadavérica". A crítica não é bem vinda, a sugestão terá que ser sempre atendendo ao periférico e nunca ao objectivo, e nunca, mas nunca alguém se deve atrever a dizer "eu penso". Nem imaginam a quantidade de "talentos" que ficaram desperdiçados por terem juntado estas duas palavras, e a que eu assisti pessoalmente. Portanto, Agnes Lam, como muitos de nós "fantasia", não pertence a esse lugar, que não passa apenas de uma utopia, de um limbo. Mais cedo ou mais tarde teria que escolher entre o Céu e o Inferno, e só os mais distraídos não notaram que essa escolha já há muito que foi feita: com aquela cara de anjinho, só podia ter escolhido o Céu.
E o conteúdo desta entrevista, de que prefiro falar já para a tirar do caminho e falar de coisas mais importantes, não muda quase nada daquilo que já se sabia de Agnes Lam, e ainda vem piorar um pouco. Não acredito nem nunca acreditei que Agnes Lam deseje o sufrágio universal; quer dizer, pode ser que não se importe, mas isso é o que eu penso, também, mas não lhe dava lá muito jeito, pois talvez do resultado não saisse o que ela estava à espera, e quem sabe se o vencedor não teria a sua própria "Agnes Lam" de mesa de cabeceira. E onde é que ela viu uma "campanha diferente e inovadora" da parte de Chui Sai On? Nem foi preciso um "estudo" ou uma "pesquisa" para perceber que o CE demonstrava pouco à vontade no face-a-face com o cidadão comum, indo Vong Hin Fai à frente ver quem batia à porta, qual mordomo, e evidenciava um desfazamento da realidade, ao deixar escapar um desabafo de espanto pela multidão que estava nas ruas. E o que é isto das "indústrias culturais", que é para Agnes Lam "a área onde o Chefe do Executivo vai querer deixar uma 'marca'". Lembrei-me de uma piada para fazer com isto, mas depois não estaria a ser sério, portanto opto por outra mais "light": se é essa a área onde Chui Sai On quer deixar uma "marca", óptimo. Teatro, por exemplo, não existe um grupo de teatro ou uma companhia de "ballet" em Macau, como existe uma orquestra. Pode ser que se sairmos duas horas antes de casa e o trânsito assim permitir, consigamos chegar ao teatro, e ficar lá a dormir, também, uma vez que pelo caminho que o preço da habitação leva, qualquer dia arrendar uma casa só pagando o "dízimo" - e dividir um apartamento com outros nove. Convém comprar os bilhetes com antecedência, contudo, e eu diria uma antecedência de três meses - na fila, e quantos mais familiares tiver para se revesarem no lugar, melhor. Só mais uma coisinha: está doente? Vá à Opera! Não se apostando para ontem na construção de mais um hospital público, pelo menos na ópera os gritos lacinantes de dor confundem-se com a "performance" do tenor, e no fim em vez de anestesia, leva palmas. A este ponto gostaria de dizer que Agnes Lam teria dado sinais de uma visão mais alargada das coisas se sugerisse mais terrenos não para habitação económica, mas para cemitérios. Mas uma vez que tudo indica que se vai avançar com um crematório em Coloane, ela deve ser apoiante da ideia.
Passando à análise política, ficam evidentes as duas maiores falhas de Agnes Lam, sendo uma a consequência da outra: 1) não pode falar daquilo que lhe apetece e tem que ter cuidado com o que diz, e por isso 2) só fala do que toda a gente sabe, e apresenta propostas (se lhes quisermos chamar assim) ora já dissecadas, ora sem qualquer impacto ou efeito real. A questão da reforma política, ou se quisermos, a democratização anunciada desde que o I Executivo tomou posse, está já tão batida que por causa disso mesmo começou a causar problemas, e foi o que se viu nestes últimos meses. Claro que Agnes Lam diz que é "difícil" (todos os políticos, ou no caso dela aspirantes a políticos o dizem, pois se dissessem que era fácil estavam a sugerir que qualquer pessoa o podia fazer), e que aqui ao lado em Hong Kong blá blá blá, e sim, quem tem televisor em casa ou lê jornais também percebeu que blá blá blá, a seguir "critica" o Executivo por "não avançar com um calendário para o sufrágio universal", e depois tira a peruca e mostra a careca: "...o primeiro [passo] passa pela recolha de opiniões e de informação na sociedade e isto está ao alcance do Governo de Macau fazer. Porque não o faz? Porque não aponta para 2015 ou 2016 fazer essa recolha de informação e articular o processo com o Governo Central. Havia muitas maneiras de mostrar às pessoas que está a fazer algo, mas não o fez, está simplesmente a adoptar uma postura passiva". Ah ah ah! Ah ah ah! Era para rir? O Governo de Macau está a fazer exactamente o que tem que fazer, que diabo. O mais interessante é que Agnes Lam, em nome de uma posição que não defende (porque sabe que não dá para defender) mas que lhe fica "a matar", atira-nos areia para os olhos. Não pensem que calendarizações, articulação com o Governo Central, todos sentados numa mesa com bandeirinhas à volta e a beber cházinho vai levar a qualquer consenso - isso foi antes da transferência de soberania, que era algo que interessava à China resolver. Agora, resolvida que ficou essa questão, eles dão-nos um "segundo sistema", pegar ou largar, mas não exijam demasiado. E do que vale "caminhar progressivamente no caminho do sufrágio universal"? E se Macau chegar lá em, digamos, 2023, e o regime chinês se mantém igual até 2049? Pronto, quatro ou cinco eleições dessas, sempre com candidatos aprovados previamente por Pequim, e quando se esgotar o prazo de validade, kaputz, acabou-se a festa. Vai ser tão bom, não foi?
E é aí que entra o papo-furado que celebrizou Agnes Lam. Celebrizou salvo seja, talvez porque eu costumo escutá-la pouco depois das refeições, não me andam a apetecer as suas papas e bolos, mesmo sendo eu um tolo (somos todos um pouco, afinal). Sobre o referendo civil - e aí claro que o JTM pegou no essencial e escarrapachou na capa da edição de hoje do jornal - Agnes Lam diz que "foi eficaz em chamar a atenção para a questão do sufrágio universal". Nãããoooo!!! Era isso que eles queriam, afinal? E que andaram a ser presos e tudo, em nome dessa causa? Só isso? Ora bolas. Mas, acrescenta a "sôtora", sempre cheia de certezas absolutas, "o referendo não foi uma forma eficaz de se chegar ao sufrágio universal". Não foi? Porra...e eu votei no "Não" para nada? Bastava ter ficado quieto para que em 2019 as eleições para Chefe do Executivo não fossem ganhas pelo Capitão Pataca, bastando investir 200 paus à cabeça em 100 mil velhas dementes, domésticas e sopeiras, putos da cola e outros analfabetos para conseguir vencer? A culpa é vossa, pá, pois da primeira vez que Agnes Lam concorreu à Assembleia Legislativa, o seu programa "propunha a revisão da Lei Básica com o objectivo de concretizar a reforma política". E pronto, agora está explicado porquê. Tivessem votado na Agnes Lam em 2009, e a esta hora éramos uma cidade-estado como Singapura, e ninguém se queixava dos táxis. Mas esqueçam lá isso do referendo, e da porrada que tivemos durante a semana em que se realizou. Para ela isto foi uma guerrilha entre "pró-referendo" e "anti-referendo" - como a questão do aborto, mas aplicada aos referendos. Com isso "não se está a discutir a democracia ou a reforma política mas sim a Lei de Protecção de Dados", e a forma como o Governo lidou com o assunto "foi terrível", algo que se pode dizer, pois o próprio Governo sabe que é verdade. Mas "mou man tai", pois a população "desperta agora" para "uma maior consciência civil", uhh...civil, cívico, civeta, as palavras favoritas da menina. É preciso votar nela e já, para que vá educar esta gente que não tem a sorte de ser tão inteligente e bem formada como ela.
Vamos perceber o contexto do aparecimento de Agnes Lam. Licenciada em comunicação social. "Check". Fez uma curta carreira na TDM, no canal chinês. "Check". A sua "perspicácia" e "sentido de oportunidade" valeram-lhe um lugar de académica na Universidade de Macau. "Check". O seu empenho nessa posição durante o período final da administração portuguesa e o início da RAEM levaram-na à chefia do departamento, merecidamente. "Check". Durante os anos das "vacas gordas" do Executivo de Edmund Ho foi organizando conferências, debates, mesas redondas, quadradas, triangulares e haxagonais, mandando uns "bitaites" na imprensa, ainda que discretamente, foi-se dando a conhecer a um público mais vasto. "Check". Começaram a surgir os primeiros "furos" na embarcação, Edmund Ho aproximava-se do final do segundo mandato, iam-se realizar eleições para a AL dois meses antes da eleição do III Executivo, e Agnes Lam achou uma boa altura para dar o "salto", e fazer chegar a sua voz até ao hemiciclo. Agora isto é que não "check" mesmo nada. Que voz era esta, a de Agnes Lam? Dizia-se "não alinhada" com o Executivo, independente, e ao mesmo tempo sem a pesada carga do campo da pró-democracia, então ocupado pelo Novo Macau de Ng Kwok Cheong e Au Kam San - qualquer coisa intermédia, portanto. Por "intermédios" entendo a uma entremeada com batatas fritas e salada, com sangria para empurrar e um semi-frio para a sobremesa, e para o café não enjoar muito, pede-se "con panna". Em política, em Macau, e ainda para mais na UMAC, nem pensar, não existe. "No such thing".
Sejamos realistas: iria o Governo Central ignorar a Universidade de Macau, o centro por excelência da formação dos quadros locais, e deixá-la "à vontade", escrevendo poesia e recitando teses da metafísica ao vento? Nunca, jamais, "never". Já existe um controlo instalado na UMAC mesmo antes de eu ter chegado, em 1993, e durante a minha curta "frequência" no ano seguinte, notei uma respeitável quantidade de departamentos e um número excessivo de académicos do "outro sistema" que iam preparando a entrada no tal "segundo sistema". Não que isso me incomodasse, ou que me incomode, e poderia ter sido antes, depois e agora, pois quem precisa de ficar atento a estas situações é Agnes Lam e restante pessoal docente, onde se incluía Bill Chou, que foi o "teste de fogo" da "isenção" de Agnes Lam. É uma "voz crítica", como diz o director do JTM José Rocha Dinis? Esse foi o grande "xarope" que a levou a candidatar-se à AL pela primeira vez em 2009. Podia nem fazê-lo, pois rumores que apontam para a sua proximidade de elementos do Conselho do Executivo, e outras ligações "continentais" (é directora-benemérita de uma escola na China, aparentemente) podiam-lhe bem valer um lugar como deputada nomeada. Acontece que para Agnes Lam a popularidade é importante para validar a sua posição - nobre, contudo fútil. Apareceu logo quem entendesse isto como uma tentativa de roubar votos aos democratas - vendo bem talvez fosse essa a intenção, mas atendendo a que os resultados de Agnes Lam nesse ano e quatro anos depois foram idênticos, e o Novo Macau obteve em 2009 o melhor resultado de sempre, e em 2013 o pior desde a criação da RAEM, percebe-se que os votos da académica vinham de outro sítio onde os democratas normalmente não os "pescavam". E de onde vinham eles?
Muitos livres-pensadores, artistas, artolas, desde os que no absinto dão aos que não, desde a imprensa livre ao "prostestar, Deus me livre!", e muitos, muitos portugueses, coitados, que olham para o mundo amarelo com olhos redondos, e acreditam na fada-madrinha, no Pai Natal, e na condescendência dos elementos do Conselho do Executivo e da Assembleia Nacional Popular que compõem o Conselho da Universidade, onde estão inclusivamente empresários, alguns com ligações às concessionárias de jogo, mesmo as estrangeiras. Pensais que são todos os que mandam na Universidade gente letrada e inteligente? Eu diria que são antes gente intelegentí$$ima. Ah pois, eles deixavam ali a menina à vontade a dizer o que quisesse, a criticar quem lhe paga o vencimento no final do mês, o orçamento do "observatório cívico" onde através de um telescópio encontrou um dia um novo planeta, o "Classe Média", e cujas elaboradas pesquisas levam-na a conclusões pífias a que todos já chegaram antes dela: "era bom haver mais do que um candidato a Chefe do Executivo", "o Chefe tem que ser mais interventivo e escutar a população", "não existe uma comunicação eficaz entre o Executivo e as secretarias, direcções e departamentos governamentais", "é preciso investir mais na educação", e a melhor de todas, que se repete nesta entrevista ao JTM: "não é com o conflito que se chega à democracia". Concordo plenamente, amiga, mas então, como é se chega lá? Agnes Lam não sabe, nem lhe interessa saber, pois o seu trabalho é "inquirir", "pesquisar", "analisar", "comentar", "sondar", "consultar", "investigar" e todo o resto que não seja "criticar", "questionar" ou "discordar", pior que isso "contestar", e nunca lhe passou pela cabeça essa tarefa épica que é "resolver", e mesmo na questão do "propôr" se mostra um pouco amorfa. Ainda perguntam porque é que a "comunicadora" da UMAC assobiu para o lado no caso Bill Chou ou no incidente durante a cerimónia de graduação? Estava "ocupada", tinha "muito trabalho administrativo em mãos". Parva é que ela não é - nem eu e muitos outros. Ela gostava que eu fossemos, enfim, paciência não se pode ter tudo.
Os tais idealistas que apoiaram Agnes Lam, entre eles alguns portugueses, e ainda entre esses os que não simpatizam muito com este governo mas não querem misturas com os activistas porque precisam do emprego e borram-se de medo com a perspectiva de passar uma noite na esquadra, pensam se calhar que estão em Portugal, onde quem se coloca mesmo numa situação de extrema oposição ao Governo não só não arranja chatices como ainda o aturam. Estes viram em Agnes Lam a tal "voz crítica", mas que ao mesmo tempo rejeita a via do activismo e "tem a chave da porta dos fundos" de acesso ao Governo. Se foram enganados, foi porque se deixaram enganar, ou talvez fosse apenas um pouco de ingenuidade vossa; ia Agnes Lam deitar fora anos e anos de "progressão na carreira" para ir lá dizer o que vocês pensam ou pedir o que vocês querem? Nesse aspecto Pereira Coutinho ganha aos pontos; é capaz de bater o pé ao Governo num dia, e apertar-lhe a mão no outro - desde que lhe dêm o que ele quer, ou que pelo menos se chegue a um compromisso. Com que então deixaram-se seduzir por uma aproximação teórica à acção governativa, e pensam que o sistema vai acolher alguém que questione a sério as directivas que são emanadas, quer por eles (poucas), quer pelo Governo Central através do Conselho do Executivo (a maioria, e nos últimos 5 anos quase todas)? Ela ia lá para o hemiciclo apresentar as suas pesquisas e os resultados dos seus estudos para quê, para o Fong Chi Keong ou o Chan Chak Mo baterem palmas? E qual é realmente o objectivo do seu trabalho de investigação, afinal? Estatísticas, gráficos, tabelas, etc., nunca viram, foi? Não foram à escola? Apoiando abertamente Agnes Lam estão a distanciar-se de um apoio incondicional à nomenclatura, bem como a repudiar a estratégia dos democratas - e ambos lêem logos essas intenções e fecham a porta a uma eventual mudança de posição. Resta-vos juntarem-se a Pereira Coutinho, que aceita qualquer um, desde que lhe valha mais um voto. Ou podem fazer como eu, que se está nas tintas. Mas divirto-me sim, a assistir aos "mísseis" que vão sendo disparados de um lado e do outro, e dos espartalhões que vão ficando no meio a levar com os estilhaços. Podem fazer como Agnes Lam, se quiserem, e sentarem-se na cerca, só que esta está electrificada, rodeada de arame farpado, e não se recomenda. E qual é a surpresa? Está lá escrito. Está escrito em toda a parte, e o pior cego é aquele que não quer ver. No fim ainda acabam no mesmo "limbo" que ela. Pelo menos ficam em boa companhia.
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