segunda-feira, 9 de junho de 2014
Violência é apelido
Muito se tem falado ultimamente de violência doméstica. E na rádio, na tv, nos jornais, quem não vê - violência doméstica em toda a parte. Assim, e tal como tudo do que se fala demasiado, começa-se a ver violência doméstica onde ela pura e simplesmente não existe. Agora antes que interpretem mal o que estou a querer dizer, deixo bem claro que considero o crime de violência doméstica abominável, se em Macau não é crime público devia passar a ser (mas admito um debate alargado sobre o assunto), e tenho o maior respeito e empatia pelas vítimas, que normalmente são mulheres, o que torna este crime não só grava, como qualquer tipo de violência é grave, mas o acréscimo de ser também cobarde. No entanto a indignação que nos causa a violência doméstica pode ter um lado perverso, como o de levar a que crimes mais graves que este sejam tabelados por baixo, ou seja, tratados como crime de violência doméstica.
Isto a propósito de uma notícia que li aqui há duas semanas que dava conta do aumento do número de casos de violência doméstica em Portugal, e que apenas numa semana foram registadas 52 queixas só na zona da Grande Lisboa. Diria mesmo que enquanto se verifica um aumento dos casos de violência doméstica tem-se dado uma diminuição nos casos de homicídio, e vamos ver já porquê. Um destes casos de violência doméstica envolveu uma cidadã brasileira, de 28 anos, que foi esfaqueada até à morte pelo companheiro na clínica de dentista onde era enfermeira. Portanto, o tipo, de 39 anos e também de nacionalidade brasileira, chega ao local de trabalho da companheira e zás!, põe-lhe as tripas de fora. Veredicto: "violência doméstica". Violência doméstica??? Então e o que é feito do bom e velho homicídio em primeiro grau? A jovem ficou menos morta por ter sido o parceiro a atravessá-la de um lado ao outro? Pois é, violência doméstica, e agora? Levam o tipo para a esquadra e a bófia dá-lhe uma sova para ele aprender a não bater em mulheres?
Eu sempre entendi que "violência doméstica" é algo que acontece no domicílio, daí a designação de "doméstica". No caso acima referido não restam dúvidas que se trata de violência, mas se lhe quiserem chamar pelo nome correcto devia ser "violência no consultório de dentista". Além disso a ideia que tenho de "violência doméstica" implica agressões que acabam normalmente em ferimentos ligeiros, tipo um olho roxo, um ou outro hematoma, nos casos mais extremos uns ossos fracturados e alguns cacos da jarra das flores enfiados no escalpe. Estas agressões são normalmente precedidas de discussões na maior parte dos casos fúteis, e penso que aqui não é esse o caso. O fulano não deve ter tido a intenção de "chegar a roupa ao pêlo" da vítima, dizendo-lhe qualquer coisa como: "toma lá meia dúzia de facadas para aprenderes a não seres saliente". A intenção aqui foi de matar, provocar o óbito, ceifar a vida, reduzir a pulsação a zero batimentos cardíacos por minuto, angariar mais um hóspede para o Jardim das Tabuletas.
Em muitos casos as vítimas de violência doméstica vão pelo próprio pé apresentar queixa, enquanto as vítimas de homicídio, por seu lado, têm uma estranha tendência em manter-se em silêncio, inexplicavelmente imóveis - não é que não se queiram queixar, mas simplesmente não o fazem poruqe lhes foi retirada essa capacidade. Qualquer acto que implique o uso de violência com a intenção de matar ou causar incapacidade permanente ou temporária em alguém deve ser considerado: homicídio, no primeiro dos casos; tentativa de homicídio, no segundo. Juntar a palavra "doméstica" é estar a tirar força à violência, fazendo-lhe parecer uma coisa do foro privado, que cabe apenas ao casal resolver entre si, e que no fundo parece ser o pretexto para que tanto se hesite em tornar a "violência doméstica" um crime público. É que por mim, se me perguntarem, defendo que devia existir distinção entre os tipos de violência; seja em casa, na rua ou no consultório do dentista, continua a doer na mesma.
Sem comentários:
Enviar um comentário