segunda-feira, 23 de junho de 2014

Ponto morto (ou) o problema dos paralelos


Portugal terá ontem dito adeus ao mundial do Brasil 2014, e atendendo às microscópicas possibilidades que tem de passar aos oitavos-de-final, pode-se dizer que o golo de empate de Varela, obtido a segundos do fim, tem mais requintes de malvadez do que contornos de milagre. Podíamos estar já a fazer o balanço da participação, que seria sempre negativo, claro, mas em vez disso vamos andar mais uns dias até quinta a "acreditar". Por muito crentes que sejam os portugueses, duvido que alguém no seu perfeito juízo (ou até um pouco desajustado) pense que Portugal vá seguir em frente. Este ponto obtido quando já ninguém esperava é um "ponto morto", que nos impede de começar a manifestar oficialmente a nossa frustração. Se quisermos considerar o golo de Varela uma espécie de "milagre", será preciso uma manifestação divina de dimensões épicas, daquelas que onde nem na Bíblia se encontra uma igual, para que todos os "ses" de que a selecção depende se realizem. É que se existir um vencedor no jogo dos Estados Unidos, e se Portugal vencer o Gana, terá que o fazer sempre por goleada, e no caso de ser a Alemanha a terminar empatada em pontos com Portugal, e só perder com os Estados Unidos por um golo, precisaremos de vencer os ganeses pelo menos por sete de diferença - e aí já começamos a entrar pelo campo do disparate. Com aquilo que ficou demonstrado ontem em Manaus, vencer o Gana, ponto final, já seria algo bastante positivo. Uma surpresa, para quem tem acompanhado o desempenho das duas equipas.

Ontem Portugal jogou o que deu para jogar. Se contra a Alemanha pecou por optar pela indisciplina, contra os Estados Unidos mostrou o que é capaz de fazer neste momento: só aquilo e mais nada. Seria injusto ter perdido, mas mais injusto ainda para os norte-americanos se Portugal tivesse ganho. A nossa selecção partiu para o Brasil apontada como uma das com mais possibilidades de chegar longe no mundial, e os jogadores garantiram "estar bem". Mentiram, coisa feia, pois se há coisa que eles não estão é bem, quer fisicamente, quer em termos anímicos. Que outra equipa vimos neste torneio com jogadores a lesionarem-se com tanta facilidade, praticamente sem que ninguém lhes toque? Além dos que se lesionaram contra a Alemanha, com Fábio Coentrão e Hugo Almeida à cabeça de um rol de suspeitas quanto à competência do departamento médico da selecção, nota-se desgaste e falta de motivação noutros jogadores. Nani fez a época que se sabe no Manchester United, e ainda tem sido um dos menos maus, e o "miolo" composto por Miguel Veloso, Raúl Meireles e João Moutinho demonstrou falta de entrosamento, sendo que qualquer um destes joga em equipas de segunda no panorama europeu, talvez com a excepção de Moutinho, que mesmo assim tem tido dificuldades em impôr-se no onze do Monaco. A defesa ficou comprometida com a atitude de Pepe no jogo inaugural, e a situação clínica de Cristiano Ronaldo tem sido notícia desde a primeira hora, e pairado como uma sombra sobre o resto do grupo.

Na hora de apurar responsabilidades, todos apontam o dedo a Paulo Bento. Tudo bem, um capitão tem o dever de afundar com o navio, mas para mim tudo o que posso acusar o selecionador nacional de fazer é, e permitam-me o pleonasmo, "selecionar os selecionáveis". O elo mais fraco da selecção na era Paulo Bento tem sido, a meu ver, João Pereira na posição de lateral-direito, mas fico coçar os piolhos pensando noutra alternativa. Miguel dava jeito, mas já não joga. Outra insistência é em Rui Patrício na baliza, e tanto este como João Pereira serão resquícios da passagem do selecionador pelo Sporting, onde "descobriu" estes jogadores, a que juntemos ainda Miguel Veloso como o "terceiro mosqueteiro". Beto mostrou ontem ser uma alternativa para a baliza, mas quem mais poderia Paulo Bento optar para tapar eficazmente os "remendos" da selecção portuguesa. Para o lado esquerdo da defesa, que tanto se ressentiu ontem da falta de uma alternativa fiável queriam quem? Já sei: Daley Blind, que tem sido sensacional quer no lugar de lateral como de centro-campista, e...ah esperem lá, é holandês, paciência. O Raúl Meireles tem sido um zero no meio-campo? Porque é que ele não chamou antes o Eden Hazard? Ah pois, porque é belga, ok. Não há homens-golo? Então e o Luis Suárez, ou o Thomas Müller, e que tal Karim Benzema, que até se entende com C. Ronaldo no Real Madrid, onde jogam juntos há anos? Era bom, era, mas o problema é que estas alternativas nem se colocam, pois só para nos lixarem a vida, estes tipos resolveram ir nascer noutro país que não Portugal. Penso que se alguém descobrisse por aí um sítio onde abundassem jogadores de qualidade elegíveis de representar a selecção portuguesa, o Paulo Bento já lá teria chegado antes, com toda a certeza. Pode ser que este fiasco signifique o seu fim como selecionador nacional, mas quem se atreve a calçar esta bota, especialmente se for nas mesmas circunstâncias?

As comparaçõres desta campanha com o mundial de 2002 na Coreia e no Japão são inevitáveis; tinhamos vindo de um Euro 2000 onde fizemos uma boa campanha e éramos apontados como uma das equipas de topo, tinhamos o melhor jogador do mundo, Luís Figo, que estava fisicamente limitado, existia confiança em excesso no grupo, e ficámos tristemente célebres pelos problemas de indisciplina. Neste último particular a diferença foi o "timing", pois enquanto na Coreia guardámos a arruaça para o último jogo, aqui fizemos questão de armar barraca logo na estreia. Isto leva-me a pensar que Portugal dá-se mal com estes ambientes "exóticos". Se olharmos para oo que aconteceu na Coreia, ou ainda recuando mais, no México, dá para chegar a esta conclusão. Há quatro anos na África do Sul as coisas correram mais ou menos bem, mas talvez porque ficámos situados no mesmo paralelo, com o mesmo fuso horário. Talvez seja do "jet-lag", do clima, saudades da mãezinha ou do cão lá a um continente de distância, sei lá, a verdade é nos únicos dois mundiais que disputámos no continente europeu, chegámos às meias-finais, e com 40 anos de distância! Com a sorte que temos, ou com a falta dela, se calhar falhamos o mundial da Rússia daqui a quatro anos, mas temos sempre o mundial de 2046 para nos voltarmos a orgulhar dos nossos rapazes - contando que seja na Europa, claro.

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