sábado, 21 de junho de 2014
O sermão da montanha
O campus da Universidade de Macau mudou-se definitivamente estes dias para a Ilha da Montanha, e para começar em beleza realizou esta manhã a cerimónia de graduação, atribuindo os diplomas aos estudantes que concluiram os cursos neste ano lectivo de 2013/2014. Só que a cerimónia foi menos monótona que o habitual - estas cerimónias são uma seca, e só interessam aos pais dos alunos, que no fundo foram os que entraram com o "carcanhol" durante os últimos quatro ou cinco anos. Assim os papás, as mamãs, as irmãs, as tias, os namorados e as namoradas tiveram direito a circo e tudo, que podia ter ficado apenas por uns números de malabarismo, mas foi complementado pelos leões e pelos palhaços.
A certo ponto durante a cerimónia, uma recém-licenciada de seu nome Tou Weng Kei (tenho a certeza que vamos ouvir falar dela mais vezes) empunhou um cartaz onde se lia "Deixem de perseguir os docentes", referindo-se alegadamente às pressões feitas a seis académicos da UMAC, que terão expressado opiniões políticas sobre certas situações consideradas "sensíveis". Diz-se nos bastidores que a situação que acendeu o rastilho foi a da suspensão de Bill Chou Kwok Ping, professor de ciência política e activista, figura conhecida pela sua participação em iniciativas de grupos como o Novo Macau Democrático, e mais recentemente no Consciência Macau, fundado por Jason Chao e Sulu Sou. Depois do mal-estar causado pela alegada perseguição a Bill Chou, este terá recebido manifestações de solidariedade da parte de outros académicos, e após as manifestações de Maio último, pelo menos mais cinco deles terão sido pressionados pela Universidade para não comentarem ou emitirem qualquer opinião sobre o assunto - a isto chama-se "censura", em qualquer parte do mundo.
Gostaria de não tomar partido de ninguém neste caso, uma vez que os factos são novos, apanharam quase toda a gente de surpresa, e a informação é difusa, mas caso fosse possível evitar um escândalo, a segurança da UMAC decidiu borrar a pintura. Ocorrendo ao anfiteatro onde se realizava à cerimónia com o mesmo afã que a Scotland Yard ocorre a um estádio de futebol inglês onde se estão a dar altercações entre grupos de "hooligans" rivais (só lhes faltava vir pelo caminho a dizer "oi!oi!oi!oi!"), apressaram-se a retirar o cartaz das mãos da jovem e destrui-lo, e aproveitaram para agredir um elemento acreditado da imprensa que fazia a cobertura do evento. Agora aqui é que a porca torce o rabo: este elemento é nem mais nem menos que Choi Chi Chio, editor da revista "Macau Concelers", publicação oficial da Consciência Macau e "braço-direito" de Jason Chao. Choi tentou recolher imagens do momento em que a segurança abordou Tou Weng Kei, e foi impedido de o fazer, sendo-lhe retirada a máquina, e como se pode depreender facilmente pelas imagens, naquela escola que dá pelo nome de UMAC aplicam-se ainda os castigos corporais. Choi recebeu assistênica no Hospital Conde S. Januário.
E agora, quem é afinal Tou Weng Kei? Não foi por acaso que foi ela a levar aquele cartaz para a cerimónia, nem a sua consciência política e cívica caíu dos céus aos trambolhões: Tou é próxima do grupo Consciência Macau, de Jason Chao e de Choi Chi Chio, e é há algum tempo activa nas suas iniciativas. Penso que a imagem acima diz tudo.
Isto não significa nada, ninguém a proibiu de conhecer quem quiser ou pertencer ao que for, e nada mais fez esta manhã do que exibir pacificamente um cartaz, sem gritar palavras e ordem ou perturbar o funcionamento da cerimónia. Sim, não era a altura certa para se fazer activismo, até por respeito pelos restantes recém-licenciados, mas a intervenção dos seguranças foi desproporcional às circunstâncias. Se quiserem acusar Tou e Choi de terem ensaiado o drama, então contaram também com a cumplicidade do pessoal da segurança da UMAC, que chegou a levar a jovem para o exterior da sala, no dia da sua própria graduação. Algo me diz que este pessoal não anda a par das notícias sobre o que se tem passado em Macau ultimamente.
A jovem manifestante acabaria por receber o seu diploma das mãos do reitor Wei Zhao - e nem havia razão para que tal não acontecesse. Uma imagem curiosa, esta, especialmente se atendermos às expressões faciais de ambos. A propósito da suspensão de Bill Chou, Wei afirmou "existir uma regra que todos os académicos devem cumprir", não adiantando qual, e que "ele [Chou] não é o primeiro a enfrentar um processo disciplinar, não avançando também que outros académicos ou quantos se encontram nesta situação. Se o problema aqui é estarem a ser questionados os limites da liberdade de expressão, o reitor da UMAC, supostamente a instituição que forma os futuros altos quadros da RAEM, Wei Zhao não deixou ninguém descansado quanto a esse particular.
Quem veio meter alguma água...na fervura (eh, eh) foi Cheong U. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura vem a terreno dizer que qualquer que seja o problema, ou a comichão de que cada uma das partes se queixa, "nada têm a ver com liberdade de expressão". Gostava de poder acreditar nisto, mas não consigo. O secretário disse ainda que se os visados forem inocentes "os preocessos serão retirados", mas caso fique provado que cometeram uma infracção, "serão severamente punidos - epá, isto assusta. Cheong U justificou ainda a ausência de Chui Sai On da cerimónia de hoje, dizendo que o Chefe do Executivo se encontra a braços com problemas de saúde, nomeadamente "uma artrite no pé, que o impede de andar". Deve ser dos tiros que ele e a sua equipa insistem em lá continuar a dar, certamente.
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