quinta-feira, 19 de junho de 2014

(In)Consistência



A derrota da Espanha ontem frente ao Chile veio reforçar a ideia de que o campeonato do mundo não é uma prova de regularidade, mas uma espécie de "exame final", e quem de entre os "elegíveis" estiver na melhor forma durante um mês de quatro em quatro anos, leva para casa o troféu Jules Rimet. Por "elegíveis" entenda-se os países que já venceram um campeonato do mundo, ou no limite um ou mais Europeus (salvo algumas excepções, casos da Grécia e talvez da Dinamarca), o que não deixa muita escolha entre os oito que já atingiram o topo do futebol mundial. Talvez apenas a Holanda, pelo facto de ter perdido três finais, ou o México, pela persistência, estejam a faltar no quadro de honra dos campeões do mundo. Gostava de poder dizer que Portugal poderia fazer parte desta lista de VIP's, mas realisticamente sabemos isso é virtualmente impossível, pelo menos nos tempos que correm.

Esta foi a quinta vez que o campeão mundial falha a defesa do título logo na fase de grupos, mas se outrora isto era um caso raro, começa a tornar-se cada vez mais frequente. A Itália foi a primeira selecção a provar esse amargo cálice, em 1950, seguindo-se o Brasil em 66, e só muito depois a França, em 2002, a Itália em 2010, e agora a selecção espanhola. É a primeira vez que este fenómeno se verifica duas vezes seguidas, e das cinco vezes, três aconteceram nos últimos quatro mundiais, o que dá para perceber que é um fenómeno não só cada vez mais recorrente, como também cada vez mais normal. A Itália foi campeã em 1938, seguindo-se uma interrupção de doze anos, e apesar de não ter a certeza absoluta, duvido que a "azzurra" de 1950 tivesse algum dos campeões da edição anterior. O caso do Brasil em 1966 só é estranho para quem desconhece o que se passou nesse mundial em Inglaterra, pois os brasileiros foram colocados num grupo complicado, com a Hungria e Portugal, e a sua maior estrela, Pelé, estava condicionada por lesão. Os casos da França em 2002 e da Itália em 2006 foram casos de inaptidão, pois não só ambos sairam desses torneios sem qualquer vitória, como no caso da França ficou o registo da pior defesa do título de sempre, se bem que a Espanha arrisca-se a ficar com esse recorde, caso não vença a Austrália. Um recorde pelo menos os espanhóis já bateram: foram os campeões mundiais mais rapidamente eliminados do mundial.

Então o que se passa? Serão estas selecções, que num torneio se sagram campeãs mundiais, assim tão frágeis que não consigam pelo menos "ameaçar" repetir o feito na edição seguinte? Essa parece ser a tendência actual, mas quando se trata de marcar presença nas fases decisivas dos mundiais, há países que não falham, ou raramente falham, mesmo que não vençam. Além disso basta observar as estatísticas para perceber que o Brasil, por exemplo, o país com mais títulos, venceu 5 em 19 edições. Isto mal chega a ser um quarto do total, portanto não se pode dizer sequer que há um domínio inquestionável do Brasil - mesmo sendo a selecção o melhor em termos de títulos, participações em mundiais (únicos totalistas), pontos e golos marcados. Mas o que conta realmente na hora de apostar no vencedor é a consistência. E o que entendemos aqui por "consistência"? A regularidade com que se atinge uma fase adiantada da prova consecutivamente. As únicas selecções a vencerem dois títulos consecutivos foram a Itália (1934,1938), e o Brasil (1958,1962). No entanto tivemos outras selecções que defenderam o título mundial indo de novo à final e perdendo, como o Brasil (1994,1998) ou a Argentina (1986,1990) e até três finais consecutivas, vencendo pelo menos uma delas: Alemanha (1982,1986,1990, vencendo a última) e Brasil (1995,1998,2002, vencendo a primeira e a terceira).

Proponho então medir esta tal consistência, criando para isso uma tabela, para a qual propinh a seguinte pontuação:

Título mundial: 5 pontos (código: V)
Final: 3 pontos (código: F)
Meia-final: 2 pontos (código: MF)
Quartos-de-final: 1 ponto (código: QF)
Outra classificação: 0 pontos (código: 0)
Não qualificação: -1 ponto (código: NQ)

Atribui-se três pontos extra por cada título mundial consecutivo (código: VV), e um ponto extra por finais consecutivas (código: FF), não sendo este ponto acumulável em caso de vitória. Contemos apenas os mundias a partir de 1954, desde que foi instituído o sistema de fase de grupos seguido de fase a eliminar. Entre 1974 e 1982 vigorou uma segunda fase de grupos, que vou considerar como quartos-de-final, e só em 86 passaram a existir oitavos, que como se vê na tabela acima, não valem qualquer ponto. Pode ser injusto para Uruguai e Itália não incluir os primeiros quatro mundiais, que venceram duas vezes cada um, mas para o conseguirem não precisaram de realizar mais de quatro jogos, e se vamos aqui falar de consistência, faça-mo-lo no âmbito da modernidade. Em caso de empate no número de pontos, o desempate é feito primeiro pelo número de títulos, depois pelo número de presenças nas finais, e por aí fora.

Em primeiro lugar temos o Brasil, que apesar de não ter pontuado nas edições de 1966 (fase de grupos) e 1990 (oitavos-de-final), goza da vantagem de ter obtido todos os seus 5 títulos mundiais nestas 15 edições, os únicos a vencerem dois títulos consecutivos, e a par da Alemanha, os únicos a fazer três finais seguidas, com a vantagem de ter vencido duas delas, contra apenas uma dos alemães. Soma o total de 42 pontos (QF,V,VV,0,V,MF,MF,QF,QF,0,V,FF,V,QF,QF).

A seguir temos a Alemanha. Os alemães participaram em todas as edições desde 1954, quando obtiveram o seu primeiro título, e nunca ficaram aquém dos quartos-de-final, terminando 11 das 15 edições que entram nestas contas no top-4, e as restantes quatro nas meias-finais, e pelo meio têm três títulos e quatro finais perdidas, somando um total de 40 pontos (V,MF,QF,F,MF,F,QF,F,FF,V,QF,QF,F,MF,MF).

Em terceiro lugar vem a Itália, que entre 1954 e 2010 venceu dois títulos e foi por duas vezes finalista vencido, isto apesar de ter chegado a 1970 com pontuação negativa neste "ranking". O sucesso dos "azzurri" a partir desta década é significativo, mas a diferença entre brasileiros e alemães em matéria de consistência é significativa, como podemos perceber pelos 20 pontos obtidos, apenas metade da Alemanha (0,NQ,0,0,F,0,MF,V,0,MF,F,QF,0,V,0).

A Argentina, sempre considerada uma candidata ao título, tem sofrido de alguma irregularidade, apesar de ser juntamente com o Brasil e Alemanha os únicos a beneficiar de um ponto de bónus, devido às finais consecutivas em 86 e 90. Tal como os italianos somam 20 pontos, somam dois títulos mundiais, mas participaram em três finais, contra quatro dos transalpinos (NQ,0,0,QF,NQ,QF,V,QF,V,FF,0,QF,0,QF,QF).

Depois temos a Inglaterra com 11 pontos, de acordo esta tabela, a França com 9 pontos e a Espanha com 5, de entre as selecções que foram campeãs depois de 1954. Concluíndo, se não gosta de arriscar e quer apostar num "cavalo" que termine pelo menos entre os primeiros, o Brasil e a Alemanha são as escolhas certas.


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