quinta-feira, 26 de junho de 2014
Comunhão de adquiridos
Emilie Tran foi afastada do cargo de directora da faculdade de Administração e Liderança da Universidade de S. José (USJ), mas mantém-se como professora, noticiou o Ponto Final na sua edição de hoje. A notícia coincide com outra veiculada esta semana que dava conta da saída do professor de Ciência Política, Éric Sautedé, alegadamente por fazer comentários políticos nos meios de comunicação social - nunca em nome daquela instituição de ensino, entenda-se. O despedimento de Sautedé causou indignação entre a opinião pública e coincidiu com outra polémica: a suspensão de Bill Chou, professor da Universidade de Macau (UMAC), na sequência de um processo disciplinar levantado, ao que tudo indica, devido à sua participação no activismo político, e mais uma vez aqui, no âmbito da sua vida pessoal e nunca em representação da instituição de ensino onde leciona.
Toda esta sucessão de eventos levanta questões sobre o exercício de um direito consagrado na Lei Básica e pelo segundo sistema onde se inserem as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong, e mais grave se torna atendendo que estamos a falar do ensino superior, que supostamente deveria encorajar os seus formandos ao exercício desse direito, formando assim pessoas inteligentes e com capacidade de raciocínio, e não monos e autómatos obedientes e servis. O reitor da USJ, Peter Stillwell, diz apenas que "os mandatos dos directores das faculdades são de um ano", que podem ser reavaliados a qualquer momento, e a decisão não lhe cabe apenas a si, mas de um conselho executivo. O sacerdote católico que é também reitor da Universidade Católica, "alma mater" da USJ, diz que tudo isto são questões internas do foro da Universidade, e que a situação é "o mais normal possível", atendendo à "agitação". Tudo normal portanto, e o facto de Emilie Tran ser despromovida nada terá a ver com o facto de ser casada com Sautedé. É apenas uma infeliz coincidência, portanto. É por isso que nunca vou à missa: não sou crente ao ponto de aceitar certos factos, mesmo os mais absurdo, como verdades.
Acreditem ou não, desconhecia por completo o facto de Eric Sautedé e Emilie Tran serem casados um com o outro. Conheço-os da imprensa há alguns anos, sendo o professor de Ciência Política o mais mediático, sem sombre de dúvida, mas não os conheço pessoalmente, e muito menos estou a par de detalhes das suas vidas privadas. À luz deste novo facto, fui espreitar a página do Facebook de Emilie Tran, que em relação ao iminente despedimento do seu companheiro e colega nada mais fez do que publicar um "link" para a notícia do Ponto Final, sem qualquer comentário adicional. É possível que a situação, que poderá não ser nova e já tenha gerado conflitos por mais de uma vez entre docentes e reitoria - e isto sou eu apenas a especular - possa estar na origem do afastamento de Emilie Tran da directoria daquela faculdade, mas se isto sucedeu apenas pelo facto de ser casada com Sautedé, então é grave, muito grave. Apesar dos laços que os unem, os dois docentes devem pensar cada um pela própria cabeça, e se Emilie Tran manifestou ou tivesse manifestado a sua indignação com esta lamentável situação, estaria no seu direito; nós estamos indignados, e ela tem ainda mais uma razão para estar. Mal seria se virasse as costas ao marido nesta altura para proteger o seu próprio cargo e se desmarcasse da polémica.
Estas são uma série de situações que não abonam nada a favor do ensino superior em Macau, e dão força ao argumento de que a única maneira dos jovens do território adquirirem uma educação digna e de qualidade é em universidades no exterior. Recorde-se ainda que a USJ esteve há algum tempo no centro de outra polémica, quando se comentou o facto de "facilitarem" a passagem a alguns alunos, e o ex-vice-reitor Ivo Carneiro de Sousa chegou a questionar a qualidade daquela universidade, numa controversa entrevista ao Ponto Final, em 3 de Setembro de 2012. Se a USJ está apenas a brincar às escolas, e tem apenas como fim o lucro (e já referi várias vezes este aspecto: a educação aqui assemelha-se mais a um negócio do que a um desígnio), então juntando esta espécie de saneamento com laivos inquisitórios, está na lama até ao pescoço, quando há poucos dias a lama lhe dava apenas pela cintura. Fica mal para quem dá a cara pela USJ, fica mal para a Igreja, fica mal para a Universidade Católica. Eu nunca viria com bons olhos um filho meu estudar naquela pseudo-universidade, nem a recomendo a ninguém. Antes pelo contrário.
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