segunda-feira, 12 de maio de 2014
Patuá: a minha primeira vez
Cuza sân, estunga genti-genti?
Parei, olhei, escutei...descobri o patuá. Aí está, aí está, o patuá. O artigo da edição de hoje do Ponto Final da autoria da jovem jornalista Iris Lei - que escreve muito bem e é adorável, e não isso que está aqui em causa - é um autêntico "Patuá for dummies", só que sem querer. Perdoem-me a arrogância, mas como é que uma rapariga que trabalha na redacção de um jornal português, em língua portuguesa, lado a lado com portugueses, alguns deles em Macau há algum tempo, e não desde a semana passada, nunca ouviu falar do patuá? Agora uma pergunta pertinente: é a Iris Lei de Macau? Até sou capaz de apostar que é, mas nesse caso, tem estado por cá ultimamente? E quando digo se "tem estado", quero dizer se tem prestado atenção ao que a rodeia. É que chegar ao Centro Cultural para assistir a uma espectáculo que faz parte do programa do Festival de Artes há mais de dez anos, e relatar o sucedido como se tivesse testemunhado as aparições de Fátima, é algo que me ultrapassa.
Mas retiremos o essencial, que é muito útil para quem chegou a Macau esta tarde e quer saber "que cosa pasa, hombre": "a estreia teve casa cheia", diz Iris, cheia "de macaenses", pelo menos era o que aparentavam ser aquelas estranhas criaturas, e "de chineses". Cheio de macaenses e chineses? Em Macau??? Parece mentira! Os chineses pareciam ter gostado pois "riam" - de uma comédia, imaginem. Havia também crianças, que apesar do seu cérebro ainda semi-desenvolvido, "entendiam o que se passava", e "riam também", e isto dá para conjecturar sobre "o apetite" que os jovens têm pelos temas da actualidade, como seja os preços da habitação ou o caso das campas. Sim, porque ninguém ri à toa; é preciso estar inteiramente ao corrente do que se passa, senão não tem piada nenhuma. Dá para ficar a filosofar sobre isto a tarde inteira até à noite, especialmente se estiver de chuva.
A peça é num idioma estranho, misterioso, obscuro, vindo de outro planeta e caído na forma de meteorito, e logo exactamente neste bocadinho do universo imenso que é Macau, e que é "uma mistura de português, chinês, malaio e cingalês". Depois acertam-se os temperos, leva-se ao lume, e já está: patuá, voilá!. Apesar do público chinês conseguir identificar expressões do cantonense como "cha siu fan" (arroz frito de porco) ou "nei hui sei" (ou literalmente, "vai morrer"), ainda bem que há legendas, e assim consegue-se entender "algumas partes" - mas não tudo. Faço desde já o apelo à organização do Festival e ao grupo Doçi Papiaçam que passe as legendas mais devagar no próximo ano, com letras maiores, e já agora que inclua linguagem gestual, e se possível uma sessão de esclarecimento a realizar depois do espectáculo, aberta a quem estiver interessado, onde se explique detalhadamente o que acabaram ali de presenciar, não vá alguém pensar que se trata de magia negra. Agradecido.
Só que infelizmente o patuá "está a desaparecer". Oh...coitadinho. É que a UNESCO andou por aí a escutar às portas de todas as casas de Macau, e chegou à conclusão que o idioma é falado actualmente "por apenas 50 pessoas". É preciso agir, e já! Toca a mandar os Doçi Papiaçam e os restantes falantes do patuá para Seac Pai Van junto dos pandas, e considerá-los espécie protegida, em vias de extinção. É de facto uma pena, e a culpa é dos malvados dos portugueses, que chegaram aí e oprimiram o patuá, obrigando toda a gente a falar "português europeu". Sim, chegavam aí, escutavam os miúdos a dizer "cha siu fan", e berravam com eles: "parem imediatamente com esse patuá, senão vai tudo corrido a toque de reguada!". E assim o patuá passou a ser falado apenas "entre as classes mais baixas", aliás "como se esqueceu de referiu o director artístico da peça" - mas a Iris Lei sabe. Aparentemente quis saber mais, e ouviu dizer qualquer coisa a esse respeito.
No fim faz uma comparação genial entre o que aconteceu com o português e o patuá, e o que está a acontecer actualmente entre o mandarim e o cantonense. Exactamente! Sem dúvida de espécie alguma: o que está a acontecer com uma nação de 1,2 mil milhões de pessoas que querem impôr a cerca de 200 milhões a língua oficial do seu país tem tudo a ver com algumas centenas que desconhecem por completo o que é (ou era) o patuá, e tudo o que queriam era que os miúdos falassem correctamente o português - a língua que era suposto estarem a aprender, e que era ensinada nas escolas - não o patuá, que como disse a Iris muito bem, e haja algo que se aproveite, nunca foi reconhecido. E sem dúvida que o cantonense "deriva" tanto do mandarim com o patuá se assemelha ao português. A sério, tem tudo a ver. Fiquei completamente esclarecido. Obrigado à Iris Lei, caso contrário estava eu ainda aqui a sentá chocá consumiçam, e transtorná cabeça até ficá dôdo-dôdo, sin nunca ficá sabê que estunga cuza sãm patuá. Ai...qui ramêde!
Não percebo como o cantonês "deriva" do mandarim tendo o cantonês 2000 anos e o mandarim 100 e poucos, para além de se assemelhar mais ao chinês antigo que o mandarim.
ResponderEliminarAcho que vale a pena enviar este argido à Íris Lei, para ela ter o direito de resposta. Isto é se ela não souber cá vir ler isto.
Aparentemente o meu amigo não entendeu a ironia. Claro que o cantonense não deriva do Mandarim, tal como o patuá não caíu na forma de um meteorito, nem eu estou a falar a sério quando digo que os Doçi deviam ir viver com os pandas em Seac Pai Van. Mas a Iris Lei é que estabelece esse paralelo, portanto sim, ela que responda, se quiser.
ResponderEliminarCumprimentos.
Não custa nada tentar fazê-la ler a ironia que aqui escreveu. Se quiser, posso fazer-lhe este favor. :)
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