terça-feira, 27 de maio de 2014
A caminho do Brasil: uma laranja amarga e doce (mais amarga)
A selecção holandesa é normalmente uma das maiores atrações dos campeonatos do mundo, devido ao futebol atraente que pratica - ou nem sempre. Em nove participações (vão para décima este ano) os holandeses contam no currículo com três finais perdidas, um 4º lugar e uma mão cheia de desilusões. Primeiro é preciso explicar a diferença entre Holanda e Países Baixos, outro nome que escutamos com frequência quando se fala deste país. De facto o nome correcto desta nação no centro-norte da Europa, mesmo à beira da Escandinávia, é "Países Baixos", e "Holanda" é apenas uma das províncias que o compõe - a maior de todas, e onde se situa a capital Amesterdão. Contudo o mundo habituou-se a chamar à equipa com camisola cor-de-laranja Holanda, e dizer "Países Baixos", ou em inglês "Netherlands", é um preciosismo normalmente reservado para o Festival da Eurovisão: "Netherlands...three points/Le Pays Bas...trois points". Estão a ver onde quero chegar. Por isso e para não ficar aqui a discutir o sexo dos anjos, chamamos "Holanda" à equipa de futebol. Vamos então olhar para esta "laranja mecânica", nome que explicarei durante o processo, e as suas "performances" nos palcos do desporto-rei durante os últimos oitenta anos, um pouco por esse mundo fora.
Holanda e Suíça entram em campo no mundial de 1934, em Itália.
Ausentes do controverso "mundial por convites" organizado pelo Uruguai em 1930, a Holanda participaria pela primeira vez em 1934, na Itália, e ficaria pela primeira ronda, perdendo por 3-2 frente à Suíça. Quatro anos depois regressariam em França, e voltavam a ficar pela ronda inaugural, sendo derrotados desta feita pela Checoslováquia por 0-3, mas apenas após prolongamento. Um dos países que mais sofreu com a agressão nazi, a Holanda não participaria nos dois primeiros mundiais do pós-guerra, em 1950 e 1954, e não se conseguia qualificar até 1974, mas foi aí que...
Johann Cruyff, o "Alexander the Large" do futebol holandês.
...surgiu a "laranja mecânica". O filme de Stanley Kubrick com o mesmo nome, baseado no romance distópico de 1962 da autoria de Anthony Burgess, tinha saído dois anos antes, e o facto das camisolas dos holandeses serem num laranja vivo, e o futebol que praticavam ser a todo o terreno - o famoso "futebol total" - fez com que ficassem conhecidos por "laranja mecânica". O conceito de futebol total, uma táctica onde todos os jogadores defendem e atacam, sendo substituído sna sua posição por um colega, e o único fixo é o gaurda-redes, foi idealizado por Rinus Michels, e o sucesso da estratégia seria materializado com a conquista da Taça dos Campeões pelo Ajax em 1971, e continuada pelo romeno Stefan Kovacs nos dois anos seguintes. O "maestro" do futebol a todo o terreno era Johann Cruyff, o maior jogador holandês de todos os tempos. A participação no mundial da Alemanha em 1974 foi memorável, e com Cruyff brilhavam também Arie Hann, Rob Rensenbrink, Johan Neeskens, Johnny Rep, Ruud Krol, e os gémeos Willy e Rene van der Kerkhoff - e estes não seriam os únicos gémeos que fariam história pela Holanda.
Na primeira fase final em 36 anos, os holandeses passariam a primeira fase com vitórias por 2-0 contra o Uruguai, empate a zero com a Suécia, e goleada por 4-1 frente à Bulgária. Na segunda fase arrancam para a final com uma goleada e memorável exibição frente à Argentina, com dois golos de Cruyff, um de Krol e outro de Rep. Seguiram-se vitórias por 2-0 contra Alemanha Democrática e Brasil, e a "laranja mecânica" só seria travada na final contra a equipa da casa, a Alemanha Ocidental, que venceria por 2-1 apesar de Neeskens ter colocado os holandeses em vantagem logo aos 2 minutos, de "penalty".
Em 1978 a Holanda quase boicota o mundial da Argentina por razões políticas, devido ao golpe de estado que dois anos antes tinha colocado o ditador Jorge Videla no poder. A "laranja mecânica" vai, mas Cruyff recusa-se a viajar até à América do Sul, mas anos mais tarde revelaria que a verdadeira razão prendeu-se ameaças de rapto contra a sua família na Catalunha, onde residia na altura, como jogador ao serviço do Barcelona. Sem Cruyff e com o treinador austríaco Ernst Happel, vencedor da Taça dos Campeões em 1970 pelo Feyenoord, no lugar de Rinus Michels, a "laranha mecânica" vai com praticamente a mesma equipa de 74, com algumas novidades como Johan Boskamp e Dick Nanninga. Depois de uma primeira fase de grupos tremida, com vitória frente ao Irão por 3-0, empate a zero com o Perú e derrota por 2-3 com a Escócia, passam à frente dos escoceses na diferença de golos marcados. Mas na segunda fase a "laranja" mecaniza-se, goleia a Áustria por 5-1, empata a dois golos com a Alemanha Ocidental e chega à final após vencer a Itália por 2-1, com Ernie Brandts a marcar duas vezes, primeiro na baliza errada, e depois na certa, e Haan a marcar o golo decisivo. Na segunda final consecutiva voltam a perder com a equipa da casa por 3-1, após prolongamento.
A Holanda falha a qualificação para os mundiais de 1982 e 1986, mas sempre por muito pouco, e sempre por culpa da vizinha Bélgica. Só que em 86 Rinus Michels volta "a fazer das suas", levando uma nova geração de talentos a vencer o Euro 1988. Foi a era do trio que brilharia mais tarde no AC Milão, Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco van Basten, o defesa do Barcelona, Ronald Koeman, o guardião do PSV, Hans van Breukelen, campeão europeu em 1987/88, e a "escola" do Ajax, representada por jogadores como Danny Blind, Aaron Winter, Jan Wouters ou Richard Witschge. Foi com esta nova "laranja mecânica" que Leo Beenhakker sucede a Michels, e vai ao mundial de Itália em 1990, cotado como um dos potenciais vencedores. Mas as coisas correm mal, e depois de empates com Egipto, Inglaterra e Rep. Irlanda na fase de grupos, perdem nos oitavos por 2-1 com a Alemanha Ocidental, numa partida que fica manchada pela expulsão de Rijkaard e o alemão Rudi Völler, que se envolvem numa rixa que termina com o holandês a cuspir no seu adversário.
Em 1994 a "laranja" vai até aos Estados Unidos sob o comando de Dick Advocaat, determinado a apagar a má imagem deixada em Itália quatro anos antes, e "armado" com um "arsenal" de novo talento, casos de Marc Overmars, Dennis Bergkamp, Wim Jonk e mais um par de gémeos - Ronald e Frank de Boer. Van Basten e Gullit já estavam "no estaleiro", Rijkaard e Koeman regressavam mais maduros, e Witschge, Winter, Wouters e Blind eram também repetentes. A primeira fase corre bem, apesar da derrota frente aos eternos rivais belgas, e depois de eliminarem a Rep. Irlanda por 2-0 nos oitavos, enfrentam o Brasil nos quartos-de-final. Romário e companhia, que seriam campeões mundiais, venceriam por 3-2 aquele que foi provavelmente o melhor jogo do torneio. Mereciaa melhor sorte, a "laranja" de Advocaat.
Em 1998 na França seria Guus Hiddink a levar a Holanda às meias-finais, mesmo sem um futebol tão impressionante como o de Advocaat ou Michels, e daria a conhecer uma nova fornada de "laranjas" apetecíveis ao gosto dos grandes clubes europeus: Edgar Davids, Philip Cocu, Boudewijn Zenden, Winston Bogarde, Michael Reiziger e Jaap Stam. Os gémeos de Boer também lá estavam, e a dupla Bergkamp/Overmars acabava de ganhar a Premier League frente ao Arsenal. Os holandeses passariam a fase de grupos sem problemas, e tiveram testes duros contra Jugoslávia e Argentina na fase a eliminar, que passaram com vitórias por 2-1, mas esbarrariam novamente no Brasil, desta feita nas meias-finais, perdendo apenas nos "penalties". Já desmotivados perderiam o 3º lugar no jogo de consolação com a Croácia, por 1-2.
Marco van Bastard, perdão, van Basten.
E em 2002 acontece o improvável: a Holanda falha o mundial, após terminar em 3º lugar no grupo de qualificação, atrás de Portugal e da Rep. Irlanda. Determinante terá sido a vitória portuguesa em Roterdão por 2-0, de que os holandeses nunca recuperariam. No Euro 2004 são afastados nas meias-finais outra vez por Portugal, e em 2006 no mundial da Alemanha, orientados por Van Basten, terminam em segundo no grupo da Argentina, e nos oitavos-de-final...Portugal. Sem saberem muito bem o que fazer perante a sua "besta negra", optam por uma táctica de confrontação e guerra psicológica, que culminaria na famosa "batalha de Nuremberga" (v. peça sobre Portugal), mas sairiam derrotados por 0-1. Em 2010, com o técnico Bert van Marwijk, chegam à terceira final da sua história, um tanto ou quanto surpreendentemente - os resumos dos jogos da Holanda em 2010 estão nas peças sobre o Brasil, Uruguai e Espanha. Este ano é Louis van Gaal a tentar "espremer" a laranja, desta feita em terras brasileiras.
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