domingo, 18 de maio de 2014

A caminho do Brasil: são onze contra onze...


A frase é da autoria do avançado inglês Gary Lineker: "futebol são onze contra onze, e no fim ganha a Alemanha". Se não é assim tão verdade que a Alemanha tenha exercido o domínio que a frase de Lineker dá a entender, a "mannschaft" (literalmente "equipa") tem sido uma presença regular nas fases mais adiantadas das competições internacionais. Isto deve-se sobretudo a uma organização bem cuidada e um grau de exigência próprio da cultura alemã, pautada por um enorme pragmatismo, e uma dose de frieza que não permite que se impressionem facilmente com pouca coisa. A nação esteve divida entre 1952 e 1990 em Alemanha Ocidental (RFA), e Alemanha Oriental (RDA), a primeira um estado democrático e capitalista, o segundo um satélite de Moscovo. Em termos de presenças em campeonatos do mundo, o currículo da Alemanha Ocidental confunde-se com a da nação unificada, uma vez que a sua "irmã" comunista só se conseguiu qualificar uma única vez. Portanto a Alemanha - e vamos deduzir que falo da RFA e da Alemanha actual e unificada - terá provavelmente o melhor registo em mundiais depois do Brasil, apesar de ter menos um título que a Itália. Três mundiais, quatro vezes finalista vencida e outras quatro no terceiro lugar. Se juntarmos a tudo isto mais um quarto lugar, os alemães chegaram à "final-four" 12 vezes em 17 participações, e são ainda, em conjunto com o Brasil, a única selecção que nunca falhou uma qualificação - as ausências de 1930 e 1950 foram por motivos extra-futebol.


A infame selecção da Alemanha nazi.

E assim a primeira ausência foi logo no primeiro mundial, em 1930. A Alemanha foi convidada, mas devido a razões económicas - estávamos em plena Grande Depressão - o convite foi declinado, pois o Uruguai era ainda bastante longe. Já em 1934 foi mais perto, na Itália, e já com o Partido Nazi de Adolf Hitler no poder, a Alemanha deu uma demonstração do seu poderio, goleando a Bélgica por 5-2 na primeira ronda, passando a Suécia nos quartos-de-final por 2-1, e sendo travado pela Checoslováquia nas meias-finais por 3-1. No jogo para a atribuição do 3º lugar vencia a Áustria por 3-2, e estava conquistado o primeiro pódio. Quatro anos depois em França, e com a Europa a tremer com Hitler, a "mannschaft" aparecia em França ostentando pela única vez a suástica como sua bandeira, e ficaria logo pela primeira ronda, caíndo perante a Suíça. Depois de um empate a uma bola a 4 de Junho, os suíços levavam a melhor no desempate, cinco dias depois. Ambas as partidas foram em realizadas em Paris, debaixo de um ambiente hostil para os alemães, que devido ao "Anschluss" (literalmente "ligação", mas na prática uma anexação) contava com seis jogadores austríacos na sua equipa. Depois veio a guerra, e o mundial regrassaria apenas em 1950, no Brasil, mas a Alemanha, "de castigo", ficou impedida de participar. Maus meninos. Muito, muito marotos.


Em 1954 a Alemanha regressava ao mundial com uma equipa e ambições renovadas, e com o apêndice de "Ocidental" pela primeira vez. Não sendo cabeça-de-série, ficaria no Grupo 2, onde estavam o Egipto, Turquia e a super-favorita Hungria, campeã olímpica, e com uma linha avançada de meter inveja a qualquer equipa, com Sandor Kocsis e Ferenc Puskas à cabeça de um grupo de homens-golo, que não raras vezes faziam o gosto ao pé três ou quatro vezes por jogo. O mundial realizou-se num formato único, com quatro grupos de quatro equipas cada, e com cada uma a disputar apenas dois jogos; os vencedores dos primeiros jogos encontravam-se no segundo, era atribuído um sistema de dois pontos por vitória e um por empate, e no caso das partidas terminarem empatadas jogava-se um prolongamento de 30 minutos. Caso duas equipas terminassem empatadas em pontos, jogariam um "play-off". Um sistema algo confuso, que levou a que três dos quatro grupos decidissem o 2º lugar através de um jogo de desempate. A Alemanha estreou-se com uma goleada por 4-1 frente à Turquia. enquanto a Hungria fazia gato-sapato dos muito humildes sul-coreanos, goleando sem apelo mnem agravo por 9-0, com os asiáticos a fazerem uma vénia a cada golo marcado pelos "magiares" - Kocsis foi três vezes "venerado". No segundo jogo os alemães provavam o "veneno" húngaro, sasndo goleada por 8-3, o seu pior resultado de sempre em mundiais (ou em qualquer outra competição, suspeito). Só à conta de Kocsis foram quatro, e aos 20 minutos o resultado encontava-se já em 3-0. Enquanto os alemães eram trucidados em Basileia, a Turquia aproveitava-se das fragilidades da Coreia do Sul, vencendo por claros 7-0, e marcando um novo encontro com a Alemanha para o desempate. Em Zurique, local do tira-teimas, os teutónicos seriam ainda menos simpáticos comos turcos do que no primeiro encontro, e venciam facilmente por 7-2. Balanço da primeira parte da competição, 14 golos marcados e 11 sofridos, no mundial com a maior média de golos de sempre: 5,38 por jogo! Do lado da Alemanha Max Morlock levava já 4 golos apontados, seguido de Hans Schäfer com três, mas era Helmut Rahn, o extremo mais conhecido por "Das Boss" que conduzia a orquestra.


Nos quartos-de-final a Alemanha tinha pela frente a temível Jugoslávia, em Genebra, mas um autogolo de Ivica Horvat logo aos nove minutos baralhavam as contas da equipa das balcãs, e Rahn daria o golpe final aos 85, fazendo o resultado final, "apenas" 2-0. Uma partida pouco animada em termos de golos, em contraste com o Áustria-Suíça, realizado em Lausanne, que terminaria com a vitória dos austríacos por 7-5, naquela que é ainda hoje a partida com mais golos na história dos mundiais - uma marca que muito dificilmente será superada. Mas a Áustria não seria páreo para os motivados jogadores alemães, que aniquilaram os seus vizinhos e "ex-anexos" em Basileia, nas meias-finais, com uns expressivos 6-1. Mais um recorde, desta vez o da meia-final mais desequilibrada de sempre, e com os irmãos Fritz e Ottmar Walter em destaque, ao apontarem dois golos cada. Na final de 4 de Julho, no Estádio Wenkdorf em Berna, reencontravam-se Alemanha e Hungria, naquele que foi considerado um dos grandes clássicos da história dos mundiais, e ficou conhecido entre os alemães por "Das Wunder von Bern", ou "o milagre de Berna". Não terá sido um milagre no sentido do termo, mas os "magiares" eram claramente favoritos à vitória final, e deixariam isso bem claro com dois golos praticamente a abrir o encontro; primeiro foi Puskas aos seis minutos, e dois minutos depois Zoltan Czibor ampliava a vantagem. Temia-se a reedição da goleada de Basileia, na fase de grupos, mas perante 64 mil espectadores e uma chuva diluviana, os alemães reagiam, e Max Marlock reduzia aos 10 minutos, para Helmut Rahn empatar aos 18, voltando tudo ao estado inicial. O jogo foi disputadíssimo, uma autêntica loucura, e Fritz Walter, umdos dois irmãos que "trataram da tosse" aos austríacos, parecia um peixe na água, literalmente, pois a chuva que deixava o estado do terreno quase impraticável não parecia incomodá-lo de todo - ao ponto de ainda hoje na Alemanha se diz cada vez que se joga debaixo deste tipo de condições climáticas, que é "tempo de Fritz Walter". Que giro. Com os jogadores de ambas as equipas a deixarem a pele em campo, a sorte acabaria por sorrir aos alemães, graças a um golo de Rahn aos 84 minutos, deixando o seu povo orgulhoso, e levando o primeiro "caneco" para a repartida Alemanha. Foi tirada a ferros, e deixou bem vincado o carácter combativo da "mannschaft", que seria a sua imagem de marca.


Em 1958 a Alemanha foi à Suécia fazer a defesa do título mundial, no torneio que marcaria o início de um domínio de década e meia do Brasil, a era Pelé. Capitaneados por Hans Schäfer e com Helmut Rahn e Fritz Walter como grandes referências, contavam ainda com o jovem Uwe Seeler, e o mesmo treinador que os levara ao título na Suíça, Sepp Herberger. A confiança era grande, e depois de uma estreia vitoriosa frente à Argentina por 3-1, tornou-se ainda maior. Nem os empates que se seguiram, ambos por 2-2 frente a Checoslováquia e Irlanda do Norte desmoreceram os alemães, que seguiam em frente como vencedores do Grupo 1. Nos quartos-de-final encontravam novamente a Jugoslávia, tal como quatro anos antes, e venciam com um golo solitário de Rahn. Nas meias-finais a aparentemente imbatível "mannschaft" encontrava a equipa da casa, a Suécia, e com o golo inaugural de Schäfer aos 24 minutos tudo fazia crer que teriamos uma final entre a Alemanha e o Brasil. Mas seria preciso esperar mais 44 anos para que isso acontecesse, pois os inspiradíssimos nórdicos faziam cair a muralha teutónica, com três golos de Skoglund, Gren e Hamrin, os dois últimos nos dez minutos finais. O desgaste tornou-se ainda mais evidente no jogo da atriubuição do terceiro lugar, com a França, que os gauleses venceriam por 6-3, com quatro golos de Just Fontaine. A DFB mantinha a confiança em Herberger para 62, ano em que o mundial se realizou no Chile, e o mítico treinador da Alemanha do pós-guerra mantinha a confiança em Schäfer, agora com 34 anos, para capitanear uma equipa rejuvenescida. Depois de um empate inicial a zero frente à Itália seguiram-se vitórias por 2-1 frente à Suíça e 2-0 frente aos anfitriões, o Chile, e a vitória no Grupo 2 deixava os alemães optimistas, só que nos quartos apareceu uma velha conhecida, a Jugoslávia, que cansada de fazer de bombo da festa, "vingou-se" de 54 e de 58, vencendo com um golo de Radakovic, a 5 minutos do fim. Era o fim de uma era para a "mannschaft".


O "kaiser" em 1966 - símbolo da nova geração da "mannschaft"

Em 1966 o mundial chega à velha Albion, no auge da popularidade dos Beatles e com a Inglaterra de Alf Ramsey tida como grande favorita à vitória final. Para a competição que teria uma sabor-agridoce para as cores portuguesas, a Alemanha surge com um novo treinador, Helmut Schön, e uma nova geração de talentosos jogadores, dos quais se destacava um jovem de 20 anos, de seu nome Franz Beckenbauer, que mais tarde - e até aos dias de hoje - passaria a "mandar" no futebol alemão, sob o cognome de "o kaiser". Ninguém dava muito pela renovada selecção alemã, mas a goleada sobre a Suíça por 5-0, com Beckenbauer a apontar dois golos, mostravam que era muito cedo para os riscar da lista de apostas. Seguiu-se um nulo frente à Argentina, e no jogo decisivo contra a Espanha, campeã europeia dois anos antes, uma vitória por 2-1, que deixaria a "rioja" de Luis Suarez, Gento, Pirri e Amancio, entre outros, de fora do mundial. Nos quartos-de-final a Alemanha goleia o Uruguai por 4-0, e nas meias é a vez da União Soviética de Yashin ser a vítima do "kaiser" e dos seus rapazes altos e loiros. Na final em Wembley os alemães caem apenas no prolongamente frente aos ingleses, por 4-2, com o tal golo de Hurst que não terá passado a limha de golo. A Inglaterra levou a taça na raça, e a Alemanha saiu de cabeça erguida.


Quatro anos volvidos, e no México pela primeira vez, a Alemanha de Helmut Schön com Beckenbauer a "reinar" no meio-campo apresenta-se como uma das favoritas, e com uma dupla de novos jogadores que lhes permitia ambicionar a altos vôos: Berti Vogts, esteio da defesa do Borussia Moenchengladbach, e o avançado Gerd Müller, o homem-golo do Bayern de Munique, clube que no ano anterior havia vencido a Bundesliga e a Taça, e preparava-se para dominar o futebol europeu. No primeiro jogo a 3 de Junho em León, o choque: a modesta formação de Marrocos, estreante em mundiais, marcava aos 21 minutos contra a poderosa "mannschaft", que só restabelecia a normalidade no segundo tempo, com golos do capitão Seeler e do tal jovem avançado Müller. Mas se havia quem desconfiasse do valor dos alemães, as vitórias seguintes contra a Bulgária e Perú, por 5-2 e 3-1, respectivamente, dissipavam todas as dúvidas. Só à sua conta Müller marcou seis dos oito golos nessas duas partidas. Nos quartos-de-final o adversário é a Inglaterra, uma oportunidade para vingar a derrota de 66 em Londres. Os alemães vencem no prolongamento com mais um golo de Müller, e manda para casa os ingleses - que não pareciam tão ameaçadores fora do seu ambiente. Nas meias-finais contra a Itália, acontece o "jogo do século" (ver peça sobre a Itália, mais abaixo), onde Müller marca mais dois, tornando-se o melhor marcador do torneio com 10 golos, e Beckenbauer demonstra grande dedicação à equipa, jogando grande parte do encontro com o braço partido. Apesar disso, a Itália levou a melhor no prolongamento, por 4-3, e a Alemanha contenta-se com o 3º lugar, depois de bater o Uruguai por 1-0 no jogo de consolação.


Em 1974 a Alemanha organizava pela primeira vez o mundial, num cenário em que era praticamente obrigada a sagrar-se campeã mundial. Jogavam em casa, Beckenbauer era promovido a capitão e aos 28 anos este seria provavelmente o seu último mundial, e o Bayern dominava o panorama do futebol europeu, depois da conquista de duas taças dos campeões. A pressão era grande, mas Helmut Schön contava com Beckenbauer, Vogts e Müller, além de alguns novos elementos, nomes de respeito como Jupp Heynckes, Uli Hoeneß ou Paul Breitner. E seria Breitner o autor do único golo da partida de abertura frente ao Chile, no Estádio Olímpico de Berlim em ambiente de festa, com 83 mil espectadores, seguiu-se mais uma vitória por 3-0 frente à Austrália, e na partida que decida o primeiro lugar dá-se a grande surpresa: a outra Alemanha, e de Leste, vence a anfitriã em Hamburgo, com golo de Jürgen Sparwasser aos 77 minutos. Recompostos do choque, os "ocidentais" partem para a segunda fase de grupos determinados a apagar a má imagem deixada frente aos "irmãos" comunistas, e aproveitam para ajustar contas passadas com alguns adversários; primeiro a Jugoslávia, "carrasco" do mundial de 62, que vencem por 2-0, e depois a Suécia, que afastou os alemães da final de 58, aplicando-lhes um 4-2. O jogo decisivo seria contra a Polónia, e bastaria apenas um empate para chegar à final de Munique, mas um golo solitário de Müller concretizava o pleno dos alemães. Na final Beckenbauer e companhia tinham pela frente a Holanda, a temível "laranja mecânica", de Johann Cruijff e o seu "futebol total". E as coisas começaram mal, com Neeskens a marcar de "penalty" logo no segundo minuto, colocando os holandeses em vantagem. Só que Breitner devolvia a gentileza, empatando também de grande penalidade aos 23, e Müller faria o segundo ao cair do pano na primeira parte. A Alemanha aguentou os segundos 45 minutos, e o "kaiser" ganhava finalmente a sua coroa. Dois títulos para a Alemanha, e continuando a contar.


Em 1978 o mundial regressa à América do Sul, desta vez à Argentina, e rodeado de polémica. Dois anos antes da prova, entretanto já atribuida aos argentinos, o General Jorge Videla impõe através de um golpe de estado a ditadura militar, e usa a organização do campeonato do mundo como instrumento de propaganda. Além da elevada carga política, há a juntar ainda a forma como a equipa da casa seria beneficiada com o sorteio, e no final sairia eventualmente vencedora. Com o pragmatismo que lhes é habitual, sem ter em conta tudo isto, a "mannschaft" prepara-se para a defesa do título, ainda com Helmut Schön ao leme mas já sem Beckenbauer e Gerd Müller, a equipa agora capitaneada por Berti Vogts tinha sangue novo e bastante talento: Karl-Heinz Rummenigge,
Dieter Müller, Manfred Kaltz, só para citar alguns. No entanto tudo isto parecia pouco, pois os alemães denunciaram a falta do seu "kaiser", e somaram dois empates a zero na primeira fase de , na jornada inaugural frente à Polónia, e na última frente à estreante Tunísia. Valeu apanhar um débil México pelo meio, e graças à goleada por 6-0, a Alemanha seguiu em frente. Na segunda fase os alemães aguentaram-se bem contra dois ossos duros de roer, somando um empate a zero frente à Itália, e outro a duas bolas frente à Holanda, que mesmo sem Cruijff continuava a dar cartas. Ainda era possível chegar à final, bastando para isso golear a Áustria por mais de 4 golos, e esperar que italianos e holandeses empatassem, mas acabaria por não acontecer nem uma coisa nem outra; a Holanda venceu, e os austríacos acabariam por pregar uma partida aos seus velhos vizinhos, batendo-os por 3-2, com Hans Krankl a tornar-se o herói da partida, ao apontar dois golos. A Alemanha saía da Argentina sem glória, com apenas uma vitória, e parecia dar-se mal com os ares da América do Sul: em 1930 não foi ao Uruguai, em 50 não esteve no Brasil, em 62 no Chile caiu nos quartos-de-final, e agora também não teve melhor sorte.


Depois do fiasco de 78, Helmut Schön deixaria o cargo de selecionador, ficando no lugar o seu adjunto Jupp Derwall. Uma decisão acertada, pois a Alemanha vencia em 1980 o Europeu, e apresentava-se em 82 no mundial da Espanha como uma das favoritas. A equipa estava recheada de novidades e de jovens promessas, a começar pelo extravagante guardião Harald Schumacher, e jogadores de campo como Karlheinz Förster, Felix Magath, Ulie Stielike, Thomas Allofs e uma jovem revelação, de seu nome Lothar Matthaus, que assumiria mais tarde um protagonismo especial na "mannschaft". O maestro era agora Rummenigge, que marcaria o único golo da derrota na estreia dos alemães no grupo 2 frente à Argélia de Rabah Madjer, que marcou o golo da vitória. Entravam com o pé esquerdo, os favoritos, e pareciam não se dar bem com equipas magrebinas, pois quatro anos antes tinham empatado a zero com a Tunísia. No entanto deu-se um "levantar do chão", e vitórias 4-1 sobre o Chile, com "hat-trick" de Rummenigge, e 1-0 sobre a Áustria colocavam a Alemanha na segunda fase, novamente com quatro grupos de três equipas cada, com o vencedor a seguir para as meias-finais. Depois de um nulo frente à Inglaterra, vitória por 2-1 sobre a equipa da casa, a Espanha, e estava marcado o encontro com a França para as meias-finais. Os "bleus", orientados por Michel Hidalgo e sob a batuta de Platini eram outro forte candidato, e o jogo entrou para a história dos mundiais como um dos "clássicos" (só com a Alemanha são já três). A partida foi resolvida nas grandes penalidades a favor dos alemães, depois de um empate 3-3 após prolongamento, mas ficou marcada pelo lance entre Schumacher e o defesa francês Patrick Battiston. No momento em que os dois corriam para uma bola dividida, o alemão agride violentamente o jogador gaulês, enquanto o esférico se perdia pela linha de fundo. Battiston foi para o hospital com vários dentes partidos e queixando-se das vértebras, e o árbitro holandês Charlos Corver parece nada ter visto, e Schumacher permaneceu em campo. A polémica foi tanta que o recé eleito chanceler alemão Helmut Kohl e o presidente francês François Miterrand emitiram dias depois um comunicado conjunto. Como o crime não compensa, a Alemanha caiu na final frente à Itália de Rossi, perdendo por 3-1, e mais tarde Schumacher ofereceu-se para pagar a Battiston a conta do dentista, e ambos ficaram amigos.


Lothar Matthaus, figura maior da Alemanha do final de milénio.

Depois de um Euro 84 decepcionante, foi chamado para selecionador o "kaiser", Franz Beckenbauer, para impôr a sua realeza e devolver a mística à "mannschaft". Para o mundial de México juntou-se à experiência de Rummenigge, Hoeneß, Allofs e Magath, a grande forma de Matthaus e Littbarski, e alguma juventude como Rudi Völler, Andreas Brehme ou Thomas Berthold. Era mais uma vez uma selecção com que contar para discutir o título. A primeira fase foi algo tremida, com um empate a um golo frente ao Uruguai e uma vitória 2-1 frente à Escócia. O novo formato, com 24 equipas divididas por seis grupos, passando os dois primeiros e os melhores quatro terceiros permitiam garantir praticamente com estes resultados a qualificação para os oitavos-de-final, e a partir daí seria sempre a eliminar. No último jogo a sensacional Dinamarca bate os alemães por 2-0, e vence o grupo só com vitórias. Os dinamarqueses seriam afastados logo na ronda seguinte pela Espanha, mas este foi um aviso para o futuro, e já vamos saber porquê. Nos oitavos a Alemanha encontrou pela frente a sensacional equipa de Marrocos, que tinha vencido o grupo de Portugal, Inglaterra e Polónia, batendo a selecção lusa por 3-1 no terceiro jogo. Magrebinos, cautelas redobradas, e um único golo de Matthaus aos 87 minutos foi quanto bastou para seguir em frente. Nos quartos-de-final foi a vez da equipa da casa, o México, e aqui Beckenbauer pode agradecer aos deuses da fortuna, e à falta de pontaria dos mexicanos, que nos "penalties" só acertaram uma vez no fundo das redes de Schumacher, enquanto a eficácia alemã foi de 100%, com quatro remates certeiros. E por falar em Schumacher, nas meias-finais voltou a repetir-se o jogo de 82, entre a Alemanha e a França. Desta vez não foi necessário prolongamento nem "penalties", nem houveram dentes partidos, pois a Alemanha levou a melhor por 2-0, com golos de Brehme e Völler. A fina foi contra a Argentina, e como este foi o ano de Maradona, a Alemanha teve que se contentar com outro 2º lugar, após os golos de Rummenigge e Völler não "cobrirem" os três apontados pelos sul-americanos.


Depois de um Euro 88 jogado em casa, e que terminaria com uma derrota frente à Holanda nas meias-finais, chegava o mundial de 1990, em Itália, e Beckenbauer continuava a merecer a confiança da DFB para chegar ao "tri" - depois de finais perdidas em 82 e 86, à terceira seria certamente de vez. E de facto assim foi, num dos mundiais mais mal jogados da história, com muito anti-jogo, tácticas demasiado conservadoras, e a pior média de golos de sempre. A Alemanha era mesmo considerada a grande favorita, contando com o trio que tinha vencido a Serie A italiana em 89, Matthaus, Brehme e Jurgen Klinsmann, além de Völler, que brilhava nos italianos do Roma - e o mundial era em terras italianas. A primeira fase passou-se como uma brisa, com goleadas por 5-1 frente aos estreantes e frágeis Emirados Árabes Unidos por 5-1, Jugoslávia por 4-1, e um empate a um golo frente à Colômbia, com o pé levantado do acelerador, ao ponto de "deixar" os sul-americanos marcarem o golo da igualdade já 3 minutos depois da hora, e assim se qualificarem como um dos melhores quatro terceiros. Nos oitavos deu-se o ajuste de contas contra a Holanda, com uma vitória por 2-1, no jogo que ficou marcado pela conduta anti-desportiva do holandês Frank Rijkaard, que cuspiu na cara de Völler. Nos quartos-de-final mais uma vitória, desta feita contra a Checoslováquia por 1-0, com "penalty" de Matthaus, e uma meia-final dramática contra a Inglaterra, resolvida nos pontapés da marca de grande penalidade, onde o falhanço de Chris Waddle colocava a Alemanha na sua sexta final. Curiosamente o adversário foi o mesmo de 1986, a Argentina, ainda com Maradona como grande referência. Na final com menos golos de sempre, um "penalty" (duvidoso) de Andreas Brehme a cinco minutos do fim dava o terceiro título aos alemães, e Beckenbauer juntava-se a Mario Zagallo na exclusiva lista de campeões do mundo como jogadores e como treinadores - os dois únicos até hoje.


Berti Vogts, o primeiro selecionador da Alemanha reunificada.

Com a queda do muro de Berlim e a abertura da cortina de ferro, a Alemanha Democrática é literalmente "absorvida" pela Ocidental, uma realidade perceptível mesmo antes de 1990, última vez que a "mannschaft" participou como RFA. Com a sensação de dever cumprido, Beckenbauer deixa o cargo de selecionador ao seu ex-colega Berti Vogts, o primeiro selecionador da Alemanha unificada. É nessa condição que os alemães disputam o Euro 92, na Suécia, e lembram-se do aviso da Dinamarca em 86? Pois é, os nórdicos haviam vencido a Alemanha Ocidental por 2-0 na fase de grupos do mundial de México, e repetiram o feito seis anos depois, só que na final de um europeu. O desaire não impediu Vogts de continuar à frente da equipa para a defesa do título mundial em 1994, nos Estados Unidos, e depois de vitórias algo complicadas contra Bolívia (1-0) e Coreia do Sul (3-2), e um empate a um golo com a Espanha na primeira fase, seguiu-se mais uma vitória frente ao Bélgica por 3-2 nos oitavos, e nos quartos acontece o improvável: uma derrota de 1-2 frente à Bulgária, e uma saída pouco digna do mundial. Vogts seria perdoado dois anos depois, com a vitória no Euro 96, em Inglaterra, e foi-lhe dada mais uma chance no grande palco do mundial em 98, desta feita em França. Depois de uma fase de grupos com a eficácia habitual (2-0 c/Estados Unidos, 2-2 c/Jugoslávia, 2-0 c/Irão), seguiu-se uma vitória complicada contra o México nos oitavos por 2-1, e nos quartos-de-final a humilhação frente à estreante Croácia, com uma derrota por 0-3. Vogts tinha gasto os seus últimos cartuchos, e a Alemanha parecia atravessar uma crise de vocações, como ficaria provado dois anos depois no Euro 2000, quando seriam eliminados na fase de grupos, culminando a desastrosa campanha com uma derrota por 0-3 contra Portugal.


Com o afastamento de Erich Ribbeck, acusado de ser o principal responsável pelo cataclismo de 2000, entra Rudi Völler, que fica encarregado de devolver a dignidade à selecção alemã, com o mundial de 2002 na Coreia e Japão no horizonte. E foi em terras do Oriente que a "mannschaft" conhece a nova geração que lhe garantia competitividade no novo milénio. No jogo de abertura frente à Arábia Saudita, a Alemanha diz "presente" com uma goleada de oito golos sem resposta - o melhor resultado de sempre em mundiais. Dois nomes sobressaem nesse jogo: Michael Ballack, o organizador, e Miroslav Klose, o concretizador, que apontou um "hat-trick" nessa partida contra os árabes. Segue-se um empate com a Rep. Irlanda, com os irlandeses a empatarem nos descontos por Robbie Keane, mas nem chegou a ser considerado um tropeção, pois a vitória no grupo ficava garantida com um triunfo por 2-0 contra os Camarões. Na fase a eliminar, os alemães demonstram um pragmatismo impressionante, vencendo todos os adversários por 1-0 até à final: Paraguai, Estados Unidos, e a anfitriã Coreia do Sul, que tinha já eliminado a Itália e a Espanha. O herói desta fase foi o guardião Oliver Kahn, que especialmente contra os norte-americanos, jogo de que deixo imagens, fez defesas impossíveis, e que no fim lhe valeram o prémio de melhor jogador do torneio. Apenas o imparável Brasil de Scolari conseguiu deter os alemães, que finalmente encontravam o "escrete" em campeonatos do mundo. Dois golos de Ronaldo decidiram o tira-teimas. Völler foi elogiado pelo seu trabalho, mas não resistiria a um Euro 2004 pouco conseguido, com uma eliminação logo na primeira fase.


Para o lugar de Völler entrava outro seu ex-colega da equipa campeã em 1990, o ex-avançado Jurgen Klinsmann, com o objectivo de "atacar" o mundial de 2006, que se realizava na Alemanha. Com um leque de novos jogadores de grande competência, casos de Philip Lahm, Bastian Schweinsteiger e Lukas Podolski, com este último a ser eleito o melhor jogador jovem do torneio, um prémio especialmente criado a partir deste torneio para jogadores com 23 ou menos anos de idade. Depois de uma primeira fase 100% vitoriosa (4-2 c/Costa Rica, 1-0 c/Polónia, 3-0 c/Equador), mais uma vitória nos oitavos sobre a Suécia por 2-0, e nos quartos a velha rival Argentina, que só cairia nos "penalties", depois de um empate a uma bola após prolongamento. Nas meias-finais apareceu a Itália, que demonstrou ser "à prova de teutónicos", e batendo-se como autênticos gladiadores, "mataram" o adversário nos últimos dois minutos do tempo extra. Ficou o consolo do 3º lugar, obtido graças a uma vitória por 3-1 sobre Portugal, mas Klinsmann deixava a selecção após o torneio.


Joachim Löw, o actual homem forte da poderosa Alemanha.

Digerido o falhanço de repetir o título mundial em casa, entra para o cargo de selecionador Joachim Löw, que dirige a Alemanha durante o Euro 2008, perdendo na final frente à Espanha, com um golo de Fernando Torres. A prestação foi considerada aceitável, e Löw fica para preparar o mundial de 2010, na África do Sul. A aposta do treinador reflecte a multi-culturidade da Alemanha actual, com vários jogadores de ascendência turca, árabe e africana, casos de Mesut Ozil, Samir Khadira, Serdar Tasci, Jerome Boateng, entre outros. Na baliza o lugar ficou nas mãos de Manuel Neuer, sendo Per Mertesacker, Stefan Kießling, Thomas Müller e Toni Kroos outras jovens apostas do actual técnico. A fase de grupos foi algo atribulada, muito por culpa da derrota frente à Sérvia por 0-1, sob arbitragem polémica do espanhol Alberto Mallenco, depois de uma estreia positiva contra a Austrália, com goleada por 4-0. Com a qualificação em risco, os alemães "desencantacam" uma vitória contra o Ghana, com um golo de Ozil. Na fase do "bota-fora", os alemães revelam-se demolidores, esmagando a Inglaterra por 4-1, e a Argentina por 4-0, até serem arredados da final pela eventual campeã, a Espanha, graças um golo de Carles Puyol. No jogo de atribuição do 3º lugar, vitória sobre o Uruguai por 3-2, e mais um pódio. Dois anos depois, no europeu da Ucrânia e da Polónia, a Alemanha de Löw revelou a sua "latinofobia", perdendo novamente para a Itália, desta feita nas meias-finais. Resta agora saber o que fará a "mannschaft" este verão no Brasil - poderá ser o canto do cisne de Löw, e da sua geração.

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