quinta-feira, 29 de maio de 2014
A caminho do Brasil: no meio (nem sempre) está a virtude
Áustria, Bélgica e Suíça, eis três países cujas selecções de futebol têm motivos tanto para se orgulharem, como para se envergonharem. Rodeados de outras potências futebolísticas que têm no seu palmarés títulos mundiais e europeus, casos da França, Alemanha, Itália ou Holanda, estes três juntos não têm um sequer unzinho para mostrar. Hoje vamos dar uma olhadela a estes três simpáticos participantes em torneios mundiais que no máximo conseguiram sair "de cabeça erguida".
Ich Wunderteam, ja?
A Áustria é o único destes três que este ano fica em casa, e vem sendo assim desde 1998. No entanto os austríacos foram em tempos a melhor equipa do mundo, pasme-se. Foi nos longíquos anos 20 do século passado, quando já em 1930 se tornaram a primeira equipa europeia a vencer a Escócia (!?). Portanto foi uma pena que não tivessem viajado até ao Uruguai, onde se realizou o primeiro mundial, exactamente nesse ano. Em 1934 na Itália mostravam a sua garra, vencendo a França por 3-2 após prolongamento na primeira ronda, e depois a Hungria por 2-1, caíndo nas meias-finais frente à equipa da casa por 0-1, e no jogo para o 3º lugar com a Alemanha por 2-3. Qualificaram-se para o mundial de 38, mas deu-se o "anschluss", a anexação pela Alemanha nazi, e em 1950 os austríacos pagariam também a factura da agressão às restantes nações europeias durante a II Guerra.
Já regressados à normalidade, em 1954, voltam a fazer um mundial brilhante, obtendo o 3º lugar, a sua melhor classificação de sempre. Na primeira fase voltaram a vencer a Escócia por 1-0, e golearam a Checoslováquia por cinco golos sem resposta. Nos quartos-de-final vencem a Suíça, a equipa da casa, por 7-5 - sim, num jogo de futebol, e este é o encontro da história dos mundiais que mais golos teve: 12. O avançado Theodor Wagner esteve especialmente inspirado, ao aponter três dos sete golos dos austríacos, que terão gasto aqui todas as "munições", pois seriam goleados nas meias-finais pela Alemanha Ocidental por 6-1, consolando-se com uma vitória por 3-1 sobre o Uruguai, que lhes valeu o pódio. Em 1958 na Suécia as coisas corriam menos bem, e depois de derrotas por 3-0 com o Brasil e 2-0 com a União Soviética, e um empate a dois golos com a Inglaterra, seriam afastados na fase de grupos.
Depois disto a Áustria demorou a reencotrar-se, e só voltaria a participar em 1978, na Argentina, com uma geração onde se destacavam o jovem médio Herbert Prohaska, considerado o melhor jogador austríaco da era moderna, e o avançado Hans Krankl. Na primeira fase de grupos impressionaram, vencendo a Espanha por 2-1 e a Suécia por 1-0, perdendo depois por apenas 0-1 com o Brasil. Na segunda fase tiveram o azar de apanhar pela frente a Holanda em versão "laranja mecânica", e perderiam por 1-5, e a seguir nova derrota por 0-1 frente à Itália ditou a eliminação, valendo como consolo a vitória por 3-2 frente à Alemanha Ocidental. Em 1982, mais ou menos com a mesma formação, voltariam a fazer boa figura, vencendo Chile (1-0) e a Argélia (2-0), e perdendo com os alemães (0-1) na primeira fase de grupos, e ficando afastados das meias-finais após derrota com a França (0-1) e empate com a Irlanda do Norte (2-2) na segunda fase. Só voltariam a participar em 1990, onde ficaram pela fase de grupos e apenas conseguiram vencer os Estados Unidos, e novamente em 1998, onde ficaram novamente pela fase de grupos com dois empates e uma derrota.
Sabe quem é? Keith Richards? Perto...é Raymond Goethals.
A Bélgica é um caso de sucesso, mesmo que apenas recente, mas nos últimos anos passou por uma renovação que a deixou afastada dos grandes palcos mundiais. Os belgas foram uma das únicas quatro selecções europeias a aceitar o convite para o primeiro mundial em 1930 no Uruguai, juntamente com Jugoslávia, Roménia e França, mas foi aquela que teve o pior desempenho, perdendo os dois encontros que realizou, por 3-0 contra os Estados Unidos e 1-0 com o Paraguai. Em 1934 conseguiram a qualificação, mas seriam afastados na primeira ronda por 2-5 contra a Alemanha, e quatro anos depois tiveram a mesma pouca sorte, perdendo para a anfitriã França por 3-1. Depois de uma ausência no primeiro torneio do pós-guerra, voltariam em 1954 na vizinha Suíça, e obtiveram um heróico empate a quatro golos frente à Inglaterra, para depois perderem por 1-4 com a Itália, ficando de novo pelo caminho. Depois de mais um hiato de 16 anos, dá-se o regresso no México em 1970, sob o comando técnico de Raymond Goethals, o mais carismático dos treinadores belgas. Goethals, que faleceu em 2004 aos 83 anos, isto apesar de ter aspecto de 83 anos durante os últimos cinquenta da sua vida, venceu a Taça das Taças com o Anderlecht em 1978, e a Liga dos Campeões em 1993, com passagem pelo V. Guimarães pelo meio, na época de 1984/85. O seu consulado na selecção não foi brilhante, ficando novamente pela primeira fase depois de perder por 4-1 com a União Soviética e 1-0 com o México, mas teve o mérito de vencer na estreia a selecção de El Salvador por 3-0, a primeira vitória dos "diabos vermelhos" em mundiais.
Goethals não fazia milagres, e não conseguiu levar os belgas ao mundial de 1974, na Alemanha. Em 1976 entra para o seu lugar Guy Thys, que dá início a uma de era de sucesso ímpar dos "diabos vermelhos". Depois de falhar a qualificação em 1978 para o mundial da Argentina, surpreende ao chegar à final do Euro 1980, onde perde com a Alemanha Ocidental. Em 1982, a Bélgica participa na primeira de seis fases finais consecutivas; a geração que trouxe jogadores como François Van Der Elst, Franky Vercauteren, Eric Gerets, Jan Ceulemens, Lei Clijsters (pai da tenista Kim Clijsters, e já falecido), Erwin Vandenbergh e o famoso gaurdião Jean-Marie Pfaff, figura-mor dos alemães do Bayern de Munique, podiam não jogar bonito, mas conseguiam resultados. Na Espanha têm uma passagem inédita da primeira fase, com vitórias sobre a campeã mundial Argentina no jogo de abertura por 1-0, mesmo resultado contra El Salvador e empate a um golo com a Hungria, sendo então afastados na segunda fase de grupos após derrotas por 3-0 com a Polónia e 1-0 com a União Soviética. No mundial de 86 no México, já com o jovem Enzo Scifo a liderar uma nova fornada de talento, casos de Patrick Vervoort, Stephane Demol e Nico Claesen, conseguem a melhor classificação de sempre, um 4º lugar, sendo afastados da final pela Argentina, e perdendo no jogo de consolação por 4-2 com a França, após prolongamento. Em 1990 para o mundial de Itália mais uma injecção de juventude: Marc Wilmots, Marc Degryse, Bruno Versavel, e o sucessor de Pfaff na baliza, o nosso conhecido Michel Preud'homme, que chega a nº 1 dos belgas apesar dos seus 31 anos. Passando num grupo onde estavam Espanha, Uruguai e Coreia do Sul, são afastados pela Inglaterra nos oitavos, com um golo de David Platt no último minuto do prolongamento.
Thys deixa a selecção, e é com Paul Van Himst que a Bélgica participa no mundial dos Estados Unidos, onde Preud'homme esteve em grande destaque numa equipa liderada pelo avançado Luc Nilis, a referência do ataque dos "diabos vermelhos" durante a década de 90. Na fase de grupos vencem Marrocos e a rival Holanda por 1-0, e pelo mesmo resultado sofrem uma surpreendente derrota com a Arábia Saudita, e nos oitavos são eliminados pela Alemanha por 2-3, com Rudi Völler a fazer de "carrasco", ao apontar dois golos. Em 1998, sob as ordens de George Leeskens, empatam todos os jogos do seu grupo, frente à Coreia do Sul, México e Holanda, e pela primeira vez desde 1970 ficam pela primeira fase. Em 2002 na Coreia/Japão, Robert Waseige (ex-treinador do Sporting) passa a fase de grupos ao vencer a Rússia por 3-2, após empates com os japoneses e com a Tunísia. Nos oitavos perdem para o Brasil de Scolari por 2-0, e essa foi a última participação da Bélgica, que este ano regressa após uma longa renovação, e aos comandos do ex-avançado Marc Wilmots.
A selecção da Suíça participa este nao pela 10ª vez numa fase final de um mundial, o que parecendo impressionante, deve-se sobretudo à consistência dos helvéticos até aos anos 60, onde participaram em seis dos primeiros mundiais. Conhecida por "la nati" (de "natzionale", o que soa assim um bocado fascista), os suíços estrearam-se em mundiais em 1934, na vizinha Itália, vencendo na primeira ronda a Holanda por 3-2, perdendo nos quartos-de-final com a Checoslováquia pelo mesmo resultado. Quatro anos depois foi só atravessar a fronteira do outro lado até à França, e protagonizariam na primeira ronda um momento daqueles que constam do álbum de recordações dos mundiais. Com a Alemanha Nazi pela frente na primeira ronda (eles próprios também eram um bocado nazis, mas pronto), empatam a uma bola, sendo obrigados e um "replay", e onde num Parque dos Príncipes com 22 mil fãs a puxar por eles, venciam os rapazes do führer por 4-2. Reparem como os cabrões dos nazis aparecem de pata esticada antes do início da partida. Nos quartos-de-final perderiam com a Hungria por 2-0, que tal como os checos quatro anos antes, seriam finalistas vencidos. Em 1950 no Brasil ficam-se pela primeira fase, apesar de um excelente empate a dois golos em S. Paulo frente à equipa da casa.
Em 1954 organizam pela primeira vez, e até agora única, o mundial de futebol, e na primeira fase venceram a vizinha e rival Itália por 2-1, e depois de perderem 0-2 com a Inglaterra, voltaram a encontrar os transalpinos no "play-off" onde alcanåam uma goleada histórica de 4-1. Histórica seria ainda a derrota nos quartos-de-final frente à Áustria por 7-5, o tal jogo dos mundiais que mais golos teve, como já vimos acima neste artigo. Em 1958 "faltam à chamada" na Suécia, regressando em 62 no Chile e repetindo a presença em 1966 na Inglaterra, e em ambos os torneios sairam vergados pelo peso de três derrotas; italianos e alemães aproveitaram para se vingarem, com os primeiros a vencerem a "nati" por 3-0 no Chile, e os segundos a golearem por 5-0 os seus vizinhos monteses na Inglaterra. Seguia-se uma longa travessia do deserto, com seis mundiais sem a bandeira da cruz branca em fundo vermelho - igual à da Cruz Vermelha Internacional, só que com as cores trocadas.
Mas o país famoso pela relogoaria, pelos chocolates e pelo queijo, e que teve o engenho para inventar os canivetes multi-usos e os cubos de sopa, teve também o engenho para se reinventar, e nos anos 90 surgiria com uma geração de novos mundialistas. E para mal dos nosso pecados, também, pois na qualificação os suíços venciam o grupo europeu onde estavam também Itália e Portugal, deixando-nos novamente a ver o mundial pela TV - isto apesar de termos conseguido um empate fora e uma vitória em casa sobre a Suíça. Nos Estados Unidos, orientados pelo inglês Roy Hodgson, que este ano leva a Inglaterra ao mundial do Brasil, e com o avançado do Borussia de Dortmund, Stephane Chapuisat, como sua maior estrela, ficam no Grupo A com os Estados Unidos, Roménia e Colômbia. Depois de um empate na ronda inaugural frente aos norte-americanos, garantem o apuramento após uma goleada por 4-1 sobre os romenos, com dois golos de Adrian Knup, e mais um de Chapuisat e Alain Sutter. Já com pensamento na fase seguinte perdem com os colombianos por 2-0, e despedem-se nos oitavos com uma derrota por 0-3 com a Espanha. A Suíça ficaria ausente das fases finais em 98 e 2002, e deixam a sensação que a geração de 94 foi excepcional.
Só que depois de um apuramento para o Euro 2004 em Portugal, eis que a "nati" regressa aos mundiais dois anos depois, na Alemanha - nunca podiam faltar a uma prova onde pudessem simplesmente ir de autocarro. E é aí que protagonizam mais um episódio bizarro: são eliminados sem sofrer um único golo. Isso é fácil, diriam vocês, pois bastaria empatar todos os jogos da fase de grupos por 0-0. Mas não foi isso que aconteceu; depois de terem efectivamente empatado a zero frente à França no primeiro jogo do Grupo G, venciam o Togo e a Coreia do Sul por 2-0, terminando no primeiro lugar. Nos oitavos-de-final voltariam a empatar a zero com a Ucrânia, e com o empate a persistir após prolongamento, foram ao desempate na lotaria das grandes penalidades, e aí não conseguiram concretizar nenhum dos seus três remates, enquanto os ucranianos acertaram três. Mérito para o guardião Pascal Zuberbühler, que não só saíu da Alemanha sem ser batido uma única vez, que ainda defendeu o "penalty" apontado por Shevchenko na série de quatro com que os ucranianos afastaram a Suíça. Na África do Sul as coisas já não correram tão bem, e depois de uma vitória fantástica sobre a Espanha no jogo inaugural por 1-0, seguiu-se uma derrota com o Chile, também pela margem mínima, e um nulo frente às Honduras, que ditaram o afastamento na primeira fase. Agora no Brasil, com Ottmar Hitzfeld, que transita de 2010, a Suíça vai para o seu terceiro mundial consecutivo.
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