segunda-feira, 19 de maio de 2014
A caminho do Brasil: Diego Maradona, aliás, "Dios"
Maradona: um ícon quase "pop".
Diego Armando Maradona: um nome que coloca em sentido os argentinos em particular, e os adeptos do desporto-rei em geral. Indiscutivelmente o melhor jogador das últimas quatro décadas, para muitos Maradona foi o melhor jogador de sempre. Esta presunção abriu um debate, ainda actual, sobre quem foi realmente o melhor futebolista de todos os tempos, se Maradona, ou se o brasileiro Pelé. Cingindomo-nos aos números, parece evidente que Pelé, três vezes campeão mundial, colecionando muitos outros títulos, e autor de mais de mil golos, leva vantagem. Contudo, fazendo uma análise mais elaborada e seguindo outros critérios menos materializáveis, Maradona teve uma influência inegável no conceito do futebol moderno, no jogo de equipa, e as suas qualidades que o levavam a desequilibrar, a decidir um encontro apenas numa jogada, fazem dele uma espécie de "génio" do desporto-rei. Uma discussão que parece nunca mais ter fim, até porque se torna difícil fazer comparações entre jogadores que jogaram em épocas diferentes, em posições diferentes, e em cenários diferentes. A personalidade problemática do argentino, a sua conduta tida como um mau exemplo para os desportistas e para a juventude, são argumentos frequentemente usados pelos partidários de Pelé. Por seu lado os "Maradonistas" apontam para o facto de Pelé nunca ter jogado num campeonato europeu, e ter feito toda a sua carreira durante um período em que existia menos rigor defensivo. Este é um ponto em que parece que temos que concordar em discordar, mas se há quem fique impressionado com as imagens de Pelé como jogador, não fica indiferente à "magia" de Maradona. É um empate técnico, na minha opinião pessoal.
Maradona nasceu a 30 de Outubro de 1960 em Lanús, uma cidade alguns quilómetros a sul de Buenos Aires, mas foi criado em Villa Florito, um subúrbio pobre da capital argentina, juntamente com os seus irmãos mais novos Hugo e Raúl, que também se tornariam futebolistas profissionais. Com ascendência indígena, italiana, croata e espanhola, o seu apelido é originário da região de Calábria, na Itália. Demonstrando um jeito para brincar com a bola desde tenra idade, iniciou-se no futebol de competição em pequenos clubes de bairro, primeiro o Estrella Roja, aos oito anos, e depois os Los Cebollitas, onde despertou o interesse do Argentinos Juniors, um clube de maior dimensão em Buenos Aires. Tal como Pelé, foi pouco tempo antes de completar 16 anos que fez a sua estreia como profissional, na primeira equipa dos Juniors, e logo ficou claro que se estava na presença de um grande talento. Entre 1976 e 78 marcou 45 golos nos 84 encontros pelo seu clube, e aos 16 fez a sua estreia como internacional pela "albiceleste" num particular frente à Hungria. O selecionador César Luis Menotti ponderou convocá-lo para o mundial, que em 1978 se realizava na Argentina, mas achou que necessitava de mais experiência, e a Argentina acabou por ser campeã sem Maradona aos 17 anos - um ponto a favor de Pelé. Como consolação, seria convocado no ano seguinte para o mundial de juniores no Japão, onde a Argentina vencia na final a União Soviética por 3-1. Melhor jogador desse torneio? Penso que nem é necessário responder a essa pergunta.
Ausente em 78, Maradona seria convocado por Menotti para a defesa do título mundial em Espanha, no mundial de 1982. O craque que tinha levado esse ano o Boca Juniors ao título logo na primeira época após se transferir do Argentinos Juniors era já uma referência, e não era por acaso que ostentava já o nº 10 na camisola da "albiceleste". Após derrota contra a Polónia na estreia, os argentinos golearam a Hungria por 4-1, com um "bis" de Maradona, e assegurariam a passagem à fase seguinte com uma vitória por 2-0 contra El Salvador. Na segunda fase de grupos o sorteio ditou como adversários a Itália e o Brasil, provavelmente as duas melhores equipas do torneio, e e após derrotas por 1-2 contra os italianos, e 1-3 contra a "canarinha", a Argentina voltava para casa, mas Maradona regressaria à Espanha pouco depois, contratado pelo Barcelona.
Na Catalunha não teve a vida facilitada; primeiro contraíu hepatite, partiu um tornozelo após uma entrada criminosa do central do Athletic Bilbao, Andoni Goikotxea. Além disso eram frequentes os desaguisados com a direcção de Josep Lluis Nuñez, que no final da época de 1983/84 colocou-o na lista dos transferíveis. Quem aproveitou foram os italianos do Nápoles, uma equipa da última metade da tabela na Serie A, que fez com o argentino o seu maior investimento de sempre. Dos dois anos em Barcelona, Maradona registou 38 golos em 48 jogos, e venceu uma Taça do Rei. No Nápoles terminou a primeira época no oitavo lugar da Serie A, e em 1985/85 obteve um honroso 3º lugar, atrás da Juventus e do AS Roma.
Foi apenas natural que o selecionador Carlos Bilardo convocasse Maradona para o mundial de 1986 no México, que seria "o seu" mundial. Numa selecção onde tinha a companhia de nomes como Daniel Passarella, Jorge Valdano, Oscar Ruggeri, José Luis Brown ou Jorge Burruchaga, a Argentina de Maradona ficava intergrada no Grupo A, com a campeã mundial Itália, a Bulgária e a Coreia do Sul.
Os coreanos foram as primeiras "vítimas", com os sul-americanos a imporem-se por 3-1, e contra a Itália, partida muito aguardada, empate a um golo, com Maradona a marcar para os argentinos. A vitória 2-0 contra a Bulgária valia o primeiro lugar do grupo, e um encontro com o Uruguai nos oitavos-de-final, com Pasculli a marcar o único golo do encontro, que levaria a um "showdown" contra a Inglaterra nos quartos-de-final. A memória da Guerra das Malvinas, em 1982, estava bem fresca, e a rivalidade entre o futebol britânico, aéreo e "à antiga", e o futebol rasteiro e com primazia para os aspectos técnicos dos argentinos estava ao rubro. Maradona foi o carrasco da equipa de Bobby Robson, e depois de uma primeira parte sem golos, o minuto seis do segundo tempo entra para a história, quando o argentino marca o seu célebre golo com a mão, a tal "mão de Deus". O árbitro tunisino Ali Bin Nasser valida o lance, deixando os ingleses furiosos. Mas para provar que não foi por acaso, cinco minutos depois Maradona presenteia os ingleses com a jogada mais espectacular de sempre, fintando metade da equipa adversária e entrando praticamente dentro da baliza de Peter Shilton. Gary Lineker ainda reduzia a nove minutos do fim, mas o mundo estava rendido a Maradona, e pouco adiantava que os derrotados britânicos piassem. No final da partida Bobby Robson afirmou: "aquela não foi a mau de Deus, foi a mão de um patife". Com todo o respeito, sr. Robson, foi Deus. E Ele escreve direito por linhas tortas.
Depois do jogo que deixou o mundo a falar durante dias e dias, a Bélgica é o adversário nas meias-finais, e Maradona volta a mostrar que não há ali engano: dois golos, e vitória por 2-0. Antes da final, onde a Argentina chega cheia de graça, Maradona era já considerado o jogador do torneio, e o melhor jogador do mundo. Os belgas, mais do que satisfeitos por terem chegado a uma fase tão adiantada da prova, sentiam-se honrados por terem feito parte da saga de "Dios" por terras mexicanas.
A final seria apenas a confirmação da superioridade dos argentinos, mas o adversário era de respeito: a Alemanha Ocidental, orientada pela "raposa" Beckenbauer. Os jogadores alemães pareciam mais preocupados com Maradona, e deram-lhe um tratamento especial, mas mesmo assim o pequeno génio causava o pânico cada vez que tinha a bola nos pés. Brown adiantou a Argentina no marcador aos 23 minutos, e Valdano fazia o 2-0 aos 55. Os alemães tocaram a reunir, e com a eficácia que lhes é reconhecida chegariam ao empate, com golos de Rummenigge aos 74, e Völler aos 80. Mas enquanto festejavam a possibilidade de obrigar a Argentina a um prolongamento, vencendo os irrequietos "albicelestes" pelo cansaço, Maradona desenha a jogada com que Burruchaga bate Schumacher pela terceira vez, aos 83 minutos. Maradona levanta finalmente a Taça do Mundo, que parecia esperar por ele.
Os anos gloriosos de Maradona no Nápoles.
Depois da glória obtida no México, Maradona leva o Nápoles ao primeiro título italiano, em 1986/87. O ano seguinte as coisas correm menos bem, Maradona ressente-se de uma lesão e joga condicionado, e o Nápoles termina a liga atrás do Milão, e é relegado para a Taça UEFA. Mas há males que vêm por bem, e em 1988/89 o argentino ganha para os napolitanos o seu primeiro - e até ao momento único - título europeu, derrotando o Estugarda na final da UEFA, em duas mãos. Na época seguinte, o segundo título de campeão para o Nápoles, em vésperas do mundial de Itália. Por esta altura Maradona começaria a acusar os problemas que mais tarde o viriam a apoquentar seriamente. A sua amizade com a Camorra, a máfia napolitana, levavam-no a faltar aos treinos, ganhar peso, descurar a forma física, e pior do que isso, a consumir cocaína, uma paixão que o atleta repartiu com o futebol, mas com a qual não era compatível. Idolatrado em Nápoles, odiado por uns e admirado por outros no resto do país, Maradona era no entanto respeitado por todos, e com a Argentina a apresentar-se como uma das principais ameaças à "squadra azzurra", existia um sentimento misto de amor e ódio pelo eterno nº 10.
Seria em Itália que Maradona reencontraria uma das suas "nemesis", o guardião croata Tomislav Ivkovic, na altura ao serviço do Sporting, em Portugal. Depois do escândalo no jogo de abertura, com uma derrota frente aos Camarões, a Argentina reencontrou-se na partida seguinte, batendo a União Soviética por 2-0, e finalmente "acordando" um empate com a Roménia a um golo, que lhe valeu a passagem aos oitavos, onde venceu o Brasil com um golo de Caniggia. Nos quartos-de-final a Jugoslávia, ainda unificada, obrigou a um nulo, e à decisão na lotaria das grandes penalidades. Maradona apanhava pela frente Ivkovic, que na primeira eliminatória da campanha vitoriosa na UEFA quase dois anos antes apostou que defendia um "penalty" seu, depois de Sporting e Nápoles serem obrigados a desempatar por esse método, depois de dois empates sem golos. No San Paolo o croata ganhou a aposta, mas mesmo assim o Sporting seria eliminado, e desta feita a história repetiu-se: o guardião chegou perto de Maradona, apostou novamente que defendia o seu "remate", e assim o fez - mas a Jugoslávia perdeu. O astro argentino saía com um sorriso amarelo, e Ivkovic ficava com uma história para contar aos netos. Nas meias-finais em Nápoles, na dramática meia-final com a anfitriã Itália, a sorte voltaria a sorrir aos argentinos nos "penalties", e desta vez Maradona não falhou, mas na final, e sempre assobiado pelos "tiffosi", acabava a sorte da Argentina, e a Alemanha festejava o seu terceiro título mundial.
Desavindo com o público italiano, Maradona cumpria uma última época pelo Nápoles em 1990/91, jogando a meio-gás e sempre alvo de polémicas, com os rumores que davam conta de uma eventual dependência da cocaína a acentuarem-se, e segue-se um ano sem jogar, com o pretexto de lesão. Para o proteger a si e à sua família, resolve regressar a Espanha, jogando uma época pelo Sevilha, mas o seu feitio rebelde foi mal recebido pelos dirigentes andaluzes, e regressa então à Argentina, onde alinha pelos Newell's Old Boys, de modo a assegurar uma forma física que o permitisse participar num quarto mundial, desta feita nos Estados Unidos. Um pouco mais pesado mas genial na mesma, Maradona leva a Argentina à vitória contra a Grécia no jogo inaugural, e contra a Nigéria faz o seu 21º e último jogo em fases finais de campeonatos do mundo, saboreando mais uma vitória, desta feita por 2-1. A equipa das pampas seria apanhada de surpresa logo de seguida, com um controlo anti-doping feito a Maradona a revelar indícios de consumo de cocaína. O astro é expulso do torneio, a Argentina perde o último jogo do grupo frente à Bulgária por 2-0, e é afastada nos oitavos-de-final pela Roménia por 3-2. Os soldados estavam perdidos sem o seu general; era o fim da era Maradona para a Argentina.
Em nome do pai, do filho, e do Maradona santo.
Depois de levantada a suspensão, Maradona jogaria mais três anos pelo "seu" Boca Juniors, clube onde é elevado ao estatuto de divindade. Contudo a dependência da cocaína falou mais alto, e o jogador foi obrigado a terminar a sua carreira em 1998, aos 37 anos, e passar por uma cura de desintoxicação. Foram os tempos mais difíceis da vida de uma das maiores figuras da história do desporto, e Maradona chegou a estar à beira da morte. Foi também a época mais "groovy" do génio, com a amizade do ditador cubano Fidel Castro a ser bastante publicitada pela imprensa, a tautage de Che Guevara, as recaídas, o excesso de peso, mil e uma razões para a imprensa cor-de-rosa e os "paparazzi" não largarem Maradona. E se na Argentina o seu estatuto era de semi-deus, em Nápoles a divindade era completa, com a fundação da "Igreja de Maradona", onde se realizavam missas, baptizados, e até existiam mandamentos. Um verdadeiro fenómeno.
Recuperado da dependência do pó e da obesidade - neste último caso graças a uma sonda instalada no estômago - Maradona volta ao futebol, primeiro como aficionado da selecção Argentina, misturando-se com os fãs no apoio à "albiceleste" no mundial da Alemanha, e finalmente assumindo o cargo de selecionador na campanha para o mundial de 2010 na África do Sul. Depois de uma qualificação atribulada, com o perigo de falhar a presença em África bem real, a Argentina acaba mesmo por se qualificar, e numa célebre conferência de imprensa, Maradona diz aos críticos "que a chupem, e que a continuem chupando". Polémico, como é do seu timbre, Maradona levou os argentinos ao mundial, e acabaria humilhado nos quartos-de-final frente à Alemanha, com uma derrota de 4-0, Mas disso falaremos a seguir.
A vida deste homem, que dos bairros pobres de Buenos Aires encantou o mundo com a bola que lhe parecia colada aos pés, as fintas estonteantes, as mudanças de velocidade, e os "truques" que ainda hoje levam os ingleses e outros ressabiados a chamá-lo de batoteiro, dava um filme. Mas esperem: foi feito um filme sobre Maradona, e nisso ele e Pelé têm algo em comum. A ideia foi do inovador realizador croata Emir Kusturica, que em 2009 realizou um biópico sobre o jogador, que ainda por cima...
...tinha banda sonora de Manu Chao. E é assim Maradona: controverso e apaixonante. Y que la sigan chupando!
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