terça-feira, 20 de maio de 2014
A caminho do Brasil: celestes, só nas cores
Hoje chegou a vez de falar do Uruguai, o primeiro campeão mundial de futebol. Os "charrúas", como são conhecidos, ou "celestes", devido à cor da sua camisola, azul da cor do céu, têm um registo invejável em campeonatos do mundo de futebol e em competições continentais, nomeadamente a Copa America, atendendo à sua dimensão. Das 11 participações em mundiais, os uruguaios têm no currículo dois títulos e três outras participações em meias-finais. Vamos ver como se podem fazer saborosas omeletes com poucos ovos.
A localização geográfica do Uruguai: pequeninos, pequeninos, ali por baixo do gigante Brasil.
O Uruguai, para quem não sabia disto ainda, são a nação menos populosa do mundo de entre as sete que já se sagraram campeãs mundiais, e também a mais pequena em área. Com apenas 3,3 milhões de habitantes, um terço da população portuguesa, os uruguaios orgulham-se de ter sido bi-campeões mundiais. Pode-se dizer que foi tudo uma questão de "timing", pois a diminuta nação sul-americana teve a sua "geração dourada" num tempo em que o futebol ainda caminhava a passo lento para a indústria lucrativa que é nos dias de hoje, onde a profissionalização do espectáculo das massas é uma realidade que não se coaduna com heroísmos. E falando de "heroísmo", o Uruguai é um bom exemplo de como a supremacia do David sobre o Golias nem sempre é acidental.
Os primeiros campeões mundiais.
Campões olímpicos em 1924 e 1928, os uruguaios eram quem dominava o futebol internacional na altura em que a FIFA resolveu criar um torneio que desse primazia ao desporto-rei sobre as restantes modalidades. Daí que não fosse nenhuma surpresa que o primeiro mundial fosse disputado exactamente no Uruguai, decisão tomada numa reunião do orgão máximo do futebol mundial realizada em Barcelona, em Agosto de 1929. Para o torneio foi construído em Montevideu o Estádio Centenário, e as selecções participantes foram escolhidas por convites. Estando a aviação civil pouco desenvolvida na época, muitas selecções de outros continentes além do americano recuusaram-se a participar, ora por motivos económicos, ora por motivos de logística. Daí que das treze selecções que disputaram o torneio, nove fossem do continente americano (sete da América do Sul, mais Estados Unidos e México), e apenas quatro europeias - França, Jugoslávia, Bélgica e Roménia. O Uruguai dominou a seu bel-prazer, vencendo o Perú por 3-1 e a Roménia por 4-0 na fase de grupos, e depois de uma goleada por 6-1 sobre a Jugoslávia, bateram na final a Argentina por 4-2. Os "celestes" tornavam-se os primeiros campeões mundiais, ou como eles próprios se orgulhavam de dizer, "tri-campeões", uma vez que o torneio olímpico de 1924 e 1928 "contava" como título mundial.
Os uruguaios recusariam participar dos mundiais de 1934 e 1938, realizados na Europa, mas regressariam no pós-guerra, no torneio realizado no Brasil, onde protagonizariam o célebre "Maracanaço" (ver primeira peça desta rubrica, aqui). Depois de dois títulos em duas participações, decidiam finalmente viajar até ao continente europeu, aproveitando o facto de não necessitarem de se qualificar - uma regra entretanto introduzida pela FIFA para os campeões mundiais em título. Na Suíça, e com vários jogadores campeões em 50, entre eles o heróico capitão Obdulio Varela, e o homem golo da equipa, Juan Alberto Schiaffino. Puxando dos galões, os sul-americanos passaram facilmente a fase de grupos, derrotando a Checoslováquia por 2-0, e esmagando a Escócia por 7-0. Nos quartos-de-final superiorizaram-se à Inglaterra, uma das favoritas, por 4-2, e foram finalmente afastados nas meias-finais pela super-Hungria, de Puskas, Kocsis e companhia, também por 4-2, mas nunca sem luta; os "magiares" foram obrigados a um prolongamento de 30 minutos. No jogo para o 3º lugar, nova derrota com a Áustria por 1-3. O Uruguai provava o sabor amargo da derrota, e isso viria a ser sintomático a partir de então.
O quarto lugar de 54 seria o último suspiro da geração de 50 do Uruguai. Depois de falharem a qualificação para o mundial seguinte, na Suécia, tiveram uma participação discreta em 1962, no Chile, ficando pela fase de grupos. Após uma vitória frente à Colâmbia por 2-1, não resistiram à pujança do futebol do leste europeu, perdendo 1-3 com a Jugoslávia, e 1-2 com a União Soviética. Para 1966, no mundial de Inglaterra, os uruguaios confiavam na nova geração de atletas liderados pelo técnico Ondino Viera, e onde a maior estrela era Pedro Rocha, o avançado que mais tarde como treinador orientaria o Sporting de Jorge Gonçalves, sendo despedido após poucos meses. Integrados no grupo da equipa da casa, os "celestes" obrigariam os ingleses a um empate a zero no jogo inaugural, e de seguida venciam a França por 2-1, garantindo a qualificação com outro 0-0 frente ao México. Nos quartos-de-final seriam goleados por 4-0 frente à Alemanha, mas deixariam boas indicações para o mundial seguinte, e não desiludiram.
Assim em 1970, no México, a equipa que vinte anos antes tinha chocado o mundo do futebol vencendo o Brasil no Maracanã e sagrando-se bi-campeã mundial dizia "presente". Treinados por Juan Hohberg, capitaneados por Pedro Rocha, e com uma linha avançada onde brilhava um Espárrago que não era vegetal, os uruguaios começavam a adaptar-se à nova realidade do futebol, tornando-se uma equipa que antes de jogar para ganhar, preocupava-se antes em não perder. Na fase de grupos a estreia foi contra a inocente selecção de Israel, com a vitória por 2-0 a ser caminho andado para os quartos-de-final. No segundo jogo, empate a zero com a Itália, numa partida que mais parecia um concurso de mergulho para a relva, e nem a derrota com a Suécia por 0-1 impediu os "celestes" de seguir em frente, graças a um melhor "goal-average" que os nórdicos. Nos quartos-de-final, jogo de nervos com a União Soviética, e o tal Espárrago, de primeiro nome Victor, marcaria o único golo do desafio a três minutos do final do prolongamento. A "aventura" terminaria frente ao Brasil de Pelé, com uma derrota por 1-3, e nem ao pódio esta nova versão "dura" do Uruguai chegaria, após derrota com a Alemanha Ocidental por 0-1. Ficava para a história o melhor resultado desde 1950.
Seguia-se uma verdadeira travessia do deserto para os bi-campeões mundiais. Em 1974 na Alemanha tiveram a pior participação de sempre, ficando pela fase de grupos após derrota com a Holanda por 0-2, empate a uma bola com a Bulgária, e uma humilhante derrota por 3-0 frente à Suécia. Com a zona de qualificação sul-americana cada vez mais competitiva, e um número ainda reduzido de vagas, o Uruguai falha os mundiais de 1978 e 1982, regressando finalmente em 86, no México. A presença ficaria longe de ser memorável, pois após um prometedor empate a um golo contra a Alemanha Ocidental, vinha a maior humilhação de sempre, com uma goleada de 6-1 imposta pela estreante Dinamarca. O empate a zero com a Escócia no terceiro jogo valeu a passagem aos oitavos-de-final como um dos melhores terceiros, mas apenas incidentalmente. Nessa fase defrontariam a viinha Argentina, e apesar de darem o seu melhor, perderiam com um golo de Pasculli, aos 42 minutos.
Enzo Francescoli, uma das poucas estrelas do Uruguai dos anos 80.
Chegava o mundial de 1990, na Itália, e os uruguaios tinham aquela que consideravam a sua melhor equipa em muitos anos, onde tinham nomes como Ruben Sosa, Ruben Paz, Daniel Fonseca, Jose Herrera, e a estrela da companhia, o capitão Enzo Francescoli, uma das coqueluches dos franceses do Marselha. O torneio final seria uma esturcha defensiva, ideal para os uruguaios, e depois de um nulo frente à Espanha feito "à medida", a "celeste" voltava à Terra com uma derrota por 1-3 contra a ofensiva Bélgica. A vitória por 1-0 contra a Coreia do Sul valeu a passagem como um dos melhores terceiros, mas a guia de marcha seria dada logo a seguir em Roma, frente à anfitriã Itália, que "devorou" os tenrinhos sul-americanos com dois golos sem resposta. Seguiu-se mais um jejum, com ausências em 1994 e 1998, e uma participação para esquecer em 2002, na Coreia e no Japão. A geração de Alvaro Recoba, maior referência da primeira década do século XXI, ficara no grupo da campeã mundial França, do estreante Senegal, e da Dinamarca, de má memória. Depois de uma derrota inicial com os dinamarqueses por 1-2, o empate a zero com os franceses devolvia alguma esperança, mas um novo empate a três golos, desta vez com os senegaleses, não seria suficiente para seguir em frente. Como castigo, os uruguaios voltariam a ficar em casa no mundial seguinte, em 2006, na Alemanha.
E eis que a "celeste" recupera as suas cores em África. Sebastian Abreu e Diego Forlán eram os únicos "sobreviventes" de 2002, e este último viria a ser recompensado pela teimosia, tornando-se no melhor marcador do torneio, e o lote de jogadores prometia, com Luis Suarez, Jorge Fucile, Diego Lugano, Edison Cavani, Alvaro Pereira, Maxi Pereira e Martin Caceres a constar da lista final de Oscar Tabarez, o treinador que em 1990 tinha levado o Uruguai pela última vez além da fase inicial. O grupo parecia complicado, novamente com a França, além da equipa da casa, a África do Sul, e o México, especialista em passar das fases de grupos. A França estava outra vez em ano não, e o Uruguai repetiria o nulo de oito anos antes, mas uma vitória por 3-0 frente aos sul-africanos providenciou uma dose de estamina que vinha faltando nas participações anteriores. Depois de mais uma vitória sobre o México por 1-0 e o primeiro lugar do grupo assegurado, veio outro triunfo frente aos sul-coreanos por 2-0 nos oitavos, e o Uruguai vencia três jogos numa fase final de um mundial pela primeira vez desde o memorável ano de 1950, no Brasil. A partir daqui começou a complicar-se a tarefa, e foi com a ajuda dos deuses da fortuna que os sul-americanos venceriam o Gana na lotaria dos "penalties", já nos quartos-de-final, com os africanos a claudicar mesmo na ponta final, falhando os dois últimos remates, quando o falhanço de Maxi Pereira já deixava antever a primeira equipa do continente africano a chegar a umas meias-finais de um mundial. Nas meias-finais foi o "vai-ou-racha", e numa partida emocionante, os uruguaios cediam frente à Holanda por 2-3, repetindo esse resultado no jogo para o 3º lugar contra a Alemanha. A "celeste" voltava a demonstrar um futebol de qualidade, e sairia da África do Sul aplaudida pelo seu jogo espectacular e com o sentido no golo, e não nas pernas do adversário. Este ano no Brasil Tabarez vai tentar outra vez, e o Uruguai vai novamente marcar presença.
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