quarta-feira, 16 de abril de 2014
Vou-me embora, vou partir
Um jornalista independente dinamarquês deu um autêntico "murro na mesa" ao desistir de fazwer a cobertura do mundial de futebol deste ano, que se realiza, como se sabe, no Brasil. Mikkel Keldorf Jensen até andou a aprender português nos últimos dois anos para assim poder apreciar melhor a experiência de acompanhar a festa do futebol, e no país do futebol, mas acabou por ficar a saber mais do que queria. Jensen diz-se chocado com o que viu em Fortaleza, cidade turística do estado do Ceará, onde o conluio entre o mundo do crime e as autoridades oferece uma espécie de "paraíso" a "gringos" - nome que os brasileiros dão aos estrangeiros, especialmente aos norte-americanos - à custa por vezes da vida de crianças pobres e em situação de risco. O jornalista diz agora que viu o sonho desfeito, volta para a Dinamarca e promete não voltar mais ao Brasil. E no Brasil a notícia teve algum impacto, e apesar das opiniões se dividirem, os brasileiros sentem-se feridos no orgulho. Na página de Jensen no Facebook uma brasileira questiona: "se você é jornalista, e independente, porque não permanece no Brasil e faz uma reportagem investigativa denunciando ao mundo esta crueldade?", apelando ao "papel social do jornalismo". E não é assim mesmo? Às vezes virando as costas e não dizendo nada, fica praticamente tudo dito. Eis a missiva deixada por Mikkel Keldorf Jensen, no original e na íntegra:
MIKKEL KELDORF JENSEN
Quase dois anos e meio atrás eu estava sonhando em cobrir a Copa do Mundo no Brasil. O melhor esporte do mundo em um país maravilhoso. Eu fiz um plano e vim estudar no Brasil. Aprendi português e estava preparado para voltar.
Voltei em setembro de 2013. O sonho seria cumprido. Mas hoje, dois meses antes da festa da Copa, decidi que não vou continuar aqui. O sonho se transformou em pesadelo.
Durante cinco meses fiquei documentando as consequências da Copa. Existem várias: remoções, Forças Armadas e PMs nas comunidades, corrupção, projetos sociais fechando. Descobri que todos os projetos e mudanças têm como objetivo pessoas como eu – um gringo e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar.
Em março, estive em Fortaleza para conhecer a cidade mais violenta a receber um jogo de Copa do Mundo até hoje. Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da rua e fiquei sabendo que algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando estão dormindo à noite em áreas com muitos turistas. Por quê? Para deixar a cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim?
Em Fortaleza eu encontrei Allison, 13 anos, que vive nas ruas. Um cara com uma vida muito difícil. Ele não tinha nada – só um pacote de amendoins. Quando nos encontramos ele me ofereceu tudo o que tinha, ou seja, os amendoins. Esse cara, que não tem nada, ofereceu a única coisa de valor que tinha para um gringo que carregava equipamentos de filmagem no valor de R$ 10.000 e tinha um MasterCard no bolso. Inacreditável.
Mas a vida dele está em perigo por causa de pessoas como eu. Ele corre o risco de se tornar a próxima vítima da limpeza que acontece em Fortaleza.
Eu não posso cobrir esse evento depois de saber que o preço da Copa não só é o mais alto da história em reais e centavos – também é um preço que, estou convencido disso, inclui vidas de crianças.
Hoje, vou para a Dinamarca e não voltarei para o Brasil. Minha presença só está contribuindo para um desagradável show. Um show de que eu, dois anos e meio atrás, sonhava participar. Mas hoje eu vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para criticar e focar no preço real da Copa do Mundo do Brasil.
Alguém quer dois ingressos para o jogo entre França e Equador no dia 25 de Junho?
Parece que a história é mentira!
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