domingo, 27 de abril de 2014

Screw you guys (I'm going home)


E é assim meus caros, acabou a festa. Hoje, e oficialmente, deixo a zona do Tarrafeiro, lugar a que chamei de casa durante os últimos dois anos e meio, e regresso em definitivo e sem "mas" a S. Lourenço, onde pertenço (isto foi para rimar). O homem sonha, a obra nasce, mas às vezes Deus não quer e a obra vai por água abaixo. Um homem tem as suas coisas, este foi cheirar as flores, já comeu e bebeu, está satisfeito, e agora nas palavras do imortal Eric Cartman: Screw you guys, I'm going home - "vão-se lixar pessoal, que eu vou para casa". E vou mais experiente, mais sabedor, menos inocente. Como é a "vida malvada"? Fui ver, era a neve. Quer dizer, fui ver e achei piada, é giro, e tal, mas não me enche as medidas. Guys...home! Fica aqui este último registo, de uma imagem recolhida esta tarde no Pátio do Socorro, onde vivi desde Julho passado. Saudades? Vai continuar lá no mesmo sítio, é ou não é? É só ir lá espreitar, se me der na gana.

Não vou dizer que saio derrotado; prefiro aplicar o velho ditado popular "bom filho à casa torna". A liberdade tem um preço, e o mais difícil de pagar é o do compromisso, daquilo que se deixa para trás. Não sou um celibatário, tenho responsabilidades, e no usufruto daquela liberdade em que ousei atirar-me de cabeça, entregando-me aos prazeres furtivos da carne, do peixe e da fruta, senti-me sempre amarrado, constrangido. É como se fosse um petiz a ir nadar para a zona sem pé da piscina mas preso por uma bóia. E sai caro. Sim, estou a falar de "chin-chin". As rendas, o custo de vida, a vida do custo...é chato querer andar por aí a exibir o charme dos meus quase quarenta anos a fazer contas de cabeça. Que se lixe, pá: está visto. Agora vou para casa, para os meus.

E que saudades tinha eu de casa! Como mudou, como cresceram as pessoas, por dentro e por fora. Não houve um único dia que não tivesse pensado neles, caraças. É uma merda estar ali um gajo a querer respirar os ares da liberdade, do "laissez faire", da independência, e ter aquela voz da consciência a sussurrar no ouvido, como um grilo falante para o Pinóquio. Sentia-me às vezes como aquele preso encarcerado na ala de segurança máxima, e a quem lhe davam quinze minutos por mês para ir até ao pátio ver o céu e escutar os passarinhos. Respirava fundo, três, quatro, dez ou vinte vezes, e o cabrão do guarda dava o toque a dizer que estava na hora, e eu irritado dizia-lhe "só mais um bocadinho...tem dó, seu sacana sem coração". Mas tenho sorte, não me posso queixar; no meu caso chovia sempre, no pátio desta prisão, que no fundo é uma gaiola dourada.

Agora estou de volta à morna sopinha do quotidiano. Acabaram-se as loucas aventuras, os dias que chegavam ao fim sem se saber o epílogo, a surpresa ao virar da esquina, os encontros casuais com desconhecidos, precisar de ler as suas intenções, saber o que tinham para oferecer como forma de maximizar a experiência que era viver sozinho. "Bateste de frente?" - perguntarão alguns. Sim, talvez, mas fui para o Céu. Estive lá com os anjinhos, bati à porta de Deus, o patrão, e perguntei-Lhe: "não gosto disto, posso ir para casa?". Ele nem respondeu, estava ocupado a escrever a lista das alminhas a convocar essa semana, e apenas abanou a mão como quem me enxota e diz "vai, vai e não me chateies". E eu fui. O resto saberão com o tempo. A seu tempo. Screw you guys, I'm home.

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