segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Os sons dos 80: Peter Gabriel


Peter Gabriel, acabado de sair dos Genesis, pensava no que ia fazer da vida.

Se falei aqui a semana passada de Phil Collins, seria injusto não falar de Peter Gabriel, o primeiro vocalista dos Genesis. É difícil comparar os dois em termos de contributo para a música nos anos 80, uma vez que Collins obteve indiscutivelmente maior sucesso em termos de popularidade, enquanto Peter Gabriel inseria-se num estilo mais erudito, mais difícil de gostar facilmente. Nascido em Inglaterra em 1950, foi membro-fundador dos Genesis, em 1967, e era a sua força motriz. Era conhecido pela teatralidade que dava às canções em concerto, e depois da sua saída em 1974 não chegou a ser encontrado um substituto - Phil Collins ficou encarregado da voz do grupo. Da carreira a solo de Gabriel, há uma curiosidade interessante: os seus primeiros quatro álbums não tinham título, e nas capas lia-se apenas "Peter Gabriel". Os fãs baptizaram os discos com elementos que apareciam na capa, e assim ficaram a ser conhecidos por "Car", "Scratch", "Melt" e "Security". Quem não se quis dar ao trabalho chamou-lhes apenas de Peter Gabriel I, II, III e IV. Do seu primeiro registo a solo, de 1977, saíu o single "Solsbury Hill", que se viria a tornar num dos seus clássicos, e seria gravado mais tarde pelos Erasure. O segundo trabalho, em 1978, não produziu qualquer single, mas valeu-lhe a estreia no top-10 do Reino Unido.


De na década de 70 Peter Gabriel provou o doce sabor da fama com os Genesis, partiu para uma carreira a solo onde ainda se procurava afirmar, e os anos 80 colocavam-se como um novo desafio, e era importante trabalhar muito - e investir, também. Foi o que o cantor fez para o seu terceiro album, onde contou com convidados de peso. Robert Fripp, dos King Crimson, Paul Weller, dos The Jam, o saxofonista jazz Dick Morrissey e o ex-colega dos Genesis Phil Collins foram alguns dos colaboradores, e a jovem diva Kate Bush ainda deu a sua voz aos coros em dois dos temas. A produção ficou a cargo de Steve Lillywhite, o tal que também produziu os U2, Pogues e outros, e com tudo isto Peter Gabriel chega ao nº 1 do top de álbums do Reino Unido. A nova década não podia ter começado melhor, sem dúvida. Os singles mais conhecidos foram este "Games Without Frontiers" (nº 4 no R.U.) e "Biko", um hino anti-apartheid que é a última faixa do disco. Steven Biko era um activista sul-africano e membro do ANC que tinha sido detido e brutalmente agredido pela polícia dois anos antes, e a homenagem de Gabriel seria um dos temas fortes dos festejos do fim da segregação racial na África do Sul, anos depois.


Em 1982 sai o quarto álbum, o último dos homónimos de Peter Gabriel, que chega a nº 6 no Reino Unido e continha o single "Shock the Monkey". No ano seguinte, como que fechando um ciclo, grava um disco ao vivo, e em 1985 faz a banda sonora para o filme de Alan Parker, "Birdy". O assalto aos tops só se daria novamente em 1986, e é com o seu quinto trabalho de originais que Peter Gabriel atinge o pique da sua carreira. Em "So", assim se chamava o novo registo, o músico alterna o seu som experimentalista e sombrio com temas mais comerciais, mais "radiofónicos". Contando novamente com uma mãozinha de alguns amigos, entre eles Youssou N'Dour nos coros, o disco chega a nº 1 em vários países, entre eles o Reino Unido, e a nº 2 da Billboard nos Estados Unidos, onde vendeu cinco milhões de cópias. Quem regressa também é Kate Bush, já com uma respeitável carreira, e que faz um dueto memorável com Gabriel. "Don't Give Up" é um dos momentos altos da "pop" dos anos 80, e que ainda hoje continua a parecer novo, sempre actual.


Outros singles de "So" foram "Big Time" e este "Sledgehammer", que viria a ser um golpe de génio da parte de Peter Gabriel. Sempre atento a outras sonoridades e facilmente inspirável por tudo o que era diferente, escreve um tema com um som "soul", a lembrar os clássicos da Motown, e ao mesmo tempo "pop", com um cheirinho a "new wave" - houve quem lhe chamasse qualquer coisa entre "Superstition", de Stevie Wonder, e "Heroes", de David Bowie. A letra é malandreca, cheia de conotações sexuais e referências ao coito, à ejaculação e à reprodução - o refrão é "I wanna be your sledgehammer", ou seja "quero ser o teu camartelo". Agora tirem as devidas conclusões. Talvez pouca gente tenha reparado enquanto se entretia com o vídeo do tema, uma super-produção cujo resultado é provavelmente o melhor "videoclip" da história. "Sledgehammer" foi o primeiro - e até agora único nº 1 de Peter Gabriel na Billboard, recebeu três nomeações para os Grammys de 1987 e é o vídeo musical mais passado de sempre na MTV. Ah e mais: ao chegar a nº 1 da Billboard destronou o single "Invisible Touch", da sua ex-banda Genesis, e que só lá tinha chegado uma semana antes. Chupa que é cana doce, Phil Collins.


E no que diz respeito às contas dos anos 80, Peter Gabriel estava de barriga cheia. Segue-se um período de descanso, saboreando os louros da vitória, e o regresso só se daria em 1989, com a banda sonora do polémico filme de Martin Scorsese, "A última tentação de Cristo", que Gabriel aproveita para se aventurar na "new age" e na "world music". Em 1990 sai a colectânea "Shaking the Tree", que reúne temas dos seus dez anos de carreira a solo, entre eles "Biko", que havia sido reeditado em 1987 para o filme "Cry Freedom", onde Denzel Washington faz o papel do malogrado activista. Interpreta o tema ao vivo em Joanesburgo aquando do fim do apartheid na África do Sul, onde é um dos convidados de honra. Como tudo tinha mudado em vinte anos; de excêntrico vocalista dos Genesis, em cima do palco vestido de Brittania, com plumas e armaduras, a embaixador da paz e da boa vontade, ombro-a-ombro com os líderes mundiais.



O regresso aos albums de originais só se daria em 1992, com "Us", que não obtém o mesmo sucesso de "So", mas também tem um desempenho positivo nos "charts". Mais uma vez Gabriel aposta no suporte visual para os singles do seu novo trabalho, desta feita "Digging in the dirt" e "Steam". Depois disto o músico abrandou o ritmo - a idade não perdoa - e deu-se um hiato de dez anos (!) até "Up", o seu disco seguinte de originais, de 2002, e mais oito até "Scratch my Back", de 2010, o primeiro título de um álbum seu que não consiste apenas de um monossílabo, mas que não contém trabalho seu - é um disco de "covers" de outros artistas. Em 2011 sai "New Blood", uma colectânea de temas da sua carreira re-gravados com uma orquestra - Peter Gabriel sinfónico, senhoras e senhores - e em 2012 lança a edição comemorativa do 25º aniversário de "So", uma edição dupla que contém algumas raridades que ficaram de fora da edição de 1987. Quanto a novidades, vai regressar este ano com um novo registo composto de novo material, e qua já tem título: "I/O" - aguarda-se com expectativa. Peter Gabriel pode não ser um nome com as novas gerações se identifiquem, mas é um gajo fixe, e nem se importa muito com isso. Por todas as razões mencionadas acima, lá está.

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