sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
Os sons dos 80: os neo-românticos (a new wave)
O neo-romanticismo foi um movimento social da cultura pop que surgiu no Reino Unido em finais da década de 70 e inícios de 80, tendo o seu pique no ano de 1981. Com a decadência do "punk" (ou a decadência da decadência, portanto), e uma Grã-Bretanha de cara lavada com o sabão do Thatcherismo, deixou de estar na moda andar roto, sujo e esgadelhado, e passou a ser "in" andar bem vestido, limpinho, com o cabelo penteado com "gel" - ou seja, surgiu o grupo que em Portugal designámos por "betinhos". Como sempre foram os clubes nocturnos londrinos a mostrarem o caminho que o mundo devia seguir, e a música que lá se ouvia era a "new wave", um som também ele limpinho, onde se dava primazia ao uso de sintetizadores, com letras mais conformistas que falavam sobretudo de amor - não fossem eles "neo-românticos", como o nome indica. Quer se goste ou não de "betinhos", alguns destes grupos foram bastante inovadores, trazendo à "pop-rock" a sonoridade que tem hoje. Entre alguns que foram pioneiros no género e passaram a gozar de um maior sucesso com a moda "new wave", e outros novatos que também apanharam a "wave" (eh, eh), tivemos momentos muito interessantes da parte de grupos com muita qualidade. É de alguns destes que vou falar hoje. Portanto amarrem a vossa camisolinha da Benetton à cintura, passem um "coche" de gel no cabelo e calçem os vossos sapatinhos de vela. Vamos a isto.
Pode-se dizer que os pioneiros do género foram David Bowie (que anda mesmo a pedir que eu fale dele, o rabeta) e os Roxy Music, liderados pelo inconfundível, incomparável, irrestível Bryan Ferry, que era um tipo que acordava todas as manhãs com o penteado que viria a estar na moda na semana seguinte, e não saía de casa com roupa que tivesse um vinco fora do sítio. Ferry fundou os Roxy Music em 1971 com um tal Brian Eno, que não canta mas tem o nome inscrito em alguns dos mais célebres (e lucrativos) projectos musicais da década de 80 e seguintes. Inicialmente eram vistos como uma contra-corrente ao aparecimento do movimento "punk" - para quê combater o sistema quando se pode ficar em casa a ler Baudelaire ao som dos Roxy Music, e da voz melosa de Bryan Ferry? E de facto este "frontman" tinha uma voz que fazia encaracolar as unhas dos pés das senhoras. Quando apareceu o "new wave", os Roxy Music rapidamente deixaram o mundo saber: "era isto que nós estávamos a tocar há anos, pá!", e quando chegaram dúzias de grupos a fazer o mesmo, decidiram retirar-se, como quem diz "assim já não brincamos mais". Oito discos de originais, e o último dele em 1982, "Avalon". Deste registo, um dos mais bem sucedidos do grupo (nº 1 no Reino Unido durante três semanas) destacam-se o homónimo "Avalon" e o mui charmoso "More Than This", com Bryan Ferry no seu melhor.
Um dos grupos a que se atribui o sucesso inicial da "new wave" são os pouco conhecidos ou quase esquecidos Visage, cujo vocalista era um tal Steve Strange (?!), que vendo bem, o nome assenta-lhe que nem uma luva. Contudo, e enquanto Strange reforçava a ambiguidade sexual da banda em particular e da "new wave" em geral, a força criativa por detrás dos Visage era um tal Midge ure, que fez parte de bandas como os Misfits e Thin Lizzy, acabaria por formar mais tarde os Ultravox, e ainda idealizou o Band Aid, o Live Aid e o Live 8 ao lado de Bob Geldof. O tema mais conhecido dos Visage é este "Fade to Grey", do seu álbum homónimo de 1980, e que chegou a nº 8 no Reino Unido, mas liderou a tabela de discos mais vendidos em países como a Alemanha e a Suíça.
Agora falemos de quem fez realmente muito dinheiro com esta brincadeira. Os Duran Duran, por exemplo, uma banda de que já falei quando a propósito de uma videoclip malandreco que fizeram no início de carreira. Este grupo fundado em 1978 em Birmingham, e que estendeu a sua popularidade até meados dos anos 90 - são os "dinossauros" da "new wave", por assim dizer - tinha na voz o carismático Simon Le Bon, um daqueles tipos que apesar de nos dar vontade de o sujar de lama, temos que reconhecer nele algum, ahem, "encanto". Nick Rhodes era o parceiro de Le Bon no departamento da escrita e composição das canções, que resultaram em 14 singles no top-10 do Reino Unido, e 21 no top-100 da Billboard. Um dos temas mais conhecidos é este "Rio", do álbum de 1982 com o mesmo nome. Os Duran Duran foram convidados para fazer o tema original do filme "A View to a Kill", da série James Bond, 007, e gozaram de alguma simpatia nos anos 90 graças ao album "The Wedding", onde renovaram o seu reportório, adaptando a "new wave" para o fim do século. No entanto fizeram em 1995 um disco composto inteiramente de "covers" de canções de outros artistas, intitulado "Thank You", que lhes valeu a entrada na infame lista de "piores albums de todos os tempos". Não há Le Bon sem senão.
Outro grupo que se fartou de facturar foram os Spandau Ballet, que ficaram com este nome depois de um amigo da banda, o DJ Robert Elms, tê-lo visto escrito na parede de uma casa-de-banho de um bar (as coisas que se aprendem ali...) - Spandau era o nome de uma famosa prisão em Berlim onde os condenados à morte eram enforcados, ficando depois a balançar na corda, como se estivessem a fançar ballet. Tétrico. Menos intimidadora era a música dos Spandau Ballet, liderados por Phil Oakes, que tem uma cara que me deixa incomodado - parece que Keanu Reeves e Nicholas Cage se juntaram e tiveram um filho juntos, só que mais bonito? Bem, o seu single mais conhecido é "True", de 1983, que chegou a nº 1 no Reino Unido, e nº 4 da Billboard. Quem pensa que não conhece este tema oiça-o aqui, e ao fim de 20 segundos vai dizer: "ah...está bem". Os Spandau Ballet duraram até 1989 e tentaram sem êxito regressar vinte anos depois.
E chegamos a um grupo que escolheu um nome tão estúpido - Orchestral Manouvres in the Dark - que ficou para sempre conhecido simplesmente pelas inicias OMD, que é também o nome de um gene proteíco do corpo humano. Enfim, os OMD eram (e são) liderados por Andy McCluskey, que baptizou a banda com uma ideia para uma canção que teve enquanto ainda era estudante. Ora vejam só como isto é uma informação importante cumó caraças. O single mais famoso do grupo foi "Enola Gay", do seu álbum "Organisation", de 1980. "Enola Gay" era o nome do avião que largou a primeira bomba atómica em Hiroshima, e portanto a canção contém uma mensagem anti-Guerra. Faz sentido. Se eu quisesse fazer uma canção a condenar a violência perpretada por vigilantes anónimos contra prostitutas, chamava-lhe "Jack, o Estripador". Este single foi nº 8 no Reino Unido e nº 1 ba França, Itália,e, imaginem, Portugal! Por acaso lembro-me da versão portuguesa não-oficial deste tema: "Enola Gay...fui-te ao cu e não te paguei...".
Os Human League, grupo originário de Sheffield e fundado em 1977, sob a liderança de Phil Oakey. Em 1981, época alta da "new wave", venderam milhões de cópias com "Don't You Want Me", quem sabe um dos temas mais representativos desta variante da pop. O single foi nº1 quer no Reino Unido, onde foi o disco mais vendido do ano quer na Billboard, e ainda na Noruega, Nova Zelândia, Irlanda e Canadá. Foram gravadas versões por parte da "starlette" Mandy Smith, pelo grupo sueco de Eurodance Alcazar, e pelo elenco de "Glee". O melhor que conseguiram depois disso foi em 1986 com o single "Human", que foi nº 8 no Reino Unido e nº 1 na Billboard. Phil Oakey é também conhecido por ser o intérprete da canção de 1984 "(Together in) Eletric Dreams", composto por Giorgio Moroder para o filme "Electric Dreams". Os Human League continuam no activo passados quase 37 anos, mas com o peso da idade a cobrar a sua factura, e o último álbum da banda não passou do nº 44 na tabela de álbums do Reino Unido. É caso para perguntar: alguém os viu por aí?
Finalmente o meu figurino favorito nesta coisa do "new wave" - só para acabar em beleza. Os Soft Cell eram um duo de new-wave-synthpop-electrónico-positivo-absoluto-analítico composto por Marc Almond e Davis Ball. Há uma lenda urbana que diz que o único sucesso deste grupo foi "Tainted Love", que foi nº 1 no Reino Unido e nº 8 na Billboard, e que em 2001 seria gravado noutra versão pelo esquisitóide Marilyn Manson. "Tainted Love" ele próprio já havia sido gravado em 1964 por Gloria Jones, mas não é isso que interessa, pois os Soft Cell tiveram outros singles nos tops, como "Torch" (nº 2 no Reino Unido), "What!" (nº 3), "Bedsitter" (nº 4) e este "Say Hello, Wave Goodbye", que foi também nº 3 do top-40 UK, que é o meu tema preferido dos Soft Cell, e onde o seu vocalista exemplifica em todo o seu esplendor a orientação do projecto. Este Marc Almond, que partiu de seguida para uma respeitável carreira a solo é um daqueles ingleses muito ingleses, "very british", que era "gay" apenas "porque sim", porque "ficava-lhe bem", e também ouvi dizer que é satanista. Um cromo raro nesta colecção.
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