terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Os sons dos 80: Jim Steinman
Jim Steinman, a maior estrela dos bastidores do rock'n'roll.
Sabem quem é Jim Steinman? Não? Se calhar até sabem, e daqui pouco vão ver que sempre souberam. Jim Steinman é um génio, muito ao seu próprio estilo, mas isto é discutível. Sobre ele tudo é discutível. Nasceu em Nova Iorque em 1947, estou no Armhest College em Massaschusets, e em 1969 escreveu o seu primeiro musical, "The Dream Engine". Na universidade já tinha desenhado o esboço ou contribuído para outros três - o jovem Steinman pensava música. Em 1971 fez a música para um "show" de marionetas chamado "Ubu", e em 1973 conheceu uma das suas primeiras divas, Yvonne Elliman, a Maria Madalena original do musical "Jesus Cristo Superstar", e escreveu uma canção para o seu novo álbum "Food for Love", intitulada "Happy Endings" - foi o primeiro registo discográfico de Steinman. No mesmo ano escreveu e compôs para outro musical, "More than you deserve", que contava a estranha história de um coronel do exército que era impotente, e a sua mulher ninfomaníaca enganava-o com o regimento inteiro...ao mesmo tempo (?). Um dos cantores deste louco espectáculo era um tal Marvin Lee Aday, já nesta altura conhecido pelo nome artístico de "Meat Loaf", com quem viria a trabalhar durante mais de quatro décadas, com momentos óptimos e momentos terríveis.
Steinman com a sua "diva", Meat Loaf
Em 1975 os dois começam a trabalhar juntos num épico que reunia algumas ideias que Steinman vinha guardando há alguns anos. Em inícios de 1977 tinham quatro faixas prontas, e durante uma "workshop" onde compunham para o musical "Neverland", Steinman escreveu três temas que Meat Loaf considerou "excepcionais", e preferiram usá-lo no LP. O resultado foi "Bat Out of Hell", uma peça em sete actos com a duração de 46 minutos de "rock" progressivo, onde o compositor e letrista vai buscar inspiração a musas tão diferentes como o compositor clássico alemão Richard Wagner, o "brit-pop" dos The Who, e o norte-americano Bruce Springsteen - Steinman invejava a liberdade criativa que era dada ao "boss". Depois de muitas tentativas em encontrar uma editora que o distribuísse, acaba por sair em 1977 pela Cleveland Internacional Records, e vende 34 milhões de cópias em todo o mundo, 14 milhões nos Estados Unidos, onde é 21x disco de platina, 24x platina na Austrália, 17x platina na Nova Zelândia, 7x platina no Reino Unido e duplo disco de diamante no Canada, e é ainda hoje o 10º disco mais vendido de todos os tempos. Um executivo da CBS que o tinha rejeitado afirmara que "Steinman não percebia nada de música". Pois não coração. Foram ele e o Meat Loaf que compraram os 34 milhões de discos entre eles e nos cinco países que referi em cima.
Um sucesso desta dimensão custa a digerir, e enquanto Meat Loaf e Steinman nadavam em piscinas cheias de notas, este último trabalhava noutros pequenos projectos, para não se acomodar demasiado. Em 1980 faz o "score" original para o filme "Circle of Friends", e apesar dos temas serem todos instrumentais, vai mais tarde buscar partes que usa em temas que se tornariam grandes êxitos comerciais. Assim em 1981 Steinman escreve oito novos temas para o sucessor de "Bat out of Hell", a que chamaria "Bad for Good". Meat Loaf volta a ser convidado para dar voz ao projecto, mas uma infecção nas cordas vocais não lhe permite. Jim Steinman recusa-se a adiar as gravações, resolve assumir ele próprio a parte vocal. A recepção a "Bad for Good" varia entre o misto e o negativo, com a maior parte da crítica a considerar que Jim Steinman não tem o poderio vocal para levar a cabo algo tão ambicioso. Steinman concorda, tanto que até à data este é o único disco em que participou como vocalista. Mesmo assim o álbum chega ao top-10 no Reino Unido, e mais tarde Meat Loaf gravaria a maior parte dos temas. Entre eles encontra-se este "Rock'n'Roll Dreams Come Trough", que alegadamente foi interpretado em "Bad for Good" pelo canadiano Rory Dodd, apesar dos créditos serem atribuídos a Steinman. Este Rory Dodd apareceria mais tarde noutro projecto mais bem sucedido do compositor.
Jim Steinman buscava inspiração na extravagância operática de Wagner, em filmes de terror, sagas escandinavas, ou filmes dos anos 60 dedicados à temática do "rock'n'roll". Amores impossíveis e amantes malditos, motos rápidas, mulheres fatais e a noite, tudo acontecia de noite. Para ele o filme ideal seria uma ópera-rock onde um vampiro igual a James Dean montado numa Harley e com um capacete viking que se apaixonava por um Lucrécia Borgia com baton preto, saia curta de ganga e meias pretas, que o traía com vários outros homens. Meat Loaf não tinha participado no seu delírio "Bad for Good", mas no mesmo ano de 1981 gravava "Dead Ringer", outro álbum com temas inteiramente da autoria de Steinman. O mais conhecido será sem dúvida este "Dead Ringer for Love", um dueto com Cher muito semelhante ao épico de dez minutos "Paradise by the Dashboard Light", outro dueto com Ellen Folley, que fez parte de "Bat Out of Hell". Outra faixa era nada mais nada menos que "More than you Deserve", a tal que conta a história do oficial traído pela mulher ninfomaníaca, que fez parte do musical onde Meatloaf e Steinman se conheceram. "Dead Ringer" não teve o mesmo impacto de "Bat out of Hell" mas foi nº 1 da tabela de álbums no Reino Unido.
Meat Loaf não é nada que valha pena olhar durante muito tempo, mas a sua voz é sem dúvida qualquer coisa de fantástico, e o veículo ideal para transmitir a visão de Jim Steinman. No entanto depois de "Dead Ringer" os dois decidem fazer uma pausa na sua sociedade, que tanto sucesso tinha obtido, mas não sem uma polémica de que falarei daqui a pouco. Assim Steinman procura outros artistas que dessem voz às suas extravagantes composições, e em 1983 conhece a cantor galesa Bonnie Tyler, e produz o seu álbum "Faster than the Speed of Night", que chega a nº 1 no Reino Unido e nº 4 da Billboard. Além de produzir, Steinman contribui com dois temas, um que deu o nome ao álbum, e este "Total Eclipse of the Heart", que dispensa apresentações. O épico de sete minutos é suportado por um vídeo que é hoje considerado um dos mais "foleiros" de todos os tempos, mas o single vendeu nove milhões de cópias, chega ao nº 1 em vários países, incluíndo Reino Unido e Estados Unidos, e numa pesquisa realizada o ano passado em Inglaterra foi eleita "a melhor canção para se cantar no chuveiro" (?). E lembram-se de Rory Dodd, o tal cantor canadiano a que se atribuíu a interpretação de "Rock'n'Roll Dreams Come Trough"? Pois é, é dele a voz que diz "turn around" neste "Total Eclipse of the Heart".
E isto não é tudo. Ainda em 1983 Steinman "oferece" aos australianos Air Supply o tema "Making Love (Out of Nothing at All)", que abre o lado B da colectânea da banda "Greatest Hits". É o tema mais conhecido dos Air Supply e foi gravado por inúmeras outras bandas e artistas, e apesar de não ter feito melhor que um modesto nº 80 no top do Reino Unido, foi nº 2 do Billboard norte-americano. E porque não foi nº 1? Porque aí estava "Total Eclipse of the Heart", o que deu a Steinman uma saborosa "dobradinha", algo de que poucos músicos de podem orgulhar. Agora a polémica: por esta altura Meat Loaf tinha um contrato com a editora Epic Records que o obrigava a gravar mais um disco com a sua etiqueta, e o cantor alegava que Steinman lhe tinha oferecido "Total Eclipse of the Heart" e "Making Love (Out of Nothing at All)", e a disputa chegou mesmo à barra dos tribunais, com a justiça a dar razão ao autor dos temas, em nome da protecção dos direitos de autor. Meat Loaf acabou por gravar "Midnight at the Lost and Found" para cumprir o contrato com a Epic, e a sua relação com Steinman ficou "gelada" até à década seguinte.
Steinman somava e seguia, e 1983 seria sem dúvida o seu ano mais produtivo (e lucrativo). Outra das suas colaborações seria com o cantor Barry Manilow, que gravava para a sua colectânea "Greatest Hits, vol. II" o tema "Read'em and Weep", que tinha feito parte do alinhamento de "Dead Ringer", gravado com Meat Loaf dois anos antes. A versão de Manilow, que continha uma letra ligeiramenete diferente, chegou ao nº 18 do Billboard, e seria a única colaboração do cantor de "Copacabana" com Steinman.
Outra artista de renome que viria a trabalhar com Steinman seria Barbra Streisand, que gravou o tema "Left in the Dark", que fez parte de "Bad for Good" para o seu álbum de 1984 "Emotions". O single passa praticamente despercebido nos "charts", e Meat Loaf gravaria o tema para o seu disco de 1995 "Welcome to the Neighbourhood", e que é reconhecidamente a melhor versão das três. Também por esta altura o cantor Ian Hunter lança o seu álbum "All the Good Ones are Taken", que é supostamente da autoria de Steinman, se bem que o seu nome aparece apenas nos créditos como "colaborador". Também em 1984 sai o filme musical "Footloose", onde Steinman contribui com "Holding out for a Heroe", interpretado por Bonnie Tyler, que não vai além do nº 34 da Billboard mas chega a nº 2 no Reino Unido, e a nº 1 na Irlanda. Steinman é contratado para trabalhar com a banda de "hard-rock" britânica no seu álbum "Hysteria", mas é despedido antes que possa fazer o que seja.
Ainda em 1984 Steinman compõe dois temas para o filme "Streets of Fire", do realizador Walter Hill, e que conta com as participações de Diane Lane, Willem Defoe e Rick Moranis. O filme passava-se de noite, tinha gangues de "rockabillies" dos anos 60 montados em motas, o ambiente perfeito para que Steinman se inspirasse para compôr. Estes temas são "Tonight Is What It Means to Be Young" e este "Nowhere Fast", e os créditos no departamento da interpretação vão para a banda Fire Incorporated, criada apenas para este efeito, e que conta com Laurie Sargent na voz. "Nowhere Fast" seria gravado logo de seguida por Meat Loaf e incluído no seu álbum "Bad Attitude", de 1985, onde estava também a faixa "Surf's Up", que Steinman compôs para "Bad for Good". A natureza eclética de Steinman leva-o a trabalhar em 1985 com Hulk Hogan, a estrela da luta livre norte-americana, vulgo "wrestling", que juntamente com os seus colegas da WWF grava "The Wrestling Album", que conta com as participações de Cyndi Lauper, Rick Derringer e Meat Loaf. A contribuição de Jim Steinman, que aqui ficaria com o título de "Hulk Hogan's theme", interpretada pelo próprio, viria a receber um novo tratamento para o album "Secret Dreams and Forbidden Fire", de Bonnie Tyler, com o título "The Ravishing"
E seria com Bonnie Tyler que Steinman obteria em 1986 mais um registo notável. O sexto álbum da cantora, "Secret Dreams and Forbidden Fire" é segundo com a co-produção de Steinman, que contribuí com quatro temas da sua autoria. Além dos já referidos "The Ravishing", que é a faixa de abertura, e "Holding out for a Hero", que é a última, há ainda "Rebel without a Clue" e este "Loving You's a Dirty Job but Somebody's Gotta Do It", um dueto com Todd Rundgren, onde se nota bem que há o dedo de Steinman. Inconfundível, e ao mesmo tempo espantoso. O videoclip tem uma curiosidade interessante: o cavalheiro que aparece a fazer o dueto com Tyler é o actor Hywel Bennett, que tal como ela é natural do País do Gales, mas que não canta de todo, limitando-se a fazer a mímica da voz de Rundgren. Isto deve-se ao facto de Rundgren, apesar da excelente voz, ser tão feio que metia dó, e não preenchia os requisitos estéticos do vídeo. O single não teve grande impacto em termos de vendas, e foi em Portugal que mais longe chegou nos tops, ficando pelo nº 3. Aqui está um caso em que tivemos bom gosto. Para trabalhar no novo projecto de Bonnie Tyler, Steinman declinou o convite de Andrew Lloyd Webber para compôr temas para o seu novo musical, "The Phantom of the Opera". Leram bem: Jim Steinman recusou escrever "The Phantom of the Opera" para produzir quatro faixas para um álbum de Bonnie Tyler. Uma pena, dirão alguns, em boa hora, dirão outros - depende dos gostos de cada um.
Em 1989 Steinman aparece com um novo projecto, novas canções e novas vozes. "Original Sin" é um disco com 14 faixas: 9 canções, 3 temas instrumentais e 2 monólogos. As canções são escritas por Steinman para um conjunto de vozes femininas que ficou baptizado de Pandora's Box, compostas por Ellen Foley, Gina Taylor, Holly Sherwood e Elaine Caswell. Esta última fica encarregada da interpretação do tema "It's All Coming Back To Me", que seria celebrizado por Celine Dion no album de 1997, "Falling Into You". Steinman, na altura de costas voltadas com Meat Loaf, chega ao ponto de interpor uma ordem judicial para impedir o cantor de graver "It's All Coming Back To Me", nas isso viria a acontecer em 2006, e ainda antes disso...
Recuperado de problemas com álcool e drogas, Meat Loaf recupera a forma e volta a trabalhar com Jim Steinman já na década de 90, e os dois vão para estúdio gravar a tantas vezes adiada sequela de "Bat Out Hell", que fica com o título "Bat Out Of Hell II: Back into Hell". O alinhamento é composto por temas de "Bad for Good", "Original Sin", e três "originais", que na realidade são apenas passagens da opera-rock "Tanz der vampire", que Steinman viria finalmente a produzir como musical em 1997. Um destes temas, "I Would Do Anything for Love (But I Won't do That)" foi um estrondoso sucesso, chegando ao primeiro lugar em 28 países e valendo a Meat Loaf o "grammy" para melhor intérprete masculino. O reportório de Meat Loaf confunde-se com o trabalho de Steinman; o primeiro dá a voz aos sonhos do outro, e o segundo é a força que alimenta o primeiro. Uma parceria bem sucedida ao longo destes últimos 40 anos, e que em 2006 daria origem ao terceiro "Bat Out of Hell", chamado "The Monster is Loose". O compositor tem trabalhado menos nos últimos anos devido a problemas de saúde, coisas da idade, mas em 2012 foi anunciado que estaria a trabalhar com Terry Jones (Monthy Python) numa versão "heavy-metal" do bailado "O Quebra-Nozes" (?), e o ano passado soube-se que vai contribuir com três temas inéditos para o novo álbum de Meat Loaf "Brave and Crazy", a sair em Setembro deste ano.
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