quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
O amor (é prá veia)
Aqui há uns anos, nos primórdios do Bairro do Oriente, tinha uma rubrica intitulado "Conversas com o meu filho", onde partilhava alguns curtos diálogos mantinha com o meu filho, com o humor próprio da sua inocência, tão típica dos seus sete ou oito anos de então. O tempo foi passando e a criança tornou-se num adolescente de 13 anos, e como o tempo é implacável, em breve tornar-se-á num jovem adulto. Ter 13 anos é complicado, e quem se lembra sabe do que falo. Aliás qualquer idade é complicada de uma maneira ou outra, mas se até no final da adolescência ninguém nos leva a sério (a não ser que sejamos como o Justin Bieber), muito pior se torna quando o nosso corpo entra naquela fase em que se dão transformações incómodas e por vezes dolorosas. Se a vertente física é já por si um corropio, ao nível da mentalidade dão-se também alterações significativas, que alguns adultos teimam em designar por "idade da estupidez". Do ponto de vista de uma adulto, não me resta senão concordar que se trata de uma idade sensível, onde os jovens começam a tomar consciência de certos factos que lhes eram alheios ou pelos quais sentiam indiferença poucos anos antes, mas tendo eu próprio passado por isso, recuso-me a fazer essa auto-análise partindo do princípio de que era "estúpido". Falo por mim, é claro, cada um sabe as linhas com que se cose.
Quando temos 11 ou 12 anos - vá lá, depois dos 10, mais cedo para uns do que para outros - ainda no Ciclo Preparatório, começamos a reparar no sexo oposto. Peço desculpa se este artigo não é politicamente correcto q.b. e não abrange o universo LGBT. Tenho a maior das simpatias pelas sexualidades alternativas, mas prefiro falar do meu caso particular, e o do meu filho, já agora. Portanto é nesta idade que achamos engraçado trocar uns beijinhos e uns "amassos" com as meninas da nossa idade, e elas, matreironas e selectivas, com a vantagem do amadurecimento precoce (depois são apanhadas e eventualmente ultrapassadas, coitadas) olham para os rapazes mas fazem-nos suar, suspirar, entrar em parafuso - são as primeiras dores de cabeça das relações sentimentais, uma amostra daquilo que está para vir em doses mil vezes superiores no futuro. Encanta-nos olhar para as meninas nas aulas de Educação Física, com os seus maiôs de licra, meias felpudas até ao joelho, fato que começa a evidenciar uma clivagem nos seios, e tudo isto nos dá uma sensação "esquisita". Mais uma vez excluo deste disserção a sexualidade, que nestas tenras idades se praticam em alguns países mais "quentes". Com 11 ou 12 anos a minha geração não sabia o que fazer com o sexo a não ser executar a função urinária.
Apaixonei-me pela primeira vez quando tinha 12 anos. Pelo menos essa foi a primeira vez "a doer". E que parvinho era eu, meu Deus. Aparentemente era correspondido, mas a minha imaturidade levava-me a rejeitar os meus impulsos, e tomava as investidas da jovem pela qual suspirava como um "desaforo". Para mim a tipa queria fazer porcarias comigo, era uma badalhoca. Mal sabia eu que estava naquele momento a rejeitar o que pouco depois passou a ser o meu prato favorito. Mas pronto, o que foi não volta a ser, e não se deve chorar sobre o leite derramado. E é de "leite derramado" - se entendem onde quero chegar - que se fazem os 13 anos, essa idade onde a adolescência bate como uma locomotiva num rebanho de ovelhas que teimosamente se deixou ficar pela linha do caminho-de-ferro. Com 13 anos, e isto nas palavras de uma vizinha minha, "não se pensa noutra coisa", e é com a cara cheia de borbulhas, uma penugem ridícula no lábio superior que teimosamente chamamos de "bigode", e uma cabecinha cheia de pouca-vergonha, que caso fosse projectada em imagem, seria interdita a quem a projectava.
Nessa travessia do deserto que nos leva à idade adulta, os 13 anos, depois os 14, até aos 18 e às vezes depois disso (sem falar dos que nunca aprendem), os jovens precisam de aconselhamento para lidar com alguns "apertos" causados pela erupção das hormonas. A Educação Sexual, onde existe, desempenha um papel importante, mas é no seio da família que se devem esclarecer as dúvidas mais "picantes", ou partilhar os problemas mais "pessoais". O trabalho de educar os rapazes fica a cargo do pai, e das meninas é um dever da mãe - isto para que fique cada macaco no seu galho, portanto. Tive pena de não poder contar com a ajuda do meu pai em alguns dos "apertos" pelos quais passei. Quer dizer, ele ouvia-me, era capaz de me dar umas luzes, mas perdia-se muito em exemplos sobre ele próprio, que naturalmente não me diziam respeito. Outros problemas eram complicados de falar com os pais, pois eles "nunca iriam entender". Para um jovem de 13, 14 ou 15 anos, os pais nunca tiveram aquela idade - já nasceram adultos. Caso alguma paixoneta mal resolvida me apoquentasse e quisesse partilhar a angústia com o meu pai, temia que ele me respondesse "tem juízo, rapaz!" ou "que parvoíce". Só ia piorar as coisas, enfim.
Com o meu filho procuro não repetir o mesmo erro. Claro que os tempos mudaram, mas o virus da paixonite circula por aí mais forte que nunca, e em maior quantidade, com uma possibilidade de contágio alarmante. Na era do digital, das redes sociais e da quebra de muitos dos tabus de antigamente, os miúdos vão ficando cada vez mais espertos, e como contra-reação as miúdas cada vez mais matreiras. Quem se atrasa morre, como as tartarugas menos expeditas quando saem da casca e correm precipitadas para o mar. Os rapazes ficam à mercê de qualquer rabo-de-saia, e as meninas dão um novo sentido à expressão "sexo fraco", com ênfase no "sexo", e não tanto "fraco" quannto "fácil". Digo-lhe sempre que nunca me esconda um problema desta natureza, seja ele qual for. Por muito pateta que pareça, mas que lhe esteja a baralhar os circuitos, que me conte, que desabafe, nem que seja por telefone. Mesmo assim vai haver muita coisa que não me conta - quase tudo, ouso arriscar. É que para ele e para os outros da sua idade, os pais não entendem, não percebem, não atingem o que é "morrer de amores". Hmmm..."morrer"? Isto parece sério.
"Morrer de amores" é diferente de morrer, não envolve morte física, a não ser que se dê uma tragédia e a vítima seja um jovem profundamente transtornado, e apesar de parecer que implica morte espiritual, tudo não passa de uma fase. Quando se apaixona, ou melhor dizendo, quando sente uma atração persistente pelo sexo oposto, um jovem nesta idade não consegue racionalizar o que lhe está a acontecer a nível emocional. É nesta fase da vida que se começa a acreditar nesse conceito abstracto e imaterializável que é o amor. O acne ainda se pode identificar através das erupções na pele, e as transformações físicas expressam-se no aparecimento de pêlos na pubis e nas axilas, além da mudança de voz. Agora o amor é um caso bicudo. Não se entende nem é suposto entender - é esta a idade ideal para ensinar Platão e Petrarca aos jovens. O amor é como a heroína: tê-lo e disfrutá-lo é a maior das êxtases, perdê-lo ou não ter acesso a ele provoca sintomas como inquietude, suores frios, desorientação, sensação de dor física, é em tudo semelhante à desabituação da maioria das drogas duras - porque o amor é isso mesmo: uma droga.
O pior é que o tal amor não se entende nem na adolescência nem em qualquer outra idade. O amor é uma merda, pá. Não acreditam no amor? Fiem-se que ela é virgem e não corram. E é pior quando se deixa de se acreditar nele, mesmo. Quando se injecta na veia e pensamos que já não nos vai dar "moca" nenhuma. É aí que ele "bate" como mil terramotos. Os que pensam ser superiors aos caprichos do amor e que disso se orgulham, tomando os outros como descartáveis, convencidos do seu pragmatismo, têm a sorte de viver num bairro onde não entram os "traficantes" do amor. Se por acaso se cruzam com um e têm curiosidade em exprimentar, ficam "agarrados" ainda antes de acabar de "chutar" pela primeira vez, e daí à "overdose" é um sopro. São os que menos se espera que "caiam" que acabam por cair. Viram aquele filme, "Trainspotting"? É o mais certinho daqueles rapazes escoceses quem acaba no fim por se desgraçar.
Quando temos miúdos adolescentes em casa, é preciso ter dois cuidados especiais: primeiro lavar a roupa da cama e os pijamas deles em separado, e depois orientá-los (ou pelo menos tentar) nessa viagem pelo mundo da droga do amor. Temos que ensiná-los a usá-lo como uma droga recreativa, e nada como começar por explicar que a miúda pela qual eles sentem "ponta" quando têm 14 anos não é "a mulher da sua vida", e que é bastante improvável que casem com a namorada que têm aos 15 ou 16 anos. O mais engraçado é vê-los encarar a relação como uma coisa muito séria, a falarem de "confiança", de "respeito", de "carinho e compreensão". Ah, ah, ah. Se soubessem o que isso significa realmente, remetiam-se a um convento "super-mix" qualquer e faziam votos de castidade, silêncio, pobreza e jejum, todos de uma vez só. O mais importante são as credenciais - e agora isto para os pais que me ouvem (as mães tentem não ficar muito escandalizadas) - pois temos que mostrar aos filhos que entendemos do assunto como o caraças, e que já fomos para a cama com 500 ou mais gajas. É com as pipocas a saltar do braseiro das hormonas, essa é a única maneira de convencer um adolescente a dar-nos ouvidos. E ganhar o seu respeito, já agora.
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