sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
...e quanto por um iglo?
1) Esta foi uma das semanas mais frias em Macau nos últimos anos, com os termómetros a baixarem até aos cinco graus, aguaceiros ocasionais, noites e madrugadas gélidas, e um tempo muito cinzento em geral, com o sol a dar apenas hoje um ar da sua graça. É nestas alturas que o abrigo da Caritas, na Ilha Verde, recebe mais pessoas que, pouca sorte, não têm um local onde se proteger do frio, e pernoitam naquele centro, onde podem tartar também da higiene pessoal e lhes é dada ainda uma refeição quente. Um grande bem-haja para os funcionários da acção social, que mais do que abrigar estas pessoas dos rigores do Inverno, devolve-lhes um pouco de dignidade. Este ano bateu-se um recorde, com a lotação de 70 camas existentes no abrigo a ficar praticamente esgotada. De acordo com os seus responsáveis, pernoitaram naquela insituição 68 pessoas na noite de terça para quarta feira. Mesmo assim tenho a certeza que ficou muita gente cá fora a bater o queixo, quer por opção própria (nem toda a gente deixa que o orgulho permita a intervenção da caridade), quer por não terem sido localizados pelos serviços, que sairam à rua em busca de pessoas necessitadas de auxílio. Dos 68 que lá estavam, é impossível generalizar, estabelecendo uma justificação para a sua situação deseperada, e é seguro afirmar que "cada caso é um caso". Não devem lá faltar os jogadores compulsivos que ficaram sem meios para suportar os custos do alojamento, ou sequer para regressar ao local de origem, os turistas "desprevenidos", e os sem-abrigos crónicos, os tais que apenas quando as temperaturas chegam a este extremo recorrem a este tipo de ajuda. Desconfio ainda que começa a aparecer um novo tipo de utente neste abrigo; aqueles que tendo lugar para ficar, este não lhes dá condições para aguentar as baixas temperaturas, ou que são obrigados a pernoitar no chão frio, ou porque não conseguiram pagar a diária de um qualquer apartamento de pouco mais de 30 m2 que partilham com outros nove ou dez inquilinos - pelo menos calor humano não deve faltar. Vai ser interessante observar a evolução no número de pessoas que procuram o abrigo. Com esta "brincadeira" que tem sido a especulação imobiliária e o consequente aumento do preço da habitação, prevejo que venha a subir. É que esta tal "brincadeira" é efectivamente muito perigosa. Tem pessoas lá dentro e tudo.
2) Uma reportagem da edição de ontem do Ponto Final dava conta disso mesmo: o aumento do preço da habitação e o impacto na bolsa dos cidadãos de Macau. Os casos relatados reportam-se a elementos da comunidade portuguesa, sem habitação própria ou por conta da entidade laboral, e que estarão em Macau a prazo, ou pelo menos não fazem planos de perpetuar a sua permanência no território. Alguns queixam-se que se torna "impossível" pagar uma renda de 6 ou 7 mil patacas, e por isso preferem partilhar a despesa com um amigo ou como uma amiga, e assim poupa-se dinheiro para outras coisas, como "viajar". Sim, é sempre melhor gastar dinheiro em proveito próprio e dá muito mais gozo viajar do que andar a sustentar um desses chulos do imobiliário e a sua habitação super-inflacionada. O que se torna irónico é que há quem não se importe de dar 10 mil patacas três vezes para ir a Portugal ver se a avó está melhor das dores nas costas derivadas daquela queda que deu nas escadas vai já cinco anos e já nem ela se lembra, ou dar uma festinha ao cão, mas quando lhe aumentam a rende de oito para nove mil patacas, ai Jesus, que isto assim não pode ser. Não estou com isto a querer branquear a conduta dos senhorios, das agências, dos especuladores e do raio-que-os-parta-a-todos, mas não estamos aqui a falar de "qualidade de vida" a um custo aceitável? E depois para que é que alguém que vive sozinho precisa de dois quartos, ou em alguns casos de três? Para "meter as tralhas"? Quanto mais tralhas tiverem, mas tralha precisam de carregar às costas quando mudarem outra vez de casa. Existem T1 disponíveis por aí, pois, e só não encontram porque não procuram. Mais uma vez desculpem estar a usar o meu próprio exemplo, mas vivo num T1 e vivia noutro antes deste, e com luz e águas incluídas, pago menos de 4500 patacas por mês. Tenho um quarto onde cabe uma cama de casal e pelo menos três armários, deixando espaço mais que suficiente para dar uma queca de pé, uma sala que não serve para realizar bailes da sociedade, é certo, mas tão ampla como a de qualquer T2, cozinha e casa-de-banho individuiais, e até um sótão (já vos falei do sótão)? O problema é que muita malta acha que a cozinha é demasiado pequena para cozinhar um perú assado, um pernil de carneiro, uma leva de pastéis de massa folhada e três bolos de aniversário de uma só vez, então toca a pagar 10 mil de renda por "qualidade de vida". Se querem uma casa só para vós e assim evitar partilhar o frigorífico e o sanitário, encontram, e bem em conta. Se querem uma casa para dar festas ou receber os amigos...olha, cobrem-lhes a entrada.
3) Ainda na edição de ontem do Ponto Final, a jornalista Sónia Nunes assina um artigo de opinião (excelente, diga-se de passagem, e a Sónia está cada vez melhor) onde fala uma outra face do problema, nomeadamente o das rendas dos espaços comerciais e da promiscuidade entre os especuladores e a política. E quando se fala de politicos, especulação e promiscuidade, lembramo-nos de quem? De Chan Chak Mo, lá está, o sempre sorridente patrão da Future Brighte deputado eleito pelo sufrágio indirecto. O empresário honconguense (Hong Kong a mandar para cá empresários faz lembrar a China a mandar atletas de pingue-pongue: é só "refugos") esteve nas bocas da comunidade portuguesa depois de ter corrido com o espaço Lvsitanvs da Casa Amarela, edifício comercial junto às Ruínas de S. Paulo e propriedade da sua empresa. Chana afirmou recentemente que "não tinha cobrado uma renda tão elevada se não soubesse já que ia haver alguém que a pagasse. E de facto houve, e como nos diz a Sónia, a Future Bright alugou a loja a uma tal Future 21 por 2,4 milhões de patacas mensais. E se no final do contrato aparecer uma Future 22 a dar 2,5 milhões, ala que se faz tarde, desopila de lá esta, que são assim as regras do jogo. Chan Chak Mo está na AL, onde devia supostamente zelar um bocadinho que fosse pelos interesses da população, mas zela apenas pelos seus e dos seus pares, e nisso consegue ser o mais descarado - é qual é a diferença, se os outros fazem o mesmo que ele, mesmo que dissimuladamente? Nem se espera que produza, ou pense em produzir legislação, ou consulte a população nesse sentido, ou sirva os interesses "culturais e desportivos" pelos quais foi "eleito", nada disso. O senhor está lá para rosnar cada vez que se propões algo que lhe possa doer no bolso, como o salário mínimo, insurgir-se contra os aumentos dos funcionários públicos, que segundo "já ganham muito bem", e gozar com o sector pró-democrata. Quando o presidente do hemiciclo Ho Iat Seng afirmou que os deputados não apresentam leis "porque não têm conhecimentos jurídicos para o efeito", esqueceu-se de acrescentar "...e outros são apenas umas bestas" - como é o caso de Chan Chak Mo.
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