segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Os sons dos 80: António Variações
António Joaquim Rodrigues Ribeiro nasceu em 1944 no Lugar de Pilar, na freguesia de Fiscal, no concelho minhoto de Amares, Braga. O pequeno António mostrou desde sempre ser um rapaz diferente dos outros, e o facto de viver remetido à interioridade do Portugal profundo, que durante a sua juventude era um país conservador, atrasado e sufocado, deixava-o cheio de vontade de bater as asas e voar para onde a sua natureza de pássaro livre lhe pudessem oferecer o espaço que tanto necessitava para crescer. Assim, quando termina a quarta classe, António vai para Lisboa, onde o irmão mais velho estudava Direito. Trabalhou como empregado do escritório, balconista e caixeiro, bem como aprendiz de barbeiro, uma vocação que tudo indicava ser a sua. Depois dos ventos de liberdade trazidos pela Revolução dos Cravos, viaja até Londres e Amesterdão, descobre um mundo completamente novo, e volta à capital cheio de vontade de aplicar o que aprendeu. Abre então o primeiro salão de cabeleireiro em Lisboa, e alguns dos seus clientes eram celebridades. Um deles era Júlio Isidro, que na época era referenciado como um caçador de talentos. António impressionou o apresentdor com a sua técnica e desinibição, e depois de conquistar a sua simpatia, António disse a Júlio Isidro: "sabe? eu também canto".
Cantar foi sempre uma das paixões de António, que em pequeno tinha sido influenciado pelos cantares regionais do seu Minho de origem. Deu espectáculos em algumas discotecas lisboetas e no Rock Rendez-Vous, sempre auxiliado pelo seu amigo e amante Fernando Ataíde, que servia como uma espécie de agente. António nunca escondera a sua orientação homossexual, o que ainda estava longe de ser algo bem aceite no Portugal durante a viragem dos anos 70 para os anos 80 - tinha-se conquistado a liberdade, mas isso era simplesmente "liberdade a mais". A amizade com Júlio Isidro abriu-lhe as portas do estrelato, e em 1981 aparece no Passeio dos Alegres a cantar este "Toma o Comprimido". Numa altura em que o rock nacional tinha acabado de gerar um sem número de bandas, António Variações, nome artístico que entretanto adoptou inspirado pela sua primeira banda, "António e os Variações", apresentava algo de diferente, de moderno, de alternativo. Não era bem rock, mas era do agrado do público português. Era um som que o próprio António Variações um dia definiu como "entre Braga e Nova Iorque".
O primeiro single saíu em 1982, uma versão do fado "Povo que lavas no rio", de Frederico Valério, celebrizado por Amália. O primeiro longa-duração chegaria no ano seguinte, com António Variações a ser acompanhado na secção rítmica pelos elementos do GNR, Tóli César Machado e Jorge Romão. O disco foi, numa palavra, revolucionário, apesar da simplicidade. A escolaridade minima de António Variações, que se evidenciava nos erros de ortografia que dava nos rascunhos das letras das canções, não o impediam de escrever temas bem recebidos pelos portugueses, inspirados na raíz popular de que o artista era conhecedor. Prova disso é este "O corpo é que paga", cujo refrão o país inteiro ficou a cantarolar durante esse ano de 1983. O video, onde Variações aparece com uma indumentária e coreografia fora do comum, davam a entender que estava ali alguém que ia mudra o "rock-pop" nacional para sempre - e numa altura em que ninguém sabia o que era "pop".
O sucesso do primeiro disco ainda não se tinha esbatido, e Variações lançava em 1984 um novo trabalho, "Dar e Receber". Mais uma vez optou por músicos que conferissem às suas ideias um som electrónico, mais consensual do que o rock puro mas que se afastasse da música popular, e contou para isso com a ajuda dos elementos dos Heróis do Mar, com Pedro Ayres Magalhães e Carlos Maria Trindade a cargo da produção. Apesar de não conter tantos temas mais facilmente identificáveis que o primeiro registo, "Dar e Receber" evidenciava mais maturidade, e o seu tema mais conhecido é este "Canção de Engate" (mais conhecida noutras versões por "Canção do Engate"), um hino ao amor e à liberdade, dissimulado no relato de um mero encontro casual entre dois amantes, mantendo-se a sexualidade ou o género de ambos abertos a interpretações diversas, numa ambiguidade que foi sempre imagem de marca de Variações. O disco termina com um tema que muitos fãs elevaram ao estatuto de culto, "Deolinda de Jesus", dedicado à mãe do cantor, que tinha exactamente esse nome.
Pouco depois do lançamento de "Dar e Receber", António Variações adoeceu, e o que no princípio parecia ser apenas o resultado da agenda sobrecarregada do cantor, veio a provar ser algo muito mais grave. Variações contraíu uma broncopneumonia bi-lateral que resistia ao tratamento convencional, e em poucos meses o cantor começou a ficar cada vez mais debilitado. Em 13 de Junho de 1984, dia de Santo António, morreu António Variações, que depois veio a saber-se ter sido a primeira vítima do virus da SIDA em Portugal. Pode parecer tétrico, mas até nisso António foi um pioneiro. Cedo começaram a aparecer homenagens de outros artistas, sendo Lena D'Água, amiga pessoal do cantor, a mais expressiva, ao incluir no seu álbum "Tu Aqui", de 1989, alguns temas originais nunca gravados por Variações. Antes disso os Delfins, banda de Cascais, atingiram o reconhecimento do grande público ao gravarem uma versão de "Canção do Engate", do seu álbum "Libertação", de 1987.
António Variações continuou a influenciar até hoje inúmeros
artistas, apesar da sua curtíssima carreira. Em 2004 o vigésimo aniversário do seu desaparecimento foi comemorado com a gravação do álbum "Humanos", de um mega-grupo com o mesmo nome composto por Manuela Azevedo, dos Clã, David Fonseca, Camané e outros, que deram voz àquele que seria o terceiro disco de António Variações, com temas que ele deixou escritos, alguns deles gravados em maqueta. António Variações conseguiu em apenas dois anos inovar, revolucionar, mudar as mentalidades tanto na música como nas mentalidades em Portugal, tornano-se uma espécie de "guru" para muitos novos aspirantes a estrelas, como ele foi, mesmo que mais se tenha assemelhado a um cometa, de tão passageiro que foi o seu brilho. É caso para perguntar: como seria a música moderna portuguesa de hoje se Variações não tivesse saído de cena tão prematuramente?
Sem comentários:
Enviar um comentário