sábado, 11 de janeiro de 2014
O jogo do mal e o jogador do bem
Dia produtivo no Bairro do Oriente, fruto de algumas horas sentado com o rabo no trono da blogosfera. Para terminar o Sábado em beleza, nada como o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, sobre o jogo que nos apoquenta, e o jogador que nos inspira. Bom resto de fim-de-semana!
I
Macau é a Meca do jogo, dizem. Blasfémia: Macau é a Sodoma e Gomorra do jogo. O jogo é a principal fonte de receitas de Macau, é o que mostram os números. Facto: a economia de Macau está perigosamente dependente do jogo. O jogo é um entretenimento, e é possível jogar “de forma responsável. Puro engano: o jogo vicia, destrói famílias, arruína vidas, e está na origem dos tipos de crime mais violentos, e em números que teimam a aumentar. O problema da criminalidade não tem a ver com o tráfico de droga ou de pessoas, com o trabalho ilegal, crimes passionais e outros de faca e alguidar. Os delitos mais graves, mais chocantes e desumanos vão quase sempre parar ao jogo, e basta abrir os jornais para comprovar isso mesmo. São filhos que roubam dos pais, amigos que se enganam, famílias destruídas, raptos, homicídios, assaltos à mão armada, o drama, a tragédia, o horror, como dizia um conhecido jornalista português. Já alguém se incomodou a contar quantos casos de roubo, burla e abuso de confiança estão directa ou indirectamente relacionados com o vício e com as dívidas ao jogo? As autoridades nada mais podem fazer do que ocorrer onde o mal já está feito, e ironia das ironias, até um alto quadro das Forças de Segurança foi apanhado recentemente a jogar no casino, quando o seu estatuto não lhe permite que o faça. É uma realidade que a proliferação de casinos no território foi benéfica para os cofres da RAEM, o que é óptimo para a quem eles tem acesso e ainda melhor para as operadoras e os seus executivos, os de cá e os do outro lado do planeta, os “cowboys” do quase falido faroeste do Nevada. E o que ganhamos nós com isso, a não ser os subsídios, cheques anuais, vales de saúde e outras papas e bolos com que enganam os tolos, e que nos vão chegando a conta-gotas? Podíamos questionar quem de direito sobre o que pensam fazer quando a brincadeira acabar, e formos apanhados com as calças na mão, com uma geração de mão-de-obra jovem a quem não ensinaram mais nada a não ser que o jogo “é uma perspectiva de carreira interessante” – aliás, é praticamente a única. Mas não, isso dá muito trabalho. O melhor é ficar a olhar para a manada de elefantes a levar tudo pela frente, enquanto tentamos apanhar algumas bananas que vão saltando da selva que vai sendo esmagada. E já agora fazendo figas para não sermos pisados.
II
Portugal ficou mais pobre no domingo com o desaparecimento de Eusébio da Silva Ferreira, o “Pantera Negra”, um mito que atravessa três gerações de portugueses e de amantes do futebol, e não só. Quando se fala do futebol como arte e evento que arrasta multidões, era Eusébio quem punha o “rei” em “desporto-rei”. O mediatismo que rodeou a sua morte, que fez capa na imprensa dos quatro cantos do mundo, e foi no dia seguinte a terceira notícia mais lida na página da Yahoo!, faz-nos sentir culpados de não termos valorizado aquele património em forma de atleta e de homem. Por acaso alguém se lembrou dele aquando daquela foleirice que foi a eleição do “Maior Português” aqui há uns anos? Não, ninguém se lembrou. Ganhou Salazar. Temos o que merecemos, e somos pequeninos em tanta coisa, que até na hora de dar o devido valor a quem o merece revelamos a nossa pequenez. Só que Eusébio era maior que tudo isto, e foi embaixador mesmo em nome de quem não quer saber de embaixadas, nem percebe nada de diplomacia. Uma amiga macaense disse-me ter ficado surpreendida por ver tanta gente a chorar pela morte de um jogador. Respondi-lhe que faz todo o sentido, pois afinal não há por aí tanta gente que chora ao ver telenovelas ou filmes? Pelo menos o Eusébio era bem real, e mais que um mero jogador de futebol com uma carreira que durou 15 anos, é como homem um daqueles exemplos que continuamos a recusar imitar. Ele parte com a consciência tranquila de quem fez o que pode, e pode agora descansar no panteão dos deuses, ao lado do restantes imortais.
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