domingo, 19 de janeiro de 2014
E que tal ser...pontual?
A pontualidade não é um dos fortes dos portugueses em geral. Somos um povo que se atrasa, que tem gosto em se atrasar, que considera "elegante" chegar atrasado. É algum recalcamento nosso derivado de um complexo de inferioridade inato e uma grande vontade de chamar a atenção: chegando atrasados a uma reunião, a um espectáculo ou a uma festa, passamos a mensagem que somos uns gajos muito importantes, temos mais que fazer, mas que mesmo assim fizemos o possível para aparecer, portanto dêem graças pela nossa presença. Consigo imaginar o tipo que sabendo que demora 15 minutos para se deslocar de casa até um evento para o qual foi convidado ou tem bilhete, procrastina até faltarem cinco minutos para a hora marcada, e depois é um dos últimos a chegar, destacando-se de todos os que se dignaram chegar a horas ou menos atrasados que ele. O que vai na sua cabecinha de alfinete é: "vejam como todos olham para mim e se questionam: quem é este tipo tão misterioso e sensual que só agora chega?". O que estão a pensar, ou pelo menos deviam estar a pensar, é: "este palerma não tem relógio ou é apenas parvo?". Há os que se desculpam com "o trânsito", mesmo que tenham vindo a pé, mas quem pensa que chegar atrasado é sinónimo de classe, atrasou-se apenas "porque sim".
Os especialistas em etiqueta, esses desocupados que deviam procurar um emprego que contribuísse para a sociedade de forma positiva, dividem-se. Há os que consideram chegar atrasado "falta de educação" - e vá lá, que pelo menos há alguns deles que até fazem algum sentido, enquanto outros consideram "de bem" atrasar-se alguns minutos, ou mais, especialmente se for "um jantar". Esta peculiar escola de pensamento considera que ser o primeiro a chegar a um jantar evidencia gula, ou pressa para começar a comer. Ora, se um jantar for marcado para as oito, para quê chegar às oito e meia? Não entenderam bem quando vos disseram a hora? Precisam que vos faça um desenho ou que vos compre um relógio novo? Se calhar ficaram a cozer a bebedeira do almoço e acordaram atrasados da sesta. Tomaram banho, pelo menos? Alguém lhes devia dizer: "olha desculpa mas já comemos tudo; vai à cozinha ver se ainda restam umas sobras, ó atrasadinho". Devia-se estabelecer uma relação entre o atraso cronológico e ao atraso intelectual.
É interessante como os mesmos tipos que se atrasam de propósito para "não irem abrir a porta" não têm tomates para fazê-lo no emprego, ou para apanhar um transporte - pelo menos os que cumprem o horário estabelecido. Falamos de "pontualidade britânica" como se fosse uma coisa má; numa consulta marcada para as nove da manhã em que o médico chega dez ou vinte minutos atrasado, depara com o paciente já cansado de esperar, e ainda exclama com um ar de gozo: "isso é que é pontualidade britânica, ah?". Dá vontade de lhe responder: "é para isto que lhe pagam, e ainda por cima não é pouco, ah?". Aqueles tipos que chegam atrasados ao cinema e obrigam os outros que já estão confortavelmente instalados a ver o filme a levantarem as pernas para que suas altezas passem deviam ser barrados à entrada. "Olhe, desculpe mas o filme começou há 15 minutos, e mesmo que o deixasse entrar já não ia entender nada, uma vez que nem com um simples compromisso consegue atinar" - é o que lhes deviam dizer os porteiros.
Existe um fatalismo lusitano que nos faz não levar a sério o horário de alguns compromissos. Se tivesse dez patacas por cada vez que ouvi o seguinte diálogo, estava rico: - "Despacha-te, sabes a que horas começa o concerto?" - "Epá tem calma, eles disseram às nove mas aquilo nunca começa antes das nove e meia". O pior é que aqui o "atrasadinho" tem razão. Quantas vezes em Macau um espectáculo não se atrasou porque estavam todos à espera dum "sôtor" qualquer, e que começar sem ele seria um insulto à sua mui venerada careca? Já fui impedido de voar na TAP e precisei de comprar um bilhete novo porque cheguei "só" 45 minutos antes do vôo ao aeroporto, e não me deixaram fazer o "check-in". No entanto não me lembro de um único vôo da nossa companhia aérea de bandeira que não tenha saído pelo menos meia hora atrasado. Uma vez sai duas horas atrasado de Barcelona com destino a Lisboa. Estes são os piores tipos de atrasados: os que primeiro levam isto da pontualidade a sério, mas afinal são também eles uns atrasados crónicos. Se somos um país pequeno, com apenas um fuso horário (se no contarmos com os Açores, porque é que temos tanta gente dessincronizada? Se "Portugal" rima com "pontual", deviamos mudar o nome para "Portusado", onde se chega sempre atrasado.
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