quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
Pão prá multidão (1ª parte)
Não vos irrita quando acordam, não têm comida em casa ou tempo de preparar qualquer de jeito que se coma, e não existe um único sítio decente à volta de casa onde agarrar pelo menos uma sanduba? Não é horrível ter que sair de casa com fome, sem beber café, e sem fazer cócó? Não dá logo vontade de matar alguém? Não dava jeito ter uma espingardaria mesmo à mão, logo ao lado de um liceu do Colorado? Sim, é uma dor excruciante, amigo leitor, mas felizmente que não é irreversível, e muito menos fatal. Um ser humano saudável consegue passar dez dias sem qualquer alimento, e eu próprio vou até 12...horas! Estão a rir do quê? E olhem que já não é mau. A fome é uma cena que não assiste. Entre morrer de fome ou ser devorado por um leão, escolhia o leão, que com o último fôlego ainda dava para tentar enrabar o bicho. Com a barriga vazia é que não se enraba nada.
Sou uma autoridade máxima para dizer o que é uma porcaria de pequeno-almoço em Macau. Já vi tantos pequenos-almoços maus por estas bandas, que se em vez de pequenos-almoços fossem autópsias, eu seria o dr. Pinto da Costa dos pequenos-almoços. Já nem falo dos "mins" e dessas merdas, mas mesmo aqui ao pé de casa, mesmo no meio da Rua do Tarrafeiro, existe uma padaria chamada "McDona". Sabem o que é isso? É como se a Madonna tivesse ficado grávida do Ronald McDonald, fizesse um aborto, e chamasse àquilo "McDona", estão a ver? E não digam que só falo mal porque considero o nome patético. Uma vez entrei lá e vi uma espuma branca dentro de uma caixa de plástico, e perguntei à senhora da caixa se aquilo eram farofas. Ela respondeu que não, e que se tratava de "uma sandes de fiambre".
Este é o azar que tenho, mas existe um oásis no meio deste deserto onde os cactos são uma pilha de imundice, e...ah esperam lá, querem o quê? Bem, já que parti o hímen desta conversa, vamos ao "gangbang" complete dedicado ao tema das padarias em Macau. "Com direito a bukkake no fim, Leocardo". Aquilo que quiserem. É à vontade do freguês, e além do mais, o cu é vosso.
Na Rua do Campo, perto do meu quartel-general (aka "sítio onde finjo que trabalho") existe uma padaria Maxim's onde há uma (1) coisa que se come com gosto: sandes de carne assada em pão de centeio. Yummi, yummi. Esta iguaria só sai da parte da tarde, e é composta por quarto triângulos de pão de forma integral, com duas generosas fatias de carne de porco assada, lascas de cenoura, vestígios de alface, para dar a ilusão da presença de vitaminas, e um molho meio estanho, meio adoçicado, que prefiro não saber do que se trata. O único problema é que aquela merda está FRIA, porra! Seria muito pedir que pelo menos descongelassem a carne antes de fazer as sandes? Ou sei lá, aquecerem a própria sandes, um minuto que seja? Às vezes quando dou uma dentada naquilo cai água, pelo amor do Buda! Mas epá, pronto, não há bela sem senão.
Esta mesma Maxim's fabricava atrasado um espectacular croissant de ovo e amêndoa, que saía lá por volta das três da tarde. Era tão fresco, tão fofo, tão leve e ao mesmo tempo tão saboroso e calórico que não ficava a dever a qualquer "croissanterie" de Paris. Só faltava estar lá um tipo de bigode, camisa apertada às riscas pretas e brancas e a cheirar a cebola a entregar os croissant exclamando voilà! Entretanto deixaram de os fazer, assim sem mais nem menos. Bem que podiam acabar com os croissant de chocolate, que se desfazem em mil bocadinhos quando se lhes dá uma mordida, ou aqueles simples, os "faça-você-mesmo", nada de original. Mas não, acabaram com aqueles. O Maxim's deve ter uma directiva que proíbe a confecção de pastelaria que se adapte minimamente ao gosto ocidental.
Isto leva-me de volta à minha primeira desavença com a Maxim's. A primeira vez que entrei numa dessas malfadadas padarias foi em 1993, e foi no "branch" da Sidónio Pais. Vi lá um bolo que era cuspido e escarrado da nossa Bola de Berlim, sem tirar nem pôr, e portanto toca a comprar. Dou uma dentada de olhos fechados, ansioso para saborear o delicioso creme de ovo e prescindir de todos os outros sentidos que não o paladar. Só que a sensação que ficou não foi a de creme de ovo a barrar-me a língua. Era mais creme de ovas. Olho para aquilo, e vejo um recheio de uma gosma acastanhada, e por cinco segundos fico a aguardar que se mexa, julgando tartar-se de algum verme chinês comestível. Nada. Depois de uma observação mais atenta, vejo que se trata de pasta de feijão vermelho. Quem foi o sádico que se lembrou de rechear as Bolas de Berlim com pasta de feijão vermelho??? Sacrilégio, digno do mais intenso e aterrador dos pesadelos. Houvesse um décimo círculo do Inferno, e o castigo dos pecadores seria comer Bolas de Berlim com pasta de feijão vermelho para toda a eternidade.
Um dos Maxim's, no Edifício Si Toi da Praia Grande, tem papos-secos fresquinhos por volta do meio-dia, e são de-li-cio-sos. O problema é que são altamente perecíveis, e passadas duas horas, quando arrefecem, só servem para fazer açorda de coentros - e despachem-se. Pela noitinha estão prontos para ir para o lixo, e no dia seguinte já nem os porcos lhes pegam. Pior que os papo-secos do Maxim's, só as batatas fritas do McDonald's. Portanto, se um dia acordar com uma grande fome de pão, espere até ao meio-dia, vá até ao Maxim's do Si Toi, e despache-se! Descubra quantos consegue "mamar" em vinte minutos. O meu recorde pessoal é sete.
Por falar em pão, outra padaria do Maxim's, esta na Rua das Mariazinhas, oferece "chu-pa-bao" ao fim da tarde. AtençÒo, Malato, ali está o teu "chupa-o-pau" predilecto. Cuidado com o coração, maroto. Portanto este é o método utilizado para a confecção desta complicada especialidade: abre-se um papo-seco, frita-se uma costeleta de porco previamente panada em óleo, e enfia-se no papo-seco, mais nada. Voilá!, e ainda dizem que a alta-culinária é complicada. Dêm uma estrela Michelin a estes gajos, já! Uma não, cinco! Há seis? Não há? Então agora passa a haver! Depois deste elaboradossimo ritual que só pode ser executado durante os dez minutos do dia em que a Lua está na terceira casa de Jupiter (por volta das 4:30 da tarde), os "chu-pa-bao" são expostos numa bandeja de metal em cima do balcão, junto à porta. Afinfa-lhe! Esta é a faceta popular desta nobre receita. A insinuação socialista, o toque marxista, trotskysta, leninista e brochista, como quem convida os operários que voltam estafados de mais um dia de luta na fábrica, esfomeados, cheios de vontade de morder um "chu-pa-bao". Para o crime ser perfeito, só faltava uma jogada de "marketing". Sei lá, desenterrava-se a Amália, vestia-se o seu esqueleto com um xaile preto, e punha-se à porta do Maxim's com uma leitor de cassete a tocar uma versão de "Uma Casa Portuguesa": "Numa casa macaesa concerteza/há "chu-ba-bao" sobre a mesa/se há porta alegremente bate alguém/traz a Tsingtao de certeza/quatro pagodes restaurados/uma renda que aumentou/dou-te dois milhões pela casa/já não está cá quem falou". Depois pagam-me os direitos de autor!
(Continua)
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