sexta-feira, 22 de novembro de 2013
Sempre em festa, parte V: Páscoa
Torna-se enfadonho falar outra vez da Páscoa, porque já o faço todos os anos, recordando a sua origem na Passagem, ou Pesach, que comemora a liberação do povo judaico da escravidão no Egipto, e de como os cristãos os copiaram e usaram a mesma data para assinalar o sacrifício de Cristo, que morreu na sexta, ressuscitou no Domingo, a data tem ainda uma conotação com a transição do Inverno para a Primavera, a vida que se renova, a fertilidade, os coelhos, os ovos, blá, blá, blá, blá tudo isso. É por isso que decidi usar esta imagem dos Doçi Papiaçam di Macau - com a devida vénia - que tem estampado um grito de guerra que assenta como uma luva nesta quadra de que falo: chupa ôvo! O que dizer então da Páscoa que ainda não tenha sido dito, mas que fica mal deixar o tema de fora de uma rubrica dedicada às festividades e aos feriados?
Ora bem, isso mesmo: a festa da Páscoa. Um povo como o nosso, cristão ou de cultura cristã, gosta da Páscoa. Curte bué a cena da semana santa, mesmo que não cumpra os ritos, vá à missa ou sacrifique um cordeiro, que é uma coisa muito cristã para fazer nessa época. Curiosamente conheço muita gente, mesmo da minha idade, que ainda cumpre o jejum da sexta-feira santa. Mas é preciso não esquecer que estamos em Macau, onde ainda se pratica o catolicismo "hardcore", e na semana santa realiza-se mesmo a Procissão de Nosso Senhor do Bom Jesus dos Passos, uma espécie de cerimónia fúnebre onde se carrega uma imagem de Cristo vergado pelo peso da cruz, uma tradição com uma história antiga e sempre pólo de atracção turística. Outra atracção turística dá-se em Pampanga, nas Filipinas, onde se realizam habitualmente penitências que incluem crucificações, flagelações, uma loja inteira de horrores, "condenada pela Igreja Católica". Pois é, ensinaram-lhes isto, eles tomaram-lhe o gosto, e agora condenam.
Mas para as crianças a Páscoa tem um significado que vai além dos sacrifícios: os doces. Ena as guloseimas da Páscoa, os ovos de chocolate, as amêndoas, o folar...bem, o folar não, mas as amêndoas, os ovos de chocolate...Em termos de comércio, é muito mais fácil vender ovos de chocolate e amêndoas na Páscoa do que o Cristo ensanguentado pregado na cruz. Não sei, penso que deve ser por culpa desta maldita sociedade de consumo que subverteu todos os valores. Hoje em dia as pessoas preferem ficar em casa a almoçar com as famílias do que percorrer as estações da cruz. Comem faustosas iguarias sentadas às suas mesas decoradas com toalhas bordadas em vez que jazer pregaos num madeiro a beber vinagre, enrolados numa tunica suada e manchada de sangue. Foi para isto que morreu o nosso Salvador? Para que comeis chocolatinhos e amêndoas? Ingratos...
É possível que muitas crianças ainda pequenas, em idade pré-escolar, façam alguma confusão com os símbolos da Páscoa. Pode ser que alguns pensem mesmo que "o coelhinho da Páscoa põe ovos de chocolate. É normal, chega a ser até "giro". Se lhes explicamos que os colehos não poem ovos de chocolate nem de espécie nenhuma, porque são mamíferos "como ele", fazem birra, e respondem "é...é...'mamifo'...quem diz é quem é!". Quem lucra bastante com a ressaca da Páscoa são os dentistas. As tais amêndoas especialmente, cobertas com uma capa dura de 99% de açúcar, deixam uma factura de cáries para pagar. Depois do sabor, a dor.
Finalmente a questão dos feriados. Sabem sempre bem, mesmo que nem saibamos porque é feriado. A sexta-feira santa é o feriado por excelência, mas o dia de Páscoa propriamente dito, e como já dizia a minha avó, "é sempre ao Domingo". E a este propósito foi deixar uma farpa na malta lá de Portugal: sabiam que em Macau na segunda-feira a seguir ao Domingo de Páscoa há tolerância de ponto? Oui, oui, enquanto os amigos aí no rectângulo vão digerir o folar para o trabalhinho, nós ficamos de papo para o ar até terça-feira. Enquanto por aí andam a cortar feriados, aqui desde 2011 cada vez que um feriado cai a um Sábado ou Domingo, na segunda seguinte há tolerância de ponto. Macau sã assi. Até na Páscoa!
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