quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Quem somos, realmente? Parte VI: rebeldia


O pior cego é aquele que não quer ver, certo? E isto aplica-se a algumas mulheres mas em dose tripla: não querem ver, ouvir nem pensar. São “zombies”. Falo obviamente das mulheres que se envolvem com o pior tipo de crápulas, vigaristas, traficantes, drogados, desempregados crónicos ou “artistas” insolventes. A família, os amigos, os vizinhos, o sô Carlos da mercearia, a velha que dá pão aos patos no jardim, todos, mas todos lhe dizem que fulano é mau tipo, que a vai levar por maus caminhos, que é má rês, enfim, um tipo onde nem as moscas se atrevem a pousar. Ela diz-lhes que não, que tipo é o máximo, um incompreendido, coitadinho, uma “vítima” da hepatite C e do sistema, que o encarcerou três vezes até aos 17 anos, uma fera ferida, um grande coração, super-carinhoso.

Ao mesmo tempo há sempre um betinho qualquer, que se chama normalmente Bernardo, que tira notas espectaculares, veste-se bem, toma banho, penteia-se e lava os dentes, que até gosta dela, mas é olhado como um conformista, um escravo do sistema, enquanto o marginal com quem ela anda é “um rebelde”, e o que ela procura é “emoções”, portanto quer “viver aventuras”. Agora vou parar porque estou prestes a vomitar...

(Pausa de 5 minutos para beber uma Água das Pedras)

Pronto, já está. Assim, enquanto o Bernardo lhe oferece uma prenda nos anos, data que prepara com antecipação, o seu “selvagem” anda desaparecido há um mês, “à procura da verdadeira identidade” – diz ela. Era melhor que procurasse antes um emprego.

O Bernardo leva-a à gelataria depois das aulas e ajuda-a nos trabalhos de casa, o outro vai buscá-lo na Zundap roubada às duas da matina, para lhe dar uma queca antes do chuto, e ela pula da janela do quarto e vai com ele. Depois amam-se loucamente no colchão impregnado de bedum, estendido na retrete da casa de campo da avó. A seguir lavam-se com água da sanita. O pai de Bernardo é médico e a mãe professora, e amiúde convidam a miúda para jantar lá em casa, rodeada de sofisticação e bom gosto. Qualquer dia manda o namorado ir lá roubar as pratas. O seu “herói” não sabe quem é o pai, a mãe é alcoólica/drogada/prostituta, as três coisas, está presa/em desintoxicação/morta. A tal avó com quem vive, uma pobre viúva de 80 anos curta de vistas e dura de ouvido, sofre quando o neto lhe rouba a reforma para comprar cavalo, e depende da caridade dos vizinhos para suportar as despesas com comida e medicamentos.

Bernardo demonstra timidamente o seu afecto, e sempre que se aproxima para ver se sai pelo menos um beijo que o recompense pelo esforço (eu não beijava aquilo, se fosse o Bernardo), ela faz-lhe uma festinha e diz-lhes “és tão querido...a mulher que te escolher vai ser muito feliz...mas eu amo o Zé Chunga, é o homem da minha vida...”. O amigo sente-se meio apaneleirado por ser tão bonzinho, baixa a cabeça e diz “Compreendo...só quero que sejas feliz”. O que ele quer dizer mesmo é “sua puta ingrata e parvinha, que te dê uma herpes vaginal tão grande que até te crescem cogumelos na rata”. Mas o Bernardo “é um bom amigo”, coitadinho. Quer estudar, trabalhar, pagar as contas e ser uma pessoa decente. “É tão fofinho, mas tão parvinho”, pensa ela.

Este Zé Chunga, que podia ser um Paulo Macaco, um Chico Chinoca ou outro desses nomes tão bairristas, anda por aí atrás de meninas-bem, de boas famílias, e oferece-lhes um pouco de adrenalina, depois outro tanto de cocaína, e tudo o que elas precisam é apenas de lhe dar a vagina. Algumas destas jovens até nem são assim tão burras, e sabem distinguir o bem do mal, mas quando se apaixonam por tipos destes ficam hipnotizadas, atordoadas com o cheiro a chulé e o hálito a cebola. Entram na transe da chungaria. Quando não acabam mal, um dia endireitam-se, casam com um tipo banal como elas, têm filhos, fazem o círculo completo do berço à cova, sem nada a declarar. Arrependem-se, mas mesmo assim recordam esses tempos com alguma nostalgia. As estúpidas. Entretanto o Bernando abandonou qualquer esperança em encontrar uma mulher como ela. Actualmente é médico, como o pai, e vive numa mansão em parceria doméstica com o Rodolfo, que é arquitecto.

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