quinta-feira, 29 de agosto de 2013
No escurinho do cinema, parte IV: a arte do medo
Se o objectivo final da comédia é tentar-nos fazer rir, outros géneros cinematográficos há que procuram despertar outras emoções, apelando à nossa imaginação ou rebuscando os medos mais recônditos. É o caso dos filmes de ficção científica e de terror, o cinema do fantástico. Assim como as comédias não têm o condão de pôr toda a gente a rir, o sucesso destes filmes que apelam ao imaginário dependem da maior ou menor facilidade com que nos impressionamos. Assim como em qualquer outro género, a qualidade do argumento, da realização e das interpretações é importante, mas neste tipo de cinema mais ambicioso juntam-se a estes requisitos outros factores, como os efeitos visuais ou a caracterização. Uma coisa de cada vez.
Os filmes de ficção científica são normalmente associados às viagens espaciais, à exploração e conquista do universo. O Homem foi pela primeira vez ao espaço em inícios dos anos 60, e aterrou na Lua em 1969, o que levou a assumir que outras fronteiras seriam ultrapassadas num curto período de tempo. Daí que tenham surgido longas metragens e séries televisivas sugerindo que em poucos anos seria possível a qualquer um conduzir a sua nave especial rumo ao espaço sideral, ou apanhar um táxi para a Lua. O ano 2000 – talvez por ser um número redondo – foi estabelecido como a grande meta a atingir. O filme de ficção científica mais aclamado foi “2001 – Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, que em 1968 considerou os 30 anos seguintes um prazo razoável para se realizar a sua visão. Os maiores clássicos do género incluem a série “Star Wars” ou “Star trek”, onde a suspensão do descrédito tem um papel preponderante para poder apreciar a experiência.
De facto torna-se complicado prever o futuro, especialmente se essa previsão for feita para um futuro mais ou menos breve. A tecnologia evoluíu de uma forma tão diferente de como a imaginámos, que mesmo as engenhocas dos filmes de James Bond são completamente obsoletas perante uma simples “Pen drive”, o tal “dedinho” que nos permite armazenar dados informáticos e que cabe no bolso das calças. O segundo filme da trilogia “Back to the Future” mostrou-nos em 1989 um ano de 2015 muito irrealista para daqui a menos de ano e meio, e o filme “Demolition Man”, de 1993, com Sylvester Stallone e Wesley Snipes, dava-nos uma imagem de um ano de 2032 muito improvável, pelo menos a dezanove anos de se concretizar. O melhor é fazer como Woody Allen em “Sleeper”, que em 1973 levou-nos a 200 anos no futuro. Mesmo que a sua ideia do século XXII não seja precisa, longe disso, já não vai andar por cá para aturar os críticos.
Em vez de tentar prever o futuro, o melhor mesmo é criar uma alternativo, uma realidade distópica. Foi o que fez Stanley Kubrick com “Laranja Mecânica”, e outras películas como “Dark City” ou “Minority Report”. São filmes que não nos pedem para acreditar, mas simplesmente que apreciemos a “tara” do seu criador. O estilo foi inaugurado com sucesso em 1949 pelo escritor George Orwell com o seu “1984”, e apesar desse ano já ter passado, a visão do seu autor continua actual. Em matéria de prever o futuro, mantem-se o recorde centenário do francês Júlio Verne, que no século XIX tinha previsto nas suas obras algumas das conquistas futures da humanidade. Seria ele um dos ET’s a viver entre nós, como vimos no filme “Men in Black”?
Quanto ao género do terror, é difícil encontrar um consenso. Conheço muita gente que adora filmes de terror, e impressiona-se com facilidade. Pessoalmente nunca assisti a nenhum que me assustasse ou causasse pesadelos de noite. Mesmo os filmes que providenciam um susto mais ou menos decente lá para o meio ou para o final, já me deixaram tão aborrecido e a pensar noutra coisa melhor que fazer que não me emocionam. A era dourada dos filmes de terror terá sido na primeira metade do século XX, com os vampiros inspirados no conde romeno Vlad Tepes, um déspota sanguinário da idade média, ou o monstro de Frankenstein, criado pela novelista inglesa Mary Shelley a gozarem de um enorme sucesso. Os progressos na ciência e a globalização fizeram com que cada vez menos gente acreditasse que os mortos podem voltar ou que as múmias do Egipto podiam sair do seu sarcófago e andar.
Há dois filmes de terror, ou dentro do género, que me fazem com que lhes tire o chapéu: “Psycho”, do mestre do suspense Alfred Hitchcock, e “Shinning”, de Stanley Kubrick. Mas estes são reestidos da componente psicológica, e não do sobrenatural. Entre os mais incríveis, no sentido que carecem por completo de qualquer credibilidade, destaco “Noite dos Mortos Vivos”, de 1968, realizado por George A. Romero, que mesmo com um orçamento reduzido conseguiu ter bastante qualidade e ser um pioneiro dos filmes sobre “zombies”. Há outros filmes que têm o mérito de combinar o humor ou a fantasia com o sobrenatural, e por isso benificiam do facto de nunca nos dar a entender que estão a falar a sério. É o caso da série “Evil Dead”, que atingiu o pique do surrealismo com o terceiro e último episódio “Army of Darkness”, o clássico “Bruxas de Eastwick”, onde Jack Nicholson fazia de Diabo e as fresquíssimas Cher, Michelle Pfeiffer e Susan Sarandom as suas bruxas. Onde entra o Diabo, os resultados até conseguem ser positivos. São os casos do clássico “O Exorcista”, que foi revolucionário no campo dos efeitos visuais, ou o meu favorito, “Angelheart”, com Mickey Rourke no papel principal e Robert de Niro como Senhor das Trevas.
Em finais dos anos 90, uma espécie de compêndio de clichés do género do terror faz um sucesso inesperado. “Scream”, uma “franchise” que já originou quatro filmes entre 1996 e 2011, é realizado por Wes Craven, provavelmente a maior referência viva dos filmes de terror, apenas seguido de perto por John Carpenter. Craven gozou de um sucesso enorme com a série “Pesadelo em Elm Street”, onde um tal Freddy Krueger entra nos sonhos infantis e dilacera as criancinhas com as suas luvas artilhadas com laminas. Foi o pináculo dos “slasher movies”, um sub-género do terror que mostra as vítimas a cair nas mãos do assassino com a mesma facilidade que os porcos se encaminham para a matança. A vítima, normalmente um adolescente, escuta um barulho incaracterístico onde supostamente deveria haver silêncio, e em vez de dar corda aos sapatos e correr, vai espreitar, diz “hello? Anybody there?” e pimba!, fica com as tripas de fora. Tão previsível como aborrecido, mas para muitos sinónimo de entretenimento fácil. Daí se explicam as inúmeras sequelas de filmes como “Halloween” ou “Sexta Feira 13”.
Quando a ficção científica e o terror se misturam, obtemos resultados positivos, como foram os casos de “Alien” e “Alien 2”, o primeiro “Predator”, que contava com Arnold Schwarzenegger no elenco, ou ainda o excelente “The Fly”, a versão de 1986, um “remake” do clássico de 1958, com Vincent Price. Quando se intromete a sátira, os resultados são discutíveis, mas ainda consigo sorrir quando me lembro de “The Fearless Vampire Killers” (“Por favor não me morda o pescoço”, na versão portuguesa), um dos primeiros filmes de Roman Polanski, que faz uma revisão deliciosa do conto do Conde Drácula. Nos filmes de terror, o uso e abuso dos efeitos visuais é tão ou mais importante que o argumento, e além do já referido “O Exorcista”, quando se fala em efeitos visuais penso nos filmes de lobisomens. O sucesso destes filmes depende da metamorfose que transforma o homem em lobo, mas com bons ou maus efeitos, os filmes de lobisomens são uma treta, talvez com excepção de “Um lobisomem Americano em Londres”, que tenta ser cómico-trágico.
Actualmente o género de ficção científica resume-se apenas aos clássicos, com a série “Star Wars” a passar do prazo de validade, e os “Star Trek” com tantas gerações que nem quero saber; sem Leonard Nimoy no papel de Spock não têm piada nenhuma. O terror moderno é dirigido ao público adolescente e tem muito pouco a ver com terror propriamente dito, como é exemplo a saga “Twilight”, que é mais dirigido a adolescentes histéricas que se deliciam com a presença em ecrã de Robert Pattinson, e até se esquecem que se trata de um filme de terror, pelo menos em teoria. A verdade é que os filmes de terror já não assustam nem as criancinhas, apesar de existir ainda quem se impressione. A esses tenho uma pergunta a fazer: se têm medo , e até tapam os olhos nas cenas mais intensas, porque não vão antes ver outra coisa qualquer?
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