sábado, 17 de agosto de 2013

A comichão da comissão


A menos de um mês das eleições para Assembleia Legislativa em Macau, o sector pró-democrata inflamou o período de pré-campanha, ao incluir no seu programa eleitoral a demissão da Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, e a investigação ao ex-Chefe do Executivo Edmund Ho, por abuso de poder na atribuição das licenças do jogo. A lista 2, os Liberais do Novo Macau encabeçados por Jason Chao, incluíram os dois pontos no programa, enquanto o histriónico Lee Kin Yuen, da Associação Activismo para a Democracia, partilha com este a exigência da demissão de Florinda Chan. A polémica estalou quando a Comissão Eleitoral excluíu estes pontos do texto dos programas, e os candidatos acusam agora a entidade encarregada da organização do sufrágio de 15 de Setembro de “censura política”. Ontem durante o sorteio da ordem em que as listas se apresentarão na campanha televisiva, Lee Kin Yuen aproveitou para manifestar alto e bom som o seu descontentamento, perante o desgaste do juíz Ip Son Sang, que preside a Comissão, que aparentava estar a perder a sua magistral compostura. Se David Fong não teve mãos a medir há quatro anos com as eleições e acabaria com uma saída pouco graciosa por culpa dos atrasos na divulgação dos resultados, Ip Son Sang começa a tropeçar ainda no início deste caminho sinuoso até ao terceiro Domingo de Setembro.

As acusações de censura tinham sido feitas já na quinta-feira por Jason Chao, e noticiadas na imprensa em português do território – a única a que os meus conhecimentos linguísticos permite o acesso. O candidato dos Liberais do Novo Macau disse tudo o que havia para dizer: não foi violado qualquer regulamento e a decisão de eliminar os dois pontos do programa eleitoral da sua lista foram uma decisão unilateral por parte da comissão, e isto pode ser entendido como uma forma de censura. A decisão do orgão a quem incumbe a realização do acto eleitoral, que as parangonas vêm concomitantemente a apelar que seja limpo e transparente, só pode ser entendido como uma forma de “simpatia” política a dois detentores de altos cargos do Executivo. Não sei se estes ou outros altos dirigentes terão encomendado este sermão à comissão, mas tenho sérias dúvidas. Foi um típico caso de rebaixamento involuntário causado pela congenital curvatura da espinha dorsal tão comum nestes agentes públicos, de quem se espera nada mais que imparcialidade. Mesmo que alguns pontos dos programas de alguns dos candidatos sejam politicamente incorrectos e revestidos de controvérsia, cabe ao eleitorado julgar a sua validade. Cumpridos os requisitos mínimos, à comissão apenas cabe divulgá-los, e não julgá-los de acordo com a sua opinião pessoal. É para isso que lá está um magistrado, e não outro gajo qualquer: para assegurar a legalidade, e não para emitir juízos de valor.

Qual bombeiro sempre pronto a extreminar os focos de incêndio que possam chamuscar a credibilidade das elites políticas, José Rocha Dinis assinou ontem um editorial onde desvaloriza as pretensões de Chao e Lei, sublinhando que a AL não tem a competência para efectuar as exigências que constam do seu programa. Depois redime-se criticando a Comissão pelas justificações apresentadas para a eliminação dos pontos do programa. Neste particular não só concordo com o director do JTM como ainda acrescento algo mais: fosse a elaboração dos programas eleitorais regido por princípios como as competências reais da AL ou uma planificação política objectiva, e muitos eram submetidos à respectiva comissão num papel em branco, e isto serve também de resposta ao primeiro comentário do editorial em causa. Finalmente, e desta vez em jeito de opinião pessoal, JRD lamenta que a Comissão divulgue os conteúdos dos programas, dando assim publicidade aos factos que vêm agora ao conhecimento geral, e que minam a credibilidade do orgão eleitoral. Se a população – a mais informada, entenda-se – duvidava da transparência destas eleições, este caso só serve para esclarecer dúvidas que ainda restassem nesse sentido. Como levar a sério quem apela a eleições justas, e depois não dá sequer o exemplo?

Sobre Lee Kin Yuen não me pronuncio, pois do pouco que revela sobre a sua personalidade apenas salta à vista a sua imagem de “rebelde sem causa”, sempre de megafone em punho e uma pré-disposição para se colocar a jeito das autoridades, que para seu aparente deleite o enfiam dentro do camburão da polícia. Já quanto a Jason Chao, o caso muda de figura. Desde que se candidatou sem sucesso às eleições de 2009 como nº 2 da lista de Au Kam San tem-se dado a conhecer, bem como às suas posições, quer se concorde ou não com elas, que se reconheçam nele valências políticas ou não. Mais uma vez não posso concordar com os seus métodos, e penso que teria a ganhar mais com a inclusão de objectivos mais realistas no programa eleitoral da sua lista, que o ajudem a ser levado a sério pelo eleitorado indeciso que procura uma alternativa política onde ele se pode inserir, atendendo às suas qualidades. Quando apresenta propostas desta natureza está a assumir uma atitude meramente provocatória, e se era protagonismo que procurava, conseguiu. Só não posso é concordar com esta táctica de partir a loiça toda de modo a expôr os podres. Terá todo o tempo do mundo para o fazer caso chegue ao hemiciclo – o que espero muito sinceramente que aconteça – mas para lá chegar é preciso primeiro chegar lá. Quando o meretíssimo sr. dr. juíz Ip Son Sang sugeriu que Jason Chao recorra aos tribunais, mexeu num vespeiro. O democrata já o fez num passado recente, e deixou ficar mal a quem com ele ousou cantar ao desafio.

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