quinta-feira, 25 de julho de 2013
Papa Chico e os "demónios" evangélicos
O Papa Francisco está pelo Brasil, o maior país católico do mundo, perante sentimentos mistos. De um lado os fiéis, que deliraram ao poder ver de perto o líder da sua igreja, do outro lado manifestantes que aproveitaram a cobertura do evento para fazer que a sua voz se ouvisse - e os cartazes fossem lidos. O sumo pontífice rezou ontem uma missa no Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo, depois de dois dias no Rio de Janeiro, onde iniciou a sua primeira visita ao estrangeiro.
A respeito do significado da visita de Francisco ao maior país do mundo onde se fala português, destaco este artigo de Ferreira Fernandes no DN de terça-feira, reproduzido na edição de ontem do Jornal Tribuna de Macau. Concordo plenamente com tudo o que o cronista diz, e é um facto de a Igreja Católica vai perdendo seguidores no Brasil. Não deixa de ser irónico que a visita papal se tenha iniciado logo no estado brasileiro com a menor percentagem de católicos no país, como Fernandes tão bem referiu.
Só que enquanto noutros países a Igreja Católica e as religiões em geral vão perdendo adeptos à medida que melhora a qualidade de vida das suas populações (está comprovada a relação causa-efeito entre a pobreza e a crença no divino), no Brasil e no Rio em particular o problema é a concorrência: um terço dos cariocas são evangélicos, e um pouco por toda a cidade maravilhosa é possível encontrar templos protestantes de todos os tipos e feitios, das mais variadas confissões e cada um com a sua versão muito própria da interpretação da fé cristã.
Não me agrada a proliferação deste tipo de igrejas, muitas delas autênticos negócios que enriquecem os tais "pastores" à custa da generosidade (e ingenuidade) do seu "rebanho", mas a Igreja Católica faz pouco pela vida. O povo brasileiro é por natureza festivo,e certamente que a muitos lhes agrada mais um serviço religioso onde se canta, dança, tocam-se cuícas e pandeiretas e se urram aleluias enquanto se realizam milagres, tudo sob o tecto de um templo moderno, arejado e equipado com sistemas de som topo de gama e outros efeitos, quem sabe. Uma opção menos taciturna que as cinzentonas igrejas tradicionais onde as bafientas missas obedecem a preceitos rigorosos, apelando ao silêncio e ao respeito, "temendo a Deus". É praticamente a diferença entre um alegre dia de sol na praia e um penoso funeral à chuva.
Os evangélicos oferecem tudo o que a Igreja Católica não tem, desde cânticos a "rock" cristão, coros "gospel", sermões coreografados num tom de alegria e dados por pastores delirantes, que em tudo diferem dos sisudos padres e os suas leituras do evangelho em voz moribunda e cara de poucos amigos. Certamente que os grupos condenados pela doutrina oficial do Vaticano, como os homossexuais, são mais que bem vindos numa das inúmeras confissões evangélicas do vasto sortido, podendo assim praticar a sua crença sem que lhes apontem o dedo acusatório. Arrisco mesmo a dizer que há mesmo uma ou outra que realize casamentos entre pessoas do mesmo sexo, nem que sejam apenas simbólicos.
Enquanto vão aparecendo cada vez mais cultos alternativos e mais pessoas optam pelo agnosticismo ou ateísmo, a Igreja Católica vai fingindo que não é nada com eles. Enquanto não se realizarem as reformas urgentes que façam a igreja de Roma entrar definitivamente na era moderna e abandonar a mentalidade estagnada do medievalismo, os fiéis vão abandonando o barco, e o destino é o naufrágio no agitado mar dos escândalos, dos dogmas ultrapassados, da condenação da homossexualidade, da proibição do preservativo, do aborto, dos progressos da ciência e da medicina, da dificuldade em estabelecer o dialogo com diversos quadrantes da sociedade moderna, da crise das vocações.
O Brasil recebeu o Papa com o carinho e alegria que se esperava do povo brasileiro, e muitos terão gostado de ter o líder da Santa Sé no seu país, mesmo que não professem ou pratiquem o catolicismo. Este Papa Francisco irradia simpatia, e quem sabe se pode mudar qualquer coisa, algo que seja. Mas da mesma forma que dois paus não fazem uma cabana, um homem só não muda uma religião. Há muito trabalho pela frente, e será que o "chefe" (Deus) ajuda?
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