domingo, 28 de julho de 2013
O dragão pariu uma montanha
Foi com alguma surpresa que fiquei a saber pela imprensa da mudança de instalações da Polícia Judiciária. Devo ter andado distraído, pois não fazia ideia desta importante notícia. A PJ vai assim deixar as instalações da Rua Central onde funcionava há 20 anos, um edifício belíssimo em termos de arquitectura, e vai passar a combater o crime a partir do jovem mas cinzentão Edifício Xin Hua, junto do Gabinete de Ligação da RPC, para os lados do reservatório. Vai ser menos cómodo para quem esteja no centro da cidade e queira fazer uma denúncia. A mudança de ares prende-se com a construção da futura nova Biblioteca Central, que será localizada no edifício do antigo Tribunal Judicial de Base, nas imediações da agora ex-PJ. É mesmo pena, pois o quartel-general da Judite era já uma referência naquela zona da cidade.
Desde 1999, data da criação da RAEM, foram operadas mudanças de instalações várias, algumas bem pensadas, outras nem por isso. Ainda durante os últimos meses da administração portuguesa, alguns serviços públicos que se encontravam dispersos um pouco por toda a cidade foram aglomerados no novo Edif. Administração Pública (EAP), propriedade dos Correios – uma boa ideia, conveniente para o utente. Alguns anos depois saíu de lá o Instituto de Habitação, que passou a funcionar em sede própria, na Ilha Verde. Mais recentemente, praticamente ao lado do EAP passou a funcionar uma dependência da Imprensa Oficial. Para os lugares deixados vago no EAP entraram o Gabinete de Tradução Jurídica e a Comissão Eleitoral.
Entre os casos de “upgrading” bem sucedidos estão a Assembleia Legislativa e os Serviços de Identificação. O hemiciclo deixou o elegante mas diminuto salão do Palácio do Governo, na Praia Grande, e mudou-se para a zona de Nam Van, um pouco mais à frente, com honras de sede própria localizada numa nova praça que foi baptizada exactamente de Praça da Assembleia Legislativa. Os SIM deixaram a Calçada do Tronco Velho, onde ocupavam um andar escuro e triste, e passaram para um edifício novo e maior, muito mais organizado e funcional. Do outro lado da rua ficaram os Serviços de Educação, em instalações um pouco mais reduzidas mas semelhantes em termos de funcionalidade. Um aspecto comum em muitas destas mudanças é a concentração da maior parte dos serviços na zona da Praia Grande, facilitando a vida ao cidadão, que pode tratar das formalidades burocráticas sem recorrer a qualquer tipo de transporte.
Entre as mudanças menos consensuais está, por exemplo, o Gabinete de Comunicação Social, que estava perfeitamente identificado junto à Igreja de S. Domingos, e passou para um edifício qualquer na Praia Grande. Juro que ainda não sei bem onde. O caso mais mediático e a maior asneira foi a mudança do Tribunal Judicial de Base (TJB). A casa da justiça funcionava num edifício destinado ao efeito, o histórico e impomente edifício do Tribunal em frente à estátua de Jorge Alvares, junto à baía da Praia Grande, e inexplicavelmente foi deslocado para um centro comercial ali próximo, o Macau Square. O resultado é surrealista, com magistrados, funcionários judiciais, advogados, arguidos e testemunhas a partilhar diariamente o elevador com cidadãos comuns que nada têm a ver com os processos judiciais. Em Macau realizam-se julgamentos em salas improvisadas num espaço originalmente destinado a comércio. Enquanto o TJB continua à espera de um espaço à altura da sua importância, o antigo Tribunal ficou abandonado, estando actualmente a ser aproveitado para exposições e futuramente servirá de instalação à já referida Biblioteca Central, um projecto que tem ficado para as calendas gregas.
Para último guardei o melhor. Ou antes, o pior. A Universidade de Macau (UMAC) encontra-se actualmente em mudanças, deixando as instalações do Pac-On, na Taipa, onde sempre funcionou, e partindo para a Ilha da Montanha, um território gentilmente cedido pela R.P. China de modo a aliviar a saturação do território provocada pela falta de espaço. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Cheong U, afirmou recentemente que o novo “campus” estará sob a jurisdição das leis de Macau, uma dúvida levantada desde o anúncio da transferência. Uma boa notícia para quem duvidava das boas intenções do Governo Central, mas quanto ao resto, não há nada que redima o disparate que foi levar a UMAC para uma zona ainda mais periférica que o local onde se encontrava.
Não sou o primeiro a dizê-lo, mas levar a Universidade para longe do centro da cidade é um perfeito disparate, um erro de palmatória. A experiência da Universidade, a “universitas”, só faz sentido se for partilhada com a vivência da cidade onde se encontra. Coimbra tem uma das universidades mais famosas e antigas da Europa mas isso não se deve apenas ao peso da tradição ou à qualidade dos académicos. É uma cidade interessante, cheia de História, com gente educada e hospitaleira. A Sorbonne nunca seria o que é sem a cumplicidade com Paris, a cidade Luz. Oxford e Cambridge são exemplos acabados de como a cidade cresceu à volta das suas celebérrimas instituições de ensino superior. Em Macau vigora a mentalidade do campo de concentração de onde saem os doutores, do convento emissor de diplomas.
A partir deste ano lectivo de 2013/2014 os estudantes da UMAC ficarão sitiados, dependents de transportes públicos, horários, cancelas e guardas caso se queiram aventurar na cidade que os recebe para que prossigam a sua formação académica. Fala-se de um eventual desenvolvimento urbano a médio prazo na Ilha da Montanha, mas não acredito por um segundo que isso venha a valorizar a Universidade em termos culturais, ou que os novos residentes da ilha se insiram no padrão de residente-tipo de Macau. Em cima da mesa estão ainda projectos que visam “atirar” para aquele local asilos da terceira idade, estabelecimentos de ensino especial e clínicas de tratamento de doentes psiquiátricos. É como se estivessem a varrer o lixo todo para debaixo do tapete – sem desprezo pelos estudantes universitários. Qualquer dia Macau é uma cidade de casinos, hotéis, lojas de turistas e habitação com preços incomportáveis para os seus residentes. Para os restantes, nada como o ar puro…da montanha.
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