quinta-feira, 25 de julho de 2013
Batas brancas, perigo de morte
O Hoje Macau deu destaque na sua edição de hoje às declarações de Wong Kit Cheng, vice-presidente da Associação Geral das Mulheres de Macau e nº 2 da lista da União Promotora para o Progresso (UPP), apoiada pela Associação dos Moradores, vulgo "kai-fong", às eleições do próximo dia 15 de Setembro. Wong opõe-se à contratação de enfermeiros portugueses ao abrigo de um protocolo entre Portugal e a RAEM, ideia que esta semana o Executivo anunciou estar a ponderar para suprir a falta de pessoal de Enfermagem, especialmente em lares da terceira idade e outras instituições de assistência social. Wong Kit Cheng chama a atenção para a necessidade destes profissionais dominarem a língua chinesa, pois apesar do português ser idioma oficial, "a esmagadora maioria da população só domina o chinês". Wong chega mesmo sugerir que a contratação de enfermeiros portugueses é "perigosa", ao ponto de "poder colocar em risco a vida dos cidadãos". As afirmações desta senhora são de deixar qualquer um de boca aberta, e tivessem partido de elementos do Novo Macau, por exemplo, seriam entendidas de imediato como uma forma de "xenofobia".
A UPP é uma das forças tradicionais de Macau, pró-Pequim, de orientação conservadora e nacionalista. Nunca simpatizaram com a administração que governava o território antes do "handover", e não seria de esperar que o fizessem, mas nunca assumiram uma postura de confronto, e optaram sempre pela via da diplomacia. Este "rasgo" de anti-lusitanismo que as afirmações da sua nº 2 dão a entender só se podem explicar pela proximidade das eleições, que os leva a querer "agitar as hostes". Recorde-se que a UPP perdeu um lugar no hemiciclo nas últimas eleições, estando representada apenas pelo deputado Ho Ion Sang, que encabeça novamente a lista concorrente este ano, o que quer dizer que Wong Kit Cheng terá que "fazer pela vida" se quiser um lugar na AL. Não conheço o perfil do eleitorado da UPP, ou se este tipo de expedientes resultam mesmo, mas ao explicar as razões porque os enfermeiros portugueses não servem, mete os pés pelas mãos. Fica mesmo muito mal no retrato.
Wong alega que "hoje em dia a enfermagem é mais profissinalizada", e que o enfermeiro moderno "presta apoio psicológico e verbal aos doentes", além de lhe mudar os pensos e administrar injecções. Ignoro de que forma evoluíu a profissão nos últimos anos, mas se por acaso os enfermeiros fazem as vezes de psicólogos e assistentes sociais, espero que sejam devidamente remunerados para o efeito. Vendo bem, torna-se uma profissão bem atraente, com a perspectiva de três vencimentos em vez de um. Wong diz ainda que os enfermeiros precisam de conhecimentos linguísticos "quer orais, quer escritos". Escritos? Então querem lá ver que começaram também a passar receitas e tudo? Estes que a sra. vice-presidente da Associação Geral das Mulheres conhece são super-enfermeiros, verdadeiros homens dos sete instrumentos. Já agora que diga onde param, que assim já não é necessário trazer os tais portugueses que tanto a incomodam. Só que assim como fazem outras cabecinhas pensadoras aqui do burgo, criticar é sempre mais fácil do que apresentar alternativas.
Tirando estes pequenos detalhes que Wong aponta, o trabalho dos enfermeiros é praticamente igual em todo o mundo, e não varia de país para país ou conforme factores culturais. Julgo que um enfermeiro português que proceda a uma colheita de sangue para uma análise ou administre o soro a um paciente não vai ter problemas em encontrar as veias, que ficam no mesmo sítio, quer nos portugueses quer nos chineses. As agulhas e as seringas devem ser mais ou menos idênticas em Portugal e na China, pelo menos da última vez que comparei ambas. Não será necessário dialogar com um doente a que se muda um penso, ou fundamental escutar com atenção as instruções de um idoso a se dá um banho de esponja. Vendo bem até um surdo-mudo pode ser enfermeiro, desde que receba formação adequada nesse sentido. Quanto à ideia de que um enfermeiro que não domine um idioma representar um risco para a vida do doente, Wong Kit Cheng está apenas a ser tontinha. Um enfermeiro não realiza cirurgias, não é responsável pela posologia de medicamentoss ou planificação de tratamentos médicos, e não precisa que lhe digam quando chega a hora de administrar primeiros-socorro - sabe muito bem quando e como o deve fazer.
As afirmações desta jovem (sim, porque esta Wong Kit Cheng não deve ter mais que 31 ou 32 anos, o que torna ainda mais difícil de entender a sua casmurrice), inserem-se num tipo que agrada a muitos patrioteiros de pacotilha, que fazem questão de mostrar ao povo quem manda agora na casa. É pena que mais uma vez a questão da língua sirva de arma de arremesso político, quando se devia antes dar prioridade à competência, eficácia e conhecimentos técnicos. Compreendo que a Associação Geral das Mulheres tenha ficado abalada pela perda de representatividade na AL há quatro anos, e que queiram agora operar uma mini-revolução cultural para conquistar votos. Porque pensam que esta é uma forma eficaz é que não sei, e há problemas muito mais sérios para resolver do que a nacionalidade do pessoal de enfermagem. Mas olho para esta Wong Kit Cheng e fico um pouco triste que tanto disparate saia da boca da menina, que a julgar pela fotografia publicada no jornal é uma giraça, uma gatinha. Não sou enfermeiro mas sou português, e era bem capaz de lhe fazer boca a boca ou dar-lhe uma injecção com a minha seringa, que a faria logo mudar de opinião. E antes que me critiquem por estar agora a ser incorrecto, digo isto em minha defesa: tenho tanto direito em ser chauvinista como ela em ser xenófoba.
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