quarta-feira, 12 de junho de 2013
Dos pobres não reza a História
Bill Gates doa milhões de dólares e ajuda milhares de pobres, mas vai para o Inferno porque não acredita em Deus.
Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, declarou no ultimo fim-de-semana que “o mundo tem recursos para acabar com a pobreza”. Foi em Hyde Park, Londres, durante um evento que visava apelar ao G8, o grupo dos países mais desenvolvidos do mundo, que faça esforços no sentido de acabar com a fome que vitima milhões de crianças nos países mais pobres. Duvido que os senhores lhes dêm ouvidos, mas o que vale é a intenção. Ficar em casa é que não resolve mesmo nada.
Pode parecer irónico que o bilionário fundador da Microsoft, com uma fortuna superior ao PIB de alguns países, venha falar sobre fome ou pobreza. Contudo respeito-o, é conhecida a sua faceta filantrópica e o trabalho que realiza através da Fundação que dirige com a sua mulher Melinda, em suma, é alguém que dá algo em troca. Enriqueceu por mérito próprio, porque foi inteligente, e não amealhou os seus milhares de milhões de dólares traficando armas ou diamantes, nem à custa da exploração do trabalho alheio. Aliás a sua empresa é conhecida pelo curioso facto dos seus membros se poderem aposentar aos 40 anos. Se há miséria a mais neste mundo, não é por causa de Bill Gates, com toda a certeza.
Acabar com a pobreza no mundo é uma ambição tão legítima como utópica. Mesmo os mais indeferentes achariam “simpático” que não existissem pobres e que nenhuma criança passasse fome, mas é irrealista pensar que é possível existirem ricos se não existirem pobres. A distribuição actual leva a que apenas um por cento da população mundial detenha 39% da riqueza. É uma realidade que nos custa a aceitar, mas qual é a alternativa? Começar tudo de novo, cada um com a mesma verba e assim só ficava pobre quem fosse menos capaz? Já se pensou em qualquer coisa de semelhante, chamava-se “socialismo”, e como se veio a demonstrar, não deu certo. Se calhar o melhor é deixar tudo como está, paciência.
Se a ambição, desde que seja saudável, é uma característica própria do ser humano que o leva a competir e procurar uma vida melhor para si e para os seus, a ganância e o desprezo pelo resto da espécie é um defeito de fabrico. O evento do capitalismo trouxe a todos a oportunidade de enriquecer, e com algum esforço, inteligência, persistência e uma pitada de sorte pode ser que aconteça. Ninguém se importava de ser rico, e por isso aceitamos a regras. Ninguém exige aos ricos que divida pelos mais pobres o dinheiro que “têm a mais e não lhes faz falta”. É aceitável que se peça deles que paguem mais impostos sobre as suas fortunas, o que nem sempre acontece, e para que não ficassem tristes foram inventados os paraísos fiscais. Fascinante, o génio humano.
A tal ganância leva por vezes a que se prescindam de alguns valores como a dignidade ou o amor-próprio para atingir os fins. O perfume do dinheiro é inebriante, quase como uma droga, e quanto mais se tem mais se quer. Por isso recorrem-se a expedientes que nos ensinaram em pequenos que são errados, como a corrupção, o tráfico, o contrabando, o lenocínio e tudo mais. Quando se arrisca e as coisas correm de feição, vai-se a caminho do banco com um sorriso no rosto. Quando se perde a aposta…bem, perde-se mesmo a aposta. As prisões estão repletas de candidatos a milionário que tiveram menos sorte que outros que vivem em mansões com piscina e um Ferrari na garagem. Isto para não falar os que acabam no fundo do mar ou numa vala improvisada. O pior é que há cada vez mais candidatos dispostos a jogar esta roleta russa, cegados pelo encanto do cifrão.
Quando se combina capitalismo e democracia, as coisas correm mais ou menos bem, e as oportunidades estão ao acesso de quase todos. Ou mais ou menos isso. Noutros quartéis menos democráticos e mais abananados o jogo é menos justo, os dados estão viciados e ganham sempre os mesmos. Os déspotas, os generalissimos, os sheiks e toda essa manada não têm mãos a medir quando é hora de facturar, e tudo serve, desde petróleo a marfim, passando por cocaína e mão-de-obra infantil ou escrava. É aqui que encontramos mais pobres, os que não tiveram a sorte de fazer parte do clã do líder ou do seu círculo mais próximo, ou que não lhes é dada a chance de se venderem, o que fariam sem hesitações. Infelizmente existem cada vez mais cleptocracias, algumas mais exuberantes que outras, e ainda aquelas que se cobrem com a pele da democracia, ou usam perfume Chanel para disfarçar o cheiro a podre.
É comovente quando a malta se junta para apelar aos mais ricos e poderosos que não sejam umas bestas, quando vemos um milionário a partilhar com a macacada uma migalha do seu património, ou quando o Bono vai com chapéu de “cowboy” pedir ao líder de um país desenvolvido que perdoe a dívida dos países pobres (mal ele sabe que quem mais lucra com isso são os corruptos responsáveis pela pobreza endémica desses países, enfim), mas não chega. Em vez de lutar pelo fim da pobreza, uma batalha perdida, deviamos antes concentrar esforços para que as coisas não piorem. A tendência é que hajam menos ricos cada vez mais ricos, e mais pobres cada vez mais pobres. Se já é impossível limpar a cagada que nos levou onde estamos hoje, que pelo menos façamos qualquer coisa para espantar as moscas. Qualquer dia arriscamo-nos a ter um mundo onde meia dúzia de ricos fazem gato-sapato de uma maioria de pobres, e regressamos ao feudalismo. E é essa a herança queremos deixar para as gerações seguintes que, e apesar de tudo, insistimos em trazer ao mundo?
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