Com antenas na cabeça

Macau é uma terra de diferença, e a diferença é Macau, mais coisa menos coisa. Entre os mil e um ingredientes desta macedónia que compõe este bolo-rei cozinhado em pouco mais de vinte quilómetros quadrados está a questão dos “anteneiros”, uma questão que há anos vem promovendo entre a TV Cabo e os operadores ilegais de televisão um concurso para ver quem mija mais longe. Como o nome indica, “anteneiros” vem de “antena”, e trata-se de um nome simpatico para os senhores que transmitem sem licença e em sinal aberto canais de TV que os “cabotinos” (isto parece mal, mas deixem lá) têm exclusividade de emitir em sinal fechado. A solução lógica seria entrar pela barraca dos anteneiros, dar-lhes ordem de prisão e reduzir-lhes o equipamento com que exercem a actividade ilegal em cacos. Mas será assim tão fácil e evidente fazer o que tem que ser feito? É aqui que – e repito – a diferença é Macau.

O principal problema é que a esmagadora maioria da população não assina a TV Cabo. Porque não. Mesmo que os residentes quisessem assinar o serviço e ficar de fora desta baralhada, é necessário que os seus edifícios estejam equipados com a tecnologia que permitisse a todas as moradias obter a recepção do sinal, e dotar todos os prédios antigos desta capacidade é mais complicado que terminar as obras de Santa Engrácia. O problema arrasta-se deste os tempos da administração portuguesa, e o Executivo actual vê-se de pés e de mãos atadas para resolver a contenda e fazer prevalecer o primado da lei, deixando correr as marés e fazendo figas para que a espuma fétida que dá à costa levando consigo algumas alforrecas não passe disso mesmo: espuma. E porquê? Porque impôr a legalidade teria custos épicos na qualidade de vida da população e iria ferir de morte a credibilidade do Governo, que seria menos popular que Judas é para os cristãos na sexta-feira santa.

O Executivo está nas mãos dos tais “anteneiros”, que brincam com a lei como se de um io-io se tratasse, arremessando-a para cima e para baixo, atirando-a contra a parede e procedendo de um modo que se pode designar de “chantagem”, na falta de uma palavra melhor. Não, é chantagem mesmo, pura e simples. Se o Governo e a TV Cabo apertam com os “anteneiros”, estes cortam o sinal e lá fica o grosso dos lares de Macau sem a TVB e a ATV, os canais de Hong Kong que transmitem os seus programas de eleição. A última vez que os “anteneiros” fizeram birra choveram queixas. A malta nova ainda encontrou qualquer coisa com que se entreter, mas os velhinhos que “não sabem usar a internet” (nem procuram aprender, os teimosos) sentiram-se de volta à Idade da Pedra, incomodados com o silêncio sepulcral que pairou ao serão nos seus domicílios, antevendo um destino cada vez mais próximo e do qual não lhes agrada a “preview”. Claro que para os nossos dirigente isto é mau. Vai contra o princípio sagrado da “harmonia”, e por isso toca a ficar de cú para o ar perante os “anteneiros”, senão eles “partem esta merda toda”. Vale uma aposta?

O ideal – e aqui o ideal nem sempre significa o concretizável – seria encontrar um meio-termo, um compromisso que garantisse à TV Cabo o retorno do seu investimento e o cumprimento dos compromissos assinados na altura da concessão da transmissão de canais em sinal fechado, e ao mesmo tempo não deixasse o povão sem a companhia daqueles programas inanos com que se vão entretendo antes de ir para a caminha, sem a sua colher de xarope de ópio. Ninguém é obrigado a assinar o serviço de cabo ou de satélite, e mesmo que fosse o facto de se ver impossibilitado de o fazer torna a situação ainda mais exasperante. O mais provável é que esta guerrilha das frequências se vá arrastando, talvez até ao dia em que seja possível implanter um “chip” na mioleira que permita receber os canais preferidos, bastando para isso ajustar as têmporas para mudar de programa. Por enquanto assobia-se para o lado. Anteneiros? O que é isso?